É por isso que se deve procurar, na analítica existencial da presença (Dasein), a ONTOLOGIA FUNDAMENTAL de onde todas as demais podem originar-se. STMSC: §4
A comprovação do privilégio ôntico-ontológico da questão do ser funda-se na indicação provisória do primado ôntico-ontológico da presença (Dasein). A análise da estrutura da questão do ser como tal (§2) deparou-se com uma função privilegiada desse ente na própria colocação da questão. A presença (Dasein) mostrou-se, assim, como o ente que deve ser trabalhado e desenvolvido em seu ser de maneira suficiente para que o questionamento se torne transparente. Agora, porém, revelou-se que a analítica ontológica da presença (Dasein) em geral constitui a ONTOLOGIA FUNDAMENTAL e que, portanto, a presença (Dasein) se evidencia como o ente a ser, em princípio, previamente interrogado em seu ser. STMSC: §4
Em seu conteúdo, a fenomenologia é a ciência do ser dos entes – é ontologia. Ao esclarecer as tarefas de uma ontologia, surgiu a necessidade de uma ONTOLOGIA FUNDAMENTAL, que possui como tema a presença (Dasein), isto é, o ente dotado de um privilégio ôntico-ontológico. Pois somente a ONTOLOGIA FUNDAMENTAL pode colocar-se diante do problema cardeal, a saber, da questão sobre o sentido de ser em geral {CH: ser – de modo algum um gênero; o ser não é para o ente em sua generalidade; o “em geral” = katholou = no todo de: ser dos entes; sentido da diferença}. Da própria investigação resulta que o sentido metodológico a da descrição fenomenológica é interpretação. O logos da fenomenologia da presença (Dasein) possui o caráter de hermeneuein. Por meio deste hermeneuein anunciam-se o sentido próprio de ser e as estruturas fundamentais de ser que pertencem à presença (Dasein) como compreensão de ser. Fenomenologia da presença (Dasein) é hermenêutica no sentido originário da palavra em que se designa o ofício de interpretar. Desvendando-se o sentido de ser e as estruturas fundamentais da presença (Dasein) em geral, abre-se o horizonte para qualquer investigação ontológica ulterior dos entes não dotados do caráter de presença (Dasein). A hermenêutica da presença (Dasein) torna-se também uma “hermenêutica” no sentido de elaboração das condições de possibilidade de toda investigação ontológica. E, por fim, visto que a presença (Dasein), enquanto ente na possibilidade da existência possui um primado ontológico frente a qualquer outro ente, a hermenêutica da presença (Dasein) como interpretação ontológica de si mesma adquire um terceiro sentido específico – embora primário do ponto de vista filosófico –, o sentido de uma analítica da existencialidade da existência. Trata-se de uma hermenêutica que elabora ontologicamente a historicidade da presença (Dasein) como condição ôntica de possibilidade da história fatual. Por isso é que, radicada na hermenêutica da presença (Dasein), a metodologia das ciências históricas do espírito só pode receber a denominação de hermenêutica em sentido derivado. STMSC: §7
O que ainda se deve mostrar no ser-no-mundo, além das remissões essenciais de ser-junto-ao-mundo (ocupação), de ser-com (preocupação) e de ser-si-mesmo (quem)? Com efeito, pode-se sempre ainda ampliar a análise no sentido de se distinguir a presença (Dasein) dos entes não dotados do caráter de presença (Dasein), mediante uma caracterização comparativa dos desdobramentos da ocupação e sua circunvisão, da preocupação e sua consideração, e através de uma explicação mais apurada do ser de todos os entes intramundanos possíveis. Sem dúvida, nesta direção há muitas tarefas a serem cumpridas. O que se explicitou até aqui ainda carece de complementos no tocante a uma elaboração completa do a priori existencial de uma antropologia filosófica. Mas esse não é o propósito da presente investigação. O seu escopo é uma ONTOLOGIA FUNDAMENTAL. Se é assim que questionamos tematicamente o ser-em, sem dúvida não poderemos pretender esgotar a originariedade deste fenômeno, derivando-o de outros, isto é, mediante uma análise inadequada, no sentido de uma solução. Todavia, a impossibilidade de se derivar o que é originário não exclui uma variedade multiforme de características ontológicas constitutivas. Quando elas se mostram, são igualmente originárias do ponto de vista existencial. O fenômeno da igualdade originária dos momentos constitutivos foi, muitas vezes, desconsiderado na ontologia, em consequência de uma tendência metodológica incontrolável para comprovar a proveniência de tudo e de todos a partir de um “fundamento primordial” único e simples. STMSC: §28
Em primeiro lugar, pode-se mostrar no enunciado de que maneira a estrutura-”como”, constitutiva de todo compreender e interpretação, e suscetível de modificação. Com isso, o compreender e a interpretação aparecem com maior nitidez. Em segundo lugar, a análise do enunciado ocupa um lugar privilegiado na problemática de uma ONTOLOGIA FUNDAMENTAL, uma vez que, no início decisivo da antiga ontologia, somente o logos constituía o fio condutor do acesso ao ente propriamente dito e da determinação do ser dos entes. Por fim, ha muito tempo, o enunciado vale como o “lugar” próprio e primário da verdade. Esse fenômeno se acha tão intimamente acoplado ao problema do ser que a presente investigação terá de se deparar necessariamente, em seu curso, com o problema da verdade. Ela já se encontra, embora implicitamente, na dimensão desse problema. A análise do enunciado também pretende servir de prepare para esta problemática. STMSC: §33
Do ponto de vista ontológico, a cura é “anterior” aos fenômenos mencionados que, sem dúvida, só podem ser adequadamente “descritos” dentro de certos limites, sem que se precise evidenciar ou tornar conhecido o horizonte ontológico em seu todo. Para a presente investigação de uma ONTOLOGIA FUNDAMENTAL, que não aspira a uma ontologia tematicamente completa da presença (Dasein) e muito menos a uma antropologia concreta, basta que se indique como estes fenômenos se fundam existencialmente na cura. STMSC: §41
A interpretação ontológica da presença (Dasein) trouxe para o conceito existencial de cura a interpretação pré-ontológica que esse ente se deu como “cura”. A analítica da presença (Dasein), porém, não visa a uma fundamentação ontológica da antropologia. Ela tem por fim uma ONTOLOGIA FUNDAMENTAL. Esta é que determinou, embora implicitamente, o curso das observações feitas até aqui, a escolha dos fenômenos e os limites de penetração da análise. No tocante à questão guia sobre o sentido de ser e sua elaboração, a investigação deve agora assegurar expressamente o que foi conquistado. Isso, contudo, não pode ser alcançado através de um resumo exterior do que se, discutiu. Ao contrário, com a ajuda do que se obteve, deve-se acirrar ao máximo a compreensão mais profunda do problema que, no início da analítica existencial, foi apenas indicado em linhas gerais. STMSC: §42
Será que a análise existencial da presença (Dasein), anteriormente realizada, nasceu de uma tal situação hermenêutica, capaz de garantir a originariedade exigida pela ONTOLOGIA FUNDAMENTAL? Do resultado obtido – o ser da presença (Dasein) é a cura – pode-se passar para a questão da unidade originária desse todo estrutural? STMSC: §45
A precisão da interpretação ontológica {CH: isto é, da ONTOLOGIA FUNDAMENTAL} da morte deve consolidar-se, preliminarmente, através de uma explícita conscientização daquilo que ela não questiona e daquilo que, em vão, dela se espera no sentido de informação e indicação. STMSC: §49
A auto-interpretação cotidiana da presença (Dasein) conhece como voz da consciência aquilo que a seguir apresentaremos como testemunho. Que o “fato” da consciência seja questionado, que diversas sejam as avaliações de sua função de instância para a existência da presença (Dasein) e que sejam múltiplas as interpretações do que “ela diz”, tudo isso deveria levar-nos a renunciar a esse fenômeno. No entanto, justamente a “dubiedade” desse fato e de sua interpretação provam que aí reside um fenômeno originário da presença (Dasein). A presente análise se coloca a consciência na posição prévia de tema de uma investigação {CH: investigação agora mais radical a partir da essência do filosofar} puramente existencial, com vistas à ONTOLOGIA FUNDAMENTAL. STMSC: §54
Expor os traços fundamentais e as correlações das possibilidades faticamente existenciárias bem como interpretá-las em sua estrutura existencial pertence ao âmbito das tarefas da antropologia tematicamente existencial. Para o propósito da ONTOLOGIA FUNDAMENTAL inerente à presente investigação basta delimitar, existencialmente, o poder-ser próprio testemunhado na consciência pela e para a própria presença (Dasein). STMSC: §60
A decisão antecipadora não é, de modo algum, um subterfúgio inventado para “superar” a morte. Ela é o compreender que responde ao apelo da consciência, a qual libera a possibilidade de a morte apoderar-se da existência da presença (Dasein) e de, no fundo, dissipar todo encobrimento de si mesma, por menor que seja. O querer-ter-consciência, determinado como ser-para-a-morte, também não significa um desprendimento do mundo mas conduz, sem ilusões, à decisão do “agir”. A decisão antecipadora também não surge de uma disposição “idealista” que sobrevoa a existência e suas possibilidades. Ela brota do compreender sóbrio de possibilidades fundamentais e fáticas da presença (Dasein). Junto com a angústia sóbria que leva para a singularidade do poder-ser, está a alegria mobilizada dessa possibilidade. Nela, a presença (Dasein) se vê livre dos “acasos” dos entretenimentos que a curiosidade solícita cria, sobretudo, a partir das ocorrências do mundo. A análise destes estados fundamentais de humor ultrapassa, porém, os limites estabelecidos para a presente interpretação em seu propósito de ONTOLOGIA FUNDAMENTAL. STMSC: §62
A análise da decisão antecipadora conduziu, ao mesmo tempo, para o fenômeno da verdade originária e própria. Já se mostrou como a compreensão ontológica, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes predominante, concebe o ser no sentido de algo simplesmente dado, encobrindo, dessa forma, o fenômeno originário da verdade. Se, no entanto, ser somente “se dá” na medida em que a verdade “é”, e a compreensão de ser sempre se modifica segundo o modo da verdade, então a verdade originária e própria deve garantir a compreensão de presença (Dasein) e de ser em geral. A “verdade” ontológica da análise existencial forma-se com base na verdade existenciária originária. No entanto, esta não precisa necessariamente daquela. A verdade mais originária, existencial e básica para a qual se encaminha a problemática de uma ONTOLOGIA FUNDAMENTAL – preparando a questão do ser em geral – é a abertura do sentido ontológico da cura. Assim, para se liberar esse sentido, é preciso aprontar integralmente o conteúdo estrutural da cura. STMSC: §63
A exposição do problema existencial da historicidade numa ONTOLOGIA FUNDAMENTAL articula-se do seguinte modo: a compreensão vulgar da história e o acontecer da presença (Dasein) (§73); a constituição fundamental da historicidade (§74); a historicidade da presença (Dasein) e a história do mundo (§75); a origem existencial da historiografia a partir da historicidade da presença (Dasein) (§76); o nexo da presente exposição do problema da historicidade com as pesquisas de Dilthey e as ideias do Conde Yorck (§77). STMSC: §72
Não é por acaso que Yorck chama o ente não histórico de ôntico simplesmente. Isto apenas reflete o predomínio ininterrupto da ontologia tradicional que, provindo do antigo questionamento do ser, mantém a problemática ontológica numa estreiteza de princípio. O problema da diferença entre o ôntico e o histórico só pode ser elaborado como problema de pesquisa caso se tenha assegurado preliminarmente o fio condutor, através do esclarecimento de uma ONTOLOGIA FUNDAMENTAL que questiona o sentido de ser em geral. Dessa forma se esclarece em que sentido a analítica existencial e temporal preparatória da presença (Dasein) se decidiu por cultivar o espírito do Conde Yorck para servir à obra de Dilthey. STMSC: §77
Na formação do conceito vulgar de tempo mostra-se uma oscilação curiosa quanto a atribuir ao tempo um caráter “subjetivo” ou “objetivo”. Quando se concebe o tempo como sendo em si, atribui-se então, de preferência, o tempo à “alma”. E quando possui um caráter “consciente”, funciona como algo “objetivo”. Na interpretação hegeliana do tempo, ambas as possibilidades são, de certa forma, superadas. Hegel tenta determinar o nexo entre o “tempo” e o “espírito” para, então, tornar compreensível por que o espírito, entendido como história, “cai no tempo”. Em seu resultado, a presente interpretação da temporalidade da presença (Dasein) e da pertença do tempo do mundo à temporalidade parece concordar com Hegel. Considerando, porém, que a presente análise do tempo, já em seu ponto de partida, se distingue, em princípio, de Hegel e que a sua meta, ou seja, a intenção de uma ONTOLOGIA FUNDAMENTAL, orienta-se contrariamente a ele, faz-se então necessária uma breve exposição da concepção hegeliana da relação entre tempo e espírito, a fim de esclarecer, indiretamente, e de se concluir, provisoriamente, a interpretação ontológico-existencial da temporalidade da presença (Dasein), do tempo do mundo e da origem do conceito vulgar de tempo. STMSC: §78
Só é possível responder às questões se e como se atribui ao tempo um “ser”, por que e em que sentido chamamos o tempo de “ente”, caso se mostre como, na totalidade de sua temporalização, a própria temporalidade possibilita uma compreensão de ser e um dizer os entes. O capítulo articula-se da seguinte maneira: a temporalidade da presença (Dasein) e a ocupação do tempo (§79); o tempo ocupado e a intratemporalidade (§80); a intratemporalidade e a gênese do conceito vulgar de tempo (§81); a distinção do nexo ontológico-existencial entre temporalidade, presença (Dasein) e tempo do mundo por oposição à concepção hegeliana da relação entre tempo e espírito (§82); a analítica existencial e temporal da presença (Dasein) e a questão da ONTOLOGIA FUNDAMENTAL sobre o sentido de ser em geral (§83). STMSC: §78
A origem e a possibilidade da “ideia” do ser em geral nunca podem ser investigadas mediante a “abstração” lógico-formal, ou seja, sem um horizonte seguro de pergunta e resposta. Trata-se de buscar e de percorrer um {CH: e não “o” único} caminho para o esclarecimento da questão a da ONTOLOGIA FUNDAMENTAL. Somente após tê-lo percorrido é que se poderá decidir se ele é o único ou, simplesmente, o correto. Por nem sequer ter sido desencadeado, o combate em torno da interpretação de ser não se pode dar por terminado. Por fim, esse combate não pode ser desencadeado “com um estalar de dedos”, mas exige uma mobilização. Exclusivamente para isso é que a presente investigação está a caminho. Onde ela está? STMSC: §83