niilismo

Nihilismus

A primeira aplicação filosófica da palavra “niilismo” provém supostamente de Fr. H. Jacobi. Em sua carta aberta a Fichte, encontramos com frequência a palavra “nada” [Nichts]. Em seguida, lemos:

“Verdadeiramente, meu caro Fichte, não deve me aborrecer se o senhor, ou quem quer que seja, quiser denominar quimerismo aquilo que contrapus ao idealismo [Idealismus], que deploro como niilismo.” (Fr. H. Jacobi, 3 v., Leipzig, 1816, p. 44; a partir da seção Jacobi para Fichte, surgida pela primeira vez no outono de 1799).[Agradeço ao Dr. Otto Pöggeler a referência a Fr. H. Jacobi feita durante as provas do presente livro.]

A palavra “niilismo” foi posta posteriormente em circulação por Turgeniev como o nome para a intuição [Anschauung] de que somente aquilo que é acessível na percepção sensível [sinnlichen Wahrnehmung], isto é, somente o ente [Seiende] que experimentamos por nós mesmos é real [wirklich] e essente [seiend], e, para além dele, não há nada. Com isso, nega-se tudo aquilo que é fundado sobre a tradição [Überlieferung], sobre a autoridade [Obrigkeit] ou sobre qualquer outra validade [Geltung] definida. Costuma-se utilizar na maioria das vezes para esse ponto de vista [Weltansicht] acerca do mundo, porém, a designação “positivismo” [Positivismus]. A palavra “niilismo” é usada por Jean-Paul Sartre em seu Curso elementar sobre estética, §§ 1 e 2, para a designação da poesia romântica como um niilismo poético. No que diz respeito a esse ponto, é preciso comparar o prefácio de Dostoiévski para o seu discurso sobre Puschkin (1880) (WW, organizado por Moeller v. d. Bruck, II seção, v. XII, p. 95 e segs.). A passagem em questão diz:

“Não obstante, no que concerne ao meu próprio discurso, gostaria de discutir nele simplesmente os quatro pontos seguintes sobre a significação de Puschkin para a Rússia: O fato de Puschkin ter sido o primeiro a, com o seu espírito profundo, penetrante e extremamente bem dotado e a partir de seu coração autenticamente russo, ter descoberto e reconhecido como o que ela é a manifestação significativa e mórbida em nossa inteligentsia, em nossa sociedade arrancada ao seu solo e que se arroga estar bem acima do povo. Ele a reconheceu e conseguiu apresentar plasticamente diante de nossos olhos o tipo de nosso homem russo negativo: o homem que não possui nenhuma quietude e que não pode se satisfazer com nada permanente, o homem que nega em última instância à Rússia e a si mesmo (ou, mais corretamente, à sua classe social, toda a camada da inteligentsia à qual ele também pertence e que se desgarrou de nosso solo popular), que não quer ter mais nada em comum com o seu próprio povo e que sinceramente padece de tudo isso. O Aleko e o Onegin de Puschkin evocaram uma série de tais figuras semelhantes a eles mesmos em nossa literatura.”

Para Nietzsche, no entanto, o nome “niilismo” significa essencialmente “mais”. Nietzsche fala do “niilismo europeu” [europäischen Nihilismus]. Ele não tem em vista, com isso, o positivismo emergente por volta da metade do século XIX e a sua propagação geográfica sobre a Europa; “europeu” tem aqui uma significação histórica e diz tanto quanto “ocidental”, no sentido da história ocidental. Nietzsche emprega a palavra “niilismo” como o nome para o movimento histórico por ele reconhecido pela primeira vez que já transpassava de maneira determinante os séculos precedentes e que determina o seu próximo século, um movimento cuja interpretação essencial ele concentra na sentença resumida: “Deus está morto.” [Gott ist tot] Essa sentença quer dizer: o “Deus cristão” perdeu o seu poder [Macht] sobre o ente e sobre a definição do homem [Bestimmung des Menschen]. O “Deus cristão” é ao mesmo tempo a representação diretriz [Leitvorstellung] para o “suprassensível” [Übersinnliche] em geral e para as suas diversas interpretações [Deutung], para os ideais [Ideal] e para as normas [Norme], para os “princípios” [Prinzipie] e as “regras” [Regel], para as “finalidades” [Ziel] e os “valores” [Wert] que são erigidos “sobre” o ente a fim de “dar” ao ente na totalidade [Seienden im Ganzen] uma meta [Zweck], uma ordem [Ordnung] e – como se diz de maneira sucinta – um “sentido” [Sinn]. Niilismo é aquele processo histórico [geschichtliche Vorgang] por meio do qual o domínio do “suprassensível” se torna nulo e caduco, de tal modo que o ente mesmo perde o seu valor e o seu sentido. Niilismo é a história do próprio ente: uma história por meio da qual a morte do Deus cristão vem à tona de maneira lenta, mas irremediável. Pode ser que ainda se acredite nesse Deus e que ainda tomemos seu mundo por “real” [wirklich], “eficaz” [wirksam] e “normativo” [massgebend]. Isso é similar àquele processo por meio do qual o brilho de uma estrela que se apagou há milênios continua reluzindo, mas permanece, contudo, uma mera “aparência” [Schein] com essa sua refulgência [Leuchten]. Com isso, o niilismo não é, para Nietzsche, de maneira alguma um ponto de vista “defendido” por uma pessoa qualquer, nem tampouco um “dado” histórico [geschichtliche »Begebenheit«] arbitrário entre muitos outros, que se pode documentar historiograficamente. O niilismo é muito mais aquele acontecimento apropriativo de longa duração, no qual a verdade sobre o ente na totalidade é transformada essencialmente e é impelida para um fim por ela determinado.
[…] O “niilismo” é a verdade [Wahrheit] que se torna dominante [Herrschaft], a verdade quanto ao fato de todas as metas para o ente até aqui terem se tornado caducas. Com a transformação da ligação até aqui com os valores diretrizes, porém, o niilismo também se consuma para a tarefa livre e autêntica de uma nova valoração [Wertsetzung]. O niilismo em si mesmo consumado e normativo para o futuro pode ser designado como o “niilismo clássico”. Nietzsche caracteriza a sua própria “metafísica” por meio dessa expressão e a concebe como o “contramovimento” [Gegenbewegung] em relação a toda metafísica [Metaphysik] até aqui. O nome “niilismo” perde, com isso, a sua própria significação meramente niilista, na qual ele designava uma aniquilação [Zemichtung] e uma destruição [Zerstörung] dos valores até aqui, a mera nulidade [Nichtigkeit] do ente e a ausência de perspectivas [Aussichtslosigkeit] para a história humana.

O “niilismo”, pensado em termos clássicos, significa muito mais agora a libertação [Befreiung] dos valores até aqui como uma libertação para uma transvaloração de todos (esses) valores. Ao lado do termo diretriz “niilismo”, Nietzsche se serve da expressão “transvaloração de todos os valores” [Umwertung aller bisherigen Werte] como o outro título central por meio do qual a sua posição fundamental metafísica indica o seu lugar e a sua determinação no interior da história da metafísica ocidental. [GA6T2:30-34; tr. Casanova (GA6MAC):481-483]