Merleau-Ponty (PP:30-31) – problematizar moralidade não é negá-la

nossa tradução

M. Merleau-Ponty. Pelo simples fato de eu fazer da moralidade um problema, você conclui que eu a nego. Mas a questão é colocada para todos nós. Como sabemos que há alguém diante de nós, a menos que olhemos? O que vemos, antes de tudo, além das aparências corporais? Como estes autômatos. . . se tornam humanos para mim? Não é o método fenomenológico que cria esse problema – embora, a meu ver, permita-nos resolvê-lo melhor. Quando Brunschvicg disse que o “eu” é alcançado por reciprocidade e é necessário que eu consiga pensar que o outro é reciprocável comigo, ele quis dizer que a moralidade não é algo dado, mas algo a ser criado. Não vejo como alguém poderia postular o outro sem o eu; é uma impossibilidade para a minha experiência.

M. Bréhier. O outro é “reciprocável para mim” por causa de uma norma universal. Onde está tua norma?

M. Merleau-Ponty. Se é permitido responder uma pergunta por outra, eu perguntaria: onde está a tua? Estamos todos situados em uma experiência do eu e dos outros que tentamos dominar pelo pensamento, mas sem jamais ser capaz de lisonjear a nós mesmos que conseguimos isso completamente. Mesmo quando acredito que estou pensando universalmente, se o outro se recusar a concordar comigo, experimento essa universalidade como apenas uma universalidade privada (como estou verificando mais uma vez neste momento). Aparte de uma pura heteronomia aceita pelos dois lados (mas não creio que você quis dizer “norma” no sentido de “heteronomia”), não existe universalidade; existe apenas uma universalidade presuntiva. Estamos de volta ao velho problema: como alcançamos o universal? É um problema que sempre existiu na filosofia, embora nunca tenha sido colocado de maneira tão radical como é hoje, porque dois séculos depois de Descartes os filósofos , apesar de suas profissões de ateísmo, ainda estão pensando com base na teologia cartesiana. Assim, esses problemas me parecem mais ou menos tradicionais. Se eu dei uma impressão diferente àqueles que ouviram este artigo, é apenas uma questão de terminologia.

James Edie

M. Merleau-Ponty. From the simple fact that I make of morality a problem, you conclude that I deny it. But the question is posed for all of us. How do we know there is someone there before us unless we look? What do we see, first of all, but corporeal appearances? How do these automata . . . become men for me? It is not the phenomenological method which creates this problem—though it does, in my view, allow us better to solve it. When Brunschvicg said that the “I” is achieved by reciprocity and it is necessary that I become able to think the other as reciprocable with me, he meant that morality is not something given but something to be created. I do not see how anyone could posit the other without the self; it is an impossibility for my experience.

M. Bréhier. The other is “reciprocable to me” by reason of a universal norm. Where is your norm?

M. Merleau-Ponty. If it is permissible to answer one question by another, I would ask: where is yours? We are all situated in an experience of the self and of others which we attempt to dominate by thought, but without ever being able to flatter ourselves that we have completely achieved this. Even when I believe I am thinking universally, if the other refuses to agree with me, I experience this universality as only a private universality (as I am verifying once more at this moment). Apart from a pure heteronomy accepted by both sides (but I do not think you meant “norm” in the sense of “heteronomy”) there is no given universality; there is only a presumptive universality. We are back at the old problem: how do we reach the universal? It is a problem which has always existed in philosophy, though it has never been posed in such a radical manner as it is today because two centuries after Descartes philosophers, in spite of their professions of atheism, are still thinking on the basis of Cartesian theology. Thus these problems seem to me more or less traditional. If I have given a different impression to those who have heard this paper, it is only a question of terminology.

(Excerto traduzido de Merleau-Ponty, Maurice. The Primacy of Perception. Tr. James Edie. Northwestern University Press, 1964, p. 30-31)