Como vimos, para Nietzsche, um conceito é uma entidade imaginária. Em A Gaia Ciência, Nietzsche afirma que, durante “imensos períodos de tempo”, o intelecto “não produziu nada além de erros”1 e que um conceito como o de causalidade, ou seja, a dualidade de causa e efeito, “provavelmente nunca existiu” (GS, 172). De fato, causa e efeito não são, de forma alguma, propriedades das coisas, mas interpretações. Eles devem ser tomados como instrumentos úteis, mas não para explicação: “Deve-se usar ‘causa’ e ‘efeito’ apenas como conceitos puros, ou seja, como ficções convencionais com o propósito de designação e comunicação — não para explicação.”2 Não existe causalidade como alguma ordem objetiva ou legalidade. Em vez disso, causa e efeito são ficções que inventamos. “Somente nós inventamos a causa, a sequência, o para-outro, a relatividade, a restrição, o número, a lei, a liberdade, o motivo e o propósito; e quando projetamos e misturamos esse mundo simbólico nas coisas como se ele existisse ‘em si mesmo’, agimos mais uma vez como sempre agimos — mitologicamente” (BGE, 29). Nietzsche enfatiza o caráter artificial da “explicação” de causa e efeito, destacando como se separa no fluxo da vida “duas coisas distintas”, causa e efeito, enquanto há apenas “uma multiplicidade de uma após a outra”. Nietzsche vê o fluxo do devir, enquanto o pensamento metafísico racionalista inventou uma ordem causal, ou seja, a abstração de uma causa distinta do efeito. Entretanto, a causalidade não existe: “Causa e efeito: essa dualidade provavelmente nunca existe; na verdade, somos confrontados por um continuum do qual isolamos alguns pedaços, assim como percebemos o movimento apenas como pontos isolados e o inferimos sem nunca vê-lo de fato” (GS, 173). Em última análise, para Nietzsche, a estrutura de causa e efeito é uma construção que oculta o contínuo múltiplo da vida, uma construção artificial que impomos ao fluxo da vida. “A repentinidade com que muitos efeitos se destacam nos engana; na verdade, ela é repentina apenas para nós. Nesse momento de repentinidade, há um número infinito de processos que nos escapam. Um intelecto que pudesse ver causa e efeito como um contínuo e um fluxo, e não, como fazemos, em termos de uma divisão e desmembramento arbitrários, repudiaria o conceito de causa e efeito e negaria toda condicionalidade” (GS, 173).
RAFFOUL, François. Thinking the event. Bloomington: Indiana university press, 2020.