Torres Filho
(A.) Ouve, uma vez que é moda dizer sobre a natureza uma palavra racional — temos também de fornecer nossa contribuição. Ora — o que será — começa a responder-me.
(B.) Reflito já faz tempo em um começo bem natural para nosso diálogo — espremo meu entendimento natural54, mas ele está ressecado, e não tem mais nem um pouquinho de seiva.
(A.) Quem sabe qual douto o espremeu, sem o saberes, como um soberbo exemplar entre as folhas de seu herbário.
(B.) Estou curioso por saber sob qual classe ele o incluiu.
(A.) Provavelmente sob a classe das criptogamistas, pois de flores e frutos não se percebe nenhum traço.
(B.) Sabes bem que a natureza já nos inspira, estamos já despercebidamente introduzidos na natureza. Tu pertences aos realistas ou, em alemão — és um grosseirão.
(A.) Disseste uma palavra verdadeira — uma palavra de sagração sobre mim. Tenho grandes disposições para tornar-me um sacerdote da natureza.
(B.) Queres dizer, porque nós te chamamos de Papa-da-pança e a natureza propriamente nada é senão uma grande pança.
(A.) Também é verdade — mas a verdadeira disposição consiste na grosseria. Pois vê, a natureza é monstruosamente grosseira — e quem quer conhecê-la direito tem de captá-la grosseiramente — A um cepo grosseiro — Corresponde uma cunha grosseira. Este provérbio é feito sob medida para a doutrina da natureza, pois aqui ela deve sim ser cindida pelo entendimento. Nisso nossos antepassados devem ter sido verdadeiramente mestres-conhecedores da natureza, pois somente na Alemanha a autêntica grosseria foi descoberta e cultivada.
(B.) Ela convinha bem ao nosso solo — por isso também tudo parece agora bem descalvado entre nós, pois negligenciou-se essa planta nacional e traficou-se bem infamemente com essa riqueza. Só no homem comum ela viceja ainda e por isso também, para ele, a natureza é verde ainda. Aos notáveis ela voltou as costas faz tempo e eternamente mostrará às pessoas finas, com bastante presteza, onde ela se senta.
(A.) A definição de natureza tenho eu agora como resultado de nosso diálogo — Ela é o cômputo de toda grosseria.
(B.) Dela deixam-se derivar todas as leis da natureza — que ela é incessantemente grosseira, sem interrupção, e se torna sempre mais grosseira, lex continuitatis. 1
(A.) Que ela gosta de ir reto e não faz muitas circunstâncias. Lex parsimoniae.
(B.) Sim, e ainda uma multidão de leis desconhecidas desenvolvem-se a partir desse fecundo conceito. Mas justamente porque somos filósofos, não precisamos afligir-nos com a execução. Temos o princípio e pronto — aquela fica para as cabeças comuns.
(A.) Mas diz-me apenas, de onde vem, que a natureza é tão desesperadamente rara. A arte é propriamente o costumeiro.
(B.) Rara, sim, ela tem de ser, pois como ela se faz inteligível o bastante e gosta de fazer alarde de sua natureza, ela teria de ser muito mais entendida.2
(A.) Quem está possuído de tão exagerada artificiosidade da arte, este considera justamente a grosseria dela como arte, e assim ela é sem dúvida mal entendida por toda parte.
(B.) Verdadeiramente nascemos também para ser natureza — e quem tem muita natureza dentro de si — para este isso tudo é tão natural; e o que falar disso. Quem fala disso, esse é um inepto sem força e seiva, pois aquilo de que se fala, isso não se tem; este é um axioma.
(A.) Por isso vamos nós também parar de falar disso, senão nossa natureza vai de embrulho.
(B.) Tens razão, e então a moda logo nos teria pregado uma peça — e maliciosamente nos expelido de nossa natureza. Vamos então para a adega — ali a natureza está em casa, de modo que nos tornaremos novamente bem naturais.
(A.) Apenas guarda-te lá de falar do vinho — pois aquilo de que se fala, isso não se tem.
(B.) Verdade, por isso falas tu sempre de entendimento —
(A.) E tu falas de orelhas curtas.
Schefer
(A.) — Ecoute, c’est à présent une coutume de dire quelque chose d’intelligent sur la nature — nous devons à notre tour apporter notre contribution. A présent — sur ce qu’il en est — commence à me répondre.
(B.) — Je m’interroge depuis quelque temps déjà sur un commencement naturel et juste pour notre entretien — je comprime mon entendement naturel, mais il est desséché et n’a plus aucune sève.
(A.) — Qui sait quel savant a pressé ton esprit, sans ton savoir, tel un exemplaire sacré entre les pages de son herbier.
(B.) — Je suis pourtant curieux de savoir dans quelle classe il l’a rangé.
(A.) — Probablement dans la classe des cryptogames, car on n’a plus trace de fleurs et de fruits.
(B.) — Sais-tu que la nature nous exalte déjà et que nous sommes tombés sans nous en rendre compte dans la nature. Tu fais partie des réalistes ou des Allemands — tu es un gaillard fruste.
(A.) — Tu as dit quelque chose de vrai — quelque chose de solennel me concernant. J’ai de grandes dispositions à devenir un prêtre de la nature.
(B.) — Dis-tu cela parce que nous t’appelons calotte ventrue, et que la nature n’est à proprement parler pas autre chose qu’un grand ventre ?
(A.) — C’est vrai aussi — toutefois les véritables dispositions consistent en éléments frustes. Vois donc comme la nature est totalement et immensément fruste — et celui qui veut bien la connaître doit la concevoir de façon fruste — A un bloc fruste — appartient un gaillard fruste. Cette sentence est faite pour la théorie de la nature, car elle doit être ici scindée par l’entendement. Car nos priorités doivent être d’authentiques connaisseuses de la nature, c’est en effet seulement en Allemagne que le véritable fruste fut découvert et cultivé.
(B.) — Il convenait bien à nos sols — c’est pourquoi à présent tout a l’air aussi dénudé chez nous, car on néglige cette plante nationale et l’on entretient un commerce bien pitoyable avec cette richesse. Le fruste ne continue à prospérer que chez un homme ordinaire, c’est pourquoi la nature est pour lui encore verte. Le fruste a tourné depuis longtemps le dos au noble, et ne montrera éternellement aux gens subtils, avec bonne grâce, que le lieu où il se trouve.
(A.) — Je retiens comme résultat de notre entretien la définition de la nature — elle est la quintessence de tout ce qui est fruste.
(B.) — On peut en déduire toutes les lois naturelles -qu’elles sont continuellement grossières, sans les démonter, et qu’elles sont toujours frustes — et qu’il n’y a pas de superlatif dans le fruste, lex continuitatis.
(A.) — Et qu’elle progresse droit devant elle sans conditions. Lex parsimoniae.
(B.) — Oui, et une masse de lois inconnues se développent encore à partir de ce concept fécond. Mais justement parce que nous sommes philosophes, nous n’avons guère besoin de nous préoccuper de l’exécution. Nous avons le principe, ce qui est bien, et l’exécution est abandonnée aux esprits communs.
(A.) — Mais dis-moi seulement comment il se fait que la nature soit si rarement désespérée. L’art est proprement l’habitude.
(B.) — Oui, elle doit l’être rarement, car comme elle se rend par elle-même suffisamment compréhensible et qu’elle laisse volontiers échapper sa nature, elle devrait être encore plus compréhensible.
(A.) — Qui est possédé par une artificialité si excessive de l’art tient même sa grossièreté pour de l’art, et ainsi elle est partout si mal comprise.
(B.) — On est aussi vraiment né pour la nature — et celui qui a justement beaucoup de nature en lui — pour lui tout cela est très naturel; et qu’en dire? Celui qui en parle est un bousilleur dénué de force et de sève, car ce dont on parle on ne le possède pas ; ce n’est qu’un axiome.
(A.) — Aussi permets que nous arrêtions de parler, sans quoi notre nature va nous filer entre les doigts.
(B.) — Tu as raison, car bientôt la coutume nous aurait joué un tour — en nous forçant à sortir artificiellement de notre nature. Conduis-nous à la cave — la nature est là chez elle, si bien que nous redeviendrons naturels.
(A.) — Seulement garde-toi bien d’y parler de vin — car ce dont on parle on ne le possède pas.
(B.) — Vrai, c’est pour cela que tu parles toujours de l’intelligence —
(A.) — Si tu parles d’un esprit borné…
- Novalis brinca com aquelas “sentenças de sabedoria metafísica” mencionadas por Kant na introdução (cap. V) da Crítica do Juízo, que surgem por ocasião de “muitas regras cuja necessidade não se pode demonstrar por conceitos”: “A natureza toma o caminho mais curto (lex parsimoniae), ela por assim dizer não dá nenhum salto, nem na sucessão de suas mudanças, nem na composição de formas especificamente distintas (lex continui in natura) (…); e semelhantes” (A XXX-XXXI). Numa anotação do Borrador universal, Novalis se refere a elas como “leis naturais bem conhecidas” (n. 776). A edição Bulow apresenta a frase seguinte como continuação da fala de “B”.[↩]
- Esta fala, na edição Bulow, é atribuída ainda a “A”, de modo que na continuação os dois interlocutores ficaram trocados.[↩]