metafísica

metaphysika
Metaphysik


Em que medida é possível que tal esclarecimento seja bem-sucedido? Na medida em que atentamos para o seguinte: o objeto do pensamento (Denken) é o ente (Seiende) enquanto tal, quer dizer, o ser (Sein). Isto se mostra na natureza do fundamento (Grund). Conforme ela o objeto do pensamento, o ser como fundamento, somente é então radicalmente pensado quando o fundamento é representado como o primeiro fundamento, paote arche. O objeto originário do pensamento mostra-se como a causa originária como a causa prima, que corresponde à volta fundamentante à última ratio, ao último prestar contas. O ser do ente somente é representado radicalmente, no sentido do fundamento, como causa sui. Com isto designamos o conceito metafísico de Deus. A metafisica deve ultrapassar, com seu pensamento, tudo em direção de Deus, pelo fato de que o objeto do pensamento é o ser; este, porém, se torna fenômeno de múltiplas maneiras, enquanto fundamento: como logos, como hypokeimenon, como substância, como sujeito.

Este esclarecimento toca provavelmente em algo certo, mas permanece absolutamente insuficiente para a discussão da essência da metafísica. Pois ela não é apenas teo-lógica, mas também onto-lógica. A metafisica não é apenas também uma e outra coisa. Muito antes, é ela teo-lógica, porque é onto-lógica. Ela é isto, porque é aquilo. A constituição onto-teológica da essência da metafísica não pode ser esclarecida nem a partir da teológica, nem partindo da ontológica, caso aqui algum dia uma explicação baste para aquilo que fica para ser considerado.

Ainda permanece impensado de que unidade emerge o comum-pertencer de ontológica e teológica; impensada também a origem desta unidade, impensada a diferença do diferente, que as unifica. Pois, manifestamente, não se trata primeiro de uma reunião de duas disciplinas da metafisica autônomas, mas da unidade daquilo que na ontológica e na teológica é questionado e pensado: o ente enquanto tal em sua generalidade e princípio, na unidade com o ente enquanto tal em sua eminência e último. A unidade deste um é de tal natureza que o último, a seu modo, fundamenta o primeiro e o primeiro, a seu modo, o último. A diversidade dos dois modos de fundamentar assenta, ela mesma, na mencionada diferença que ainda está impensada.

Na unidade do ente enquanto tal em geral e supremo repousa a constituição da essência da metafísica.

Trata-se aqui de discutir, primeiro, apenas como questão, aquela da essência onto-lógica da metafisica. Unicamente o próprio objeto pode apontar para o lugar o qual analisa a questão da constituição onto-teo-lógica da metafísica de tal maneira que procuremos pensar mais objetivamente o objeto do pensamento. Este foi legado ao pensamento ocidental sob o nome de “ser”. Se pensarmos este objeto um pouco mais objetivamente, se prestarmos atenção ao que é controvertido no objeto, então se mostra: ser significa sempre e em toda parte: ser do ente, locução em que deve ser pensado o genitivo como genitivus obiectivus. Ente significa sempre e em toda parte: ente do ser, locução em que deve ser pensado o genitivo como genitivus subiectivus. Falamos, sem dúvida, com reserva de um genitivo, referindo-nos a objeto e sujeito; pois estas expressões sujeito e objeto já têm por sua vez origem em uma caracterização do ser. Claro está apenas que no ser do ente e no ente do ser se trata, cada vez, de uma diferença.

De acordo com isto, pensamos apenas então objetivamente o ser quando o pensamos na diferença com o ente e este na diferença com o ser. Assim a diferença se tora objeto de nossa análise, em sentido próprio. Se procurarmos representá-la, então logo nos descobrimos levados a conceber a diferença como relação que nossa representação acrescentou ao ser e ao ente. Com isto a diferença é rebaixada a uma distinção, a uma obra de nosso entendimento.

Aceitemos uma vez que a diferença é acréscimo de nossa representação, então surge a questão: um acréscimo destinado a quê? Responde-se: ao ente. Bem. Mas que quer dizer isto: “o ente? Que outra coisa significa senão: tal coisa que e? Assim abrigamos o presumido acréscimo, a representação da diferença, junto ao ser. Mas “ser” mesmo diz: ser que é ente. Já encontramos sempre ente e ser em sua diferença lá para onde deveríamos levar a diferença como o suposto acréscimo. A situação aqui é idêntica à do conto da Lebre e do Ouriço de Grimm: “já sempre estou aqui” (Ick bünn all hier). Poder-se-ia agora proceder de modo global com este singular estado de coisas que consiste no fato de que ente e ser já sempre são previamente encontrados a partir da diferença e no seio dela, e então esclarecê-la assim: nosso pensamento representativo é assim organizado e constituído que ele aplica, por assim dizer, antecipadamente, em toda parte, além do uso de seu intelecto e, contudo, dele emergindo, a diferença entre o ente e o ser. Deste esclarecimento, cristalino em sua aparência, mas também rapidamente feito, muita coisa poder-se-ia dizer e ainda mais questionar; antes de mais nada talvez isto: de onde surge o “entre” no qual a diferença deve, por assim dizer, ser inserida? MHeidegger A CONSTITUIÇÃO ONTO-TEO-LÓGICA DA METAFÍSICA]


A metafisica corresponde ao ser enquanto logos e é conforme isto, em sua característica principal, em toda parte lógica, mas lógica que pensa o ser do ente e, de acordo com isto, a lógica, determinada pelo diferente da diferença: onto-teo-lógica.

Na medida em que a metafísica pensa o ente enquanto tal, no todo, ela representa o ente a partir do olhar voltado para o diferente da diferença, sem levar em consideração a diferença enquanto diferença.

O diferente mostra-se como o ser do ente em geral e como o ser do ente supremo.

Porque o ser aparece como fundamento, o ente é o fundamento; mas o ente supremo é o fundamento no sentido da primeira causa. Pensa a metafísica o ente no que respeita seu fundamento, comum a cada ente enquanto tal, ela é lógica como onto-lógica. Pensa a metafísica o ente enquanto tal no todo, quer dizer, no que respeita o supremo (que é o) ente que a tudo fundamenta, ela é lógica como teo-lógica.

A metafísica é, a partir da unidade unificadora da de-cisão, unitária e simultaneamente ontologia e teologia, porque o pensamento da metafísica permanece engajado na diferença como tal impensada.

A constituição onto-lógica da metafísica emerge do imperar da diferença que sustenta separados e unidos ser como fundamento e ente como fundado-fundamentante, sustentação que a de-cisão consuma.

O que assim é designado remete nosso pensamento para o âmbito que não pode mais ser dito pelas palavras-guias da metafísica, ser e ente, fundamento-fundado. Pois o que estas palavras designam, o que representa o modo de pensar por elas orientado, nasce como o diferente da diferença. A origem da diferença não mais se deixa pensar no horizonte da metafísica. (MHeidegger A CONSTITUIÇÃO ONTO-TEO-LÓGICA DA METAFÍSICA)


É certo que a metafísica representa (vorstellen) o ente em seu ser e pensa assim o ser do ente. Todavia, ela não pensa a diferença entre eles (Cfr. Vom Wesen des Grundes – Da Essencialização do Fundamento – 1929, p. 8, além de Kant und das Problem der MetaphysikKant e o Problema da Metafísica, 1929, p. 225, e ainda, Sein und ZeitSer e Tempo -, p. 230). A metafísica não questiona o Verdade do Ser em si mesmo. Daí também nunca colocar a questão, de que modo a Essência do homem pertence à Verdade do Ser. Essa questão, a metafísica não apenas ainda não colocou. Ela é inaccessível à metafísica, enquanto metafisica. O Ser continua a esperar, que Ele mesmo se torne, para o homem, digno de ser pensado. (CartaH)


Não obstante, não é não-verdadeira a determinação da História de Hegel, como o des-envolvimento do “Espírito”. Mas também ela não é em parte correta, em parte falsa. E tão verdadeira, como a metafísica é verdadeira, cuja Essência, pensada absolutamente, se fez linguagem no sistema pela primeira vez em Hegel. Incluindo suas inversões em Marx e em Nietzsche, a metafísica absoluta pertence à História da Verdade do Ser. O que dela provém, não se pode atingir ou eliminar por meio de refutações. Só se pode a-colher na medida em que sua verdade é protegida mais originariamente, retornando ao próprio Ser, e desvinculada do domínio de uma opinião simplesmente humana. (CartaH)


Nenhuma metafísica — seja ela idealista, materialista ou cristã — pode alcançar, em razão de sua própria Essência e, de forma alguma, apenas em razão dos esforços tendentes a desenvolvê-la, o destino, e isso significa: pode atingir e reunir no pensamento o que agora é num pleno sentido de Ser. (CartaH)


Metafísica é o perguntar além do ente (Seiende) para recuperá-lo, enquanto tal e em sua totalidade (Ganze), para a compreensão.

Na pergunta pelo nada acontece um tal ir para fora além do ente enquanto ente em sua totalidade. Com isto prova-se que ela é uma questão “metafísica”. De questões deste tipo dávamos, no início, uma dupla característica: cada questão metafísica compreende, de um lado, sempre toda a metafísica. Em cada questão metafísica, de outro lado, sempre vem envolvido o ser-aí (Dasein) que interroga.

Em que medida perpassa e compreende a questão do nada (Nichts) a totalidade da metafísica? (MHeidegger O QUE É METAFÍSICA?)


Entretanto, a metafísica expressa o ser constantemente e das mais diversas formas. Ela mesma suscita e fortalece a aparência de que a questão do ser foi por ela levantada e respondida. Mas a metafísica não responde, em nenhum lugar, à questão da verdade do ser, porque nem a suscita como questão. Ela não problematiza por que é que somente pensa o ser enquanto representa o ente enquanto ente. Ela visa ao ente em sua totalidade e fala do ser. Ela nomeia o ser e tem em mira o ente enquanto ente. Os enunciados da metafísica se desenvolvem de maneira estranha, desde o começo até sua plenitude, numa geral troca do ente pelo ser. Esta troca, sem dúvida, deve ser pensada como acontecimento e não como engano. Ela, de maneira alguma, tem suas razões numa simples negligência do pensamento ou numa exatidão no dizer. Em consequência desta geral troca, a representação atinge o auge da confusão quando se afirma que a metafísica realmente põe a questão do ser.

Até parece que a metafísica, sem seu conhecimento, está condenada a ser, pela maneira como pensa o ente, a barreira que impede que o homem atinja a originária relação do ser com o ser humano. (MHeidegger O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA)


A metafísica tem, enquanto a verdade do ente (Wahrheit des Seienden) enquanto tal, duas formas. Mas a razão destas duas formas e mesmo sua origem estão fechadas para a metafísica, e isto, sem dúvida, não por acaso ou como consequência de uma omissão. A metafísica aceita esta dupla face pelo fato de ser o que é: a representação do ente enquanto ente (Vorstellen des Seienden als des Seienden). Para a metafísica (85) não resta escolha. Enquanto metafísica ela está excluída pela sua própria essência da experiência do ser; pois ela representa o ente (on) constantemente apenas naquilo que a partir dele se mostrou enquanto ente (he on). Contudo, a metafísica não presta atenção àquilo que precisamente neste on, na medida em que se tornou desvelado, também já se velou. (MHeidegger O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA)