o entre

Zwischen

Mundo e coisa não subsistem um ao lado do outro como coisas justapostas. Eles se interpenetram. Assim os dois dimensionam um meio. Nesse meio, estão unidos. Assim unidos, são íntimos. O meio dos dois é a intimidade. “Entre” é o nome que nossa língua dá ao meio de dois. A língua latina diz inter. Inter corresponde ao alemão unter. A intimidade de mundo e coisa não é mistura. A intimidade prevalece somente onde o íntimo, mundo e coisa, puramente se distingue e permanece distinto. No meio de dois, entre mundo e coisa, em seu inter, nesse unter, prevalece o corte [Schied] que os separa e diferencia. [GA12MSC:19]


Em que direção deve-se olhar para que se possa caracterizar fenomenalmente o ser-em como tal? A resposta encontra-se, quando se recorda o que, na indicação do fenômeno, já foi confiado a visão fenomenológica: o ser-em difere da interioridade de algo simplesmente dado “em” um outro; o ser-em não é propriedade de um sujeito simplesmente dado, separada ou apenas provocada pelo ser simplesmente dado do “mundo”; ao contrário, o ser-em é um modo de ser essencial do próprio sujeito. Que mais se apresentaria neste fenômeno do que um commercium simplesmente dado entre um sujeito simplesmente dado e um objeto simplesmente dado? Esta interpretação aproximar-se-ia dos dados fenomenais se dissesse: a presença [Dasein] é o ser deste “entre”. Mesmo assim, a orientação pelo “entre” continuaria provocando mal-entendidos, pois impediria de se ver a indeterminação ontológica do ponto de partida de um ente em meio ao qual “é e está” este entre como tal. Nesse caso, o entre já estaria sendo concebido como resultado da conveniência entre duas coisas simplesmente dadas. O seu ponto de partida prévio já explode o fenômeno e seria insensato tentar recompô-lo novamente a partir de seus fragmentos. Não é apenas que falte a “argamassa”. Também o “esquema”, segundo o qual a integração pode realizar-se, foi explodido ou jamais se desvendou. Do ponto de vista ontológico, é decisivo evitar previamente a fragmentação do fenômeno, o que significa assegurar o seu teor fenomenal positivo. Que sejam necessárias muitas circunstâncias para que isso se cumpra ontologicamente, isso foi, ontologicamente desvirtuado em tais proporções no modo tradicional de tratar o “problema do conhecimento” que chegou a se distorcer, a ponto de se tornar invisível. STMSC: §28


Como se apresenta, portanto, a posição prévia da situação hermenêutica até aqui considerada? Quando e como a análise existencial, que parte da cotidianidade, forçou toda a presença [Dasein] – esse ente do seu “princípio” ao seu “fim” – a entrar na visão fenomenológica propiciadora do tema? De fato, afirmou-se que a cura é a totalidade do todo estrutural da constituição da presença [Dasein]. Mas o ponto de partida da interpretação já não impõe a renúncia da possibilidade de apreender a presença [Dasein] como um todo? A cotidianidade é justamente o ser “entre” nascimento e morte. E, se a existência determina o ser da presença [Dasein] e o poder-ser também constitui {CH: simultaneamente o já ser} sua essência, então a presença [Dasein], enquanto existir, deve, em podendo ser, ainda não ser alguma coisa. O ente, cuja essência é constituída pela existência resiste, de modo essencial, à sua possível apreensão como ente total. A situação hermenêutica não apenas não assegurou a “posição” de todo o ente, como é até questionável se isso, por fim, se pode alcançar e se uma interpretação ontológica originária da presença [Dasein] não estará fadada ao fracasso, considerando-se o modo de ser do próprio ente tematizado. STMSC: §45


O Dito [de Anaximandro] diz inequivocamente que aquilo que está presente está na adikia, quer dizer, saiu da sua articulação própria. Isto, porém, não pode querer dizer que já não está presente. Mas também não diz apenas que é ocasionalmente, ou talvez em qualquer uma das suas propriedades, que aquilo que está presente saiu da sua articulação própria. O Dito diz: o que está presente – como presente que é – saiu da sua articulação. A articulação tem de pertencer ao que está presente enquanto tal, juntamente com a possibilidade de sair da articulação. O que está presente é o que se demora por uma vez. A demora [die Weile] está a ser [west] enquanto chegada passageira à ida. A demora está a ser [west] entre o chegar de algures e o partir para algures. É entre este duplo estar-ausente [Ab-wesen] que o estar-presente de tudo o que se demora está a ser [west]. E neste “entre” que se articula aquilo que se demora por uma vez. Este “entre” é a articulação [Fuge] em que, desde a origem até à partida, se articula por uma vez aquilo que se demora. O estar-presente do que se demora arremessa-se em direcção ao “de onde” da origem e ao “para onde” da partida. O estar-presente articula-se no estar-ausente em ambas as direcções. O estar-presente está a ser [west] numa tal articulação. O que está presente desponta do chegar da origem, e vai-se na ida – as duas coisas ao mesmo tempo e, na verdade, na medida em que se demora. A demora está a ser [west] na articulação. [GA5BD:415]