“O mundo verdadeiro e o mundo aparente” – essa oposição é reconduzida por Nietzsche a relações valorativas. Nietzsche concebe a verdade aqui no sentido do verdadeiro, do “mundo verdadeiro”, e a faz recair em uma oposição. A fórmula da oposição – “o mundo verdadeiro e o mundo aparente” – é colocada uma vez mais entre aspas; uma indicação de que se tem em vista aqui algo tradicional e genericamente conhecido. A oposição – cuja nova determinação Nietzsche proclama aqui – é a oposição entre o que é própria e verdadeiramente e o que só pode ser chamado ente de maneira derivada e imprópria. Nessa oposição entre dois mundos – entre o “mundo verdadeiro” e o “mundo aparente” –, podemos discernir a distinção entre dois reinos no interior daquilo que de algum modo efetivamente é a cada vez e que só possui o seu limite em uma contraposição ao nada pleno e vazio. Essa diferença é tão antiga quanto o pensamento ocidental sobre o ente. Ela foi se tornando corrente na medida em que a concepção inicial grega do ente foi se cristalizando durante a história ocidental, até se transformar hoje em algo corriqueiro e autoevidente. De acordo com a linguagem escolar, denomina-se essa distinção do ente na totalidade em dois mundos a “doutrina dos dois mundos”. Não precisamos seguir aqui em detalhes essa doutrina dos dois mundos e as suas modulações históricas, que se confundem com os estágios principais da metafísica ocidental. Ao contrário, precisamos apenas atentar para três coisas:
1. Essa distinção entre o mundo verdadeiro e o mundo aparente é a estrutura basilar que forja mesmo pela primeira vez o espaço para o surgimento de algo assim como uma meta-física; pois um metá (ta physika), um para-além-de, só é possível se o mundo verdadeiro e o mundo aparente se acham efetivamente na base em sua diferencialidade, se uma distinção atravessa realmente o ente na totalidade, uma distinção de acordo com a qual um mundo é separado do outro no chorismos.
2. A filosofia platônica deu a essa “doutrina dos dois mundos”, se se quiser assim, uma cunhagem “clássica” para o conjunto do pensamento ocidental.
3. A tomada de posição nietzschiana em relação a essa distinção está baseada por toda parte em uma determinada interpretação dessa doutrina do platonismo.
É verdade que a interpretação nietzschiana da oposição entre o “mundo verdadeiro e o mundo aparente” é rudimentar. Ela não avança nem em vista das doutrinas ocidentais pré-platônicas, nem platônicas, nem pós-platônicas sobre o ente até a constituição interna e até o modo de questionar das respectivas posições fundamentais metafísicas. Não obstante, Nietzsche toca em algo essencial com essa oposição. [GA6MAC:379-380]