Partindo do entendimento que o antigo termo grego “psyche” (vida), significava em latim “anima”, o que anima ou seja a vida que anima o vivente, temos três citações que se articulam, e cuja reflexão é digna de pensar, sem de-finir o que quer quer seja, sem im-por limites ao “aberto” por natureza, a alma, “de certo modo todo ente”. As citações de um poeta, de um filósofo antigo e de uma leitura atual, com “ouvidos gregos”, do filósofo antigo, só visam apontar o indefinível de diferentes perspectivas.
FERNANDO PESSOA ([Livro do Desassossego->http://93.174.95.29/main/EA4BE379B8A3FF4A32760D7A30DB0E03]. São Paulo, 2017 – edição digital, formato epub)
A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova. Baldado esforço o teu se queres sentir outras coisas sem sentires de outra maneira, e sentires de outra maneira sem mudares de alma. Porque as coisas são como nós as sentimos — há quanto tempo sabes tu isto sem o saberes? — e o único modo de haver coisas novas, de sentir coisas novas é haver novidade no senti-las. Muda de alma. Como? Descobre-o tu. Desde que nascemos até que morremos mudamos de alma lentamente, como do corpo. Arranja meio de tornar rápida essa mudança, como com certas doenças, ou certas convalescenças, rapidamente o corpo se nos muda.[301]
ARISTÓTELES ([De Anima->http://93.174.95.29/main/F7F80CBB704AA8AC78B6017FF092F363]. Tr. Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34, 2006.)
431b20. Agora, resumindo o que foi dito a respeito da alma, digamos novamente que a alma de certo modo é todos os seres; pois os seres são ou perceptíveis ou inteligíveis, e a ciência de certo modo é os objetos cognoscíveis, e a percepção sensível, os perceptíveis; mas é preciso investigar de que modo isto se dá.
MARTIN HEIDEGGER ([Ser e Tempo->https://archive.org/details/sereotempo/mode/2up]. Tradução revisada de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 50)
Já cedo percebeu-se o primado ôntico-ontológico da presença [Dasein], embora não se tenha apreendido a presença [Dasein] em sua estrutura ontológica genuína nem se tenha problematizado a presença [Dasein] nesse sentido. Aristóteles diz: ἡ ψυχὴ τὰ ὄντα πώς ἐστιν 1, “a alma (do homem) é, de certo modo, todo ente”; a “alma”, que constitui o ser do homem, descobre, em seus modos de ser, αἴσθησις e νόησις, todo ente naquilo que ele é e como ele é, ou seja, descobre sempre todo ente em seu ser. Esta fraise, que remonta à tese ontológica de Parmênides, foi citada por Tomás de Aquino numa discussão característica. Para derivar os “transcendentais”, isto é, os caracteres do ser que estão muito além de toda determinação possível de conteúdo genérico de um ente, portanto, de todo modus specialis entis, e que convêm necessariamente a tudo, o que quer que seja, é preciso demonstrar também o verum como esse transcendens. Santo Tomás o faz recorrendo a um ente que, em seu modo de ser, tem a propriedade de “convir” a todo e qualquer ente. Esse ente privilegiado, o ens quod natum est convenire cum omni ente, é a alma (anima)2. O primado da presença [Dasein] frente a qualquer outro ente que aqui se apresenta, embora ainda não esclarecido do ponto de vista ontológico, nada tem em comum com uma má subjetivação da totalidade dos entes.
- Aristóteles, De anima, G 8, 431 b 21, cf. idem 5, 430 a 14s.[↩]
- Tomás de Aquino, Quaestiones de veritate, qu. I, art 1 c, cf., no opúsculo “De natura generis”, a dedução dos transcendentais em parte diversa e mais rigorosa do que aquela aqui mencionada.[↩]