A sophia pertence à faculdade epistêmica. No Livro VI da Ética a Nicômaco, Aristóteles começa sua consideração sobre a sophia lembrando-nos de que sua contraparte, a episteme, é incapaz de apreender os primeiros princípios a partir dos quais demonstra verdades científicas. Nem a techne nem a phronesis nos permitem apreender esses archai, pois lidam com objetos variáveis, enquanto a faculdade epistêmica se preocupa com objetos que são invariáveis e existem por necessidade. No entanto, de forma um tanto surpreendente, Aristóteles acrescenta: “A sophia também não é o conhecimento dos primeiros princípios, pois quem tem sabedoria precisa chegar a algumas coisas por meio da demonstração” (EN, 1141 a1). Relembrando as disposições pelas quais alcançamos a verdade e nunca somos levados à falsidade (techne é agora omitida, e isso, sugere Heidegger, é porque agora parece que techne pode de fato nos levar à falsidade), Aristóteles insiste que os primeiros princípios ou archai devem ser apreendidos pelo noûs. A implicação é que a sophia não é meramente uma apreensão direta dos primeiros princípios, pois ela também implica demonstração (apodeixis). E isso porque a apreensão humana não é um noûs puro, mas um noûs que, para se revelar (seja para si mesmo ou para outros), deve passar pelo logos, ou seja, um noûs que é um dianoein. É uma apreensão que apreende as inclinações em sua unidade (na arche de seu respectivo ser) somente por meio da separação de seu ser em relação ao outro, vendo as coisas como sendo isto ou aquilo e não outra coisa. “Com base no logos, de se dirigir a algo como algo, o noein se torna um dianoein” (GA19, 59). O noûs humano precisa de logos: somente ao se tornar dianoético ele pode “demonstrar”, ou seja, permitir que as coisas sejam vistas em seu ser, como sendo isso ou aquilo. A demonstração, observamos, é o método da episteme, que procede por dedução com base em certos archai já dados. Os próprios princípios, entretanto, são dados por indução (epagoge), isto é, por meio de uma apreensão imediata possibilitada pelo noûs (EN, 1139 b28f.). Sophia se direciona para o ser de entes particulares, para entes particulares na medida em que eles são, isto é, para seus archai (seu ser) como tais (e não apenas para seu ser isto ou aquilo, como fazem as ciências particulares); mas ela pode fazer isso apenas porque também é um dianoein, apenas porque é capaz de separar e reunir esses entes como tais via logos. Os archai como tais, entretanto, não são puramente “lógicos”, pois podem ser apreendidos apenas em um ato singular e finito de noein. Assim, continua Aristóteles, o homem sábio deve ver (eidenai) tanto o que se segue dos primeiros princípios (ta ek ton archon), isto é, dianoeticamente e dedutivamente, quanto (via noûs) revelar verdadeiramente (aletheuein) os próprios primeiros princípios. Sophia deve ser uma combinação de noûs e episteme, deve ser “um conhecimento consumado (episteme) daquilo que é mais exaltado (timiotaton)” (EN, 1141 a17). Deve ser um conhecimento do próprio ser como tal e como um todo, daquilo que “mais é” em todos os entes.
“Aquilo que é mais exaltado” é aqui, como no Livro I da Metafísica, identificado com o divino (to theion) (M, 983 a5). Nesse tratado, no entanto, Aristóteles expressa dúvidas sobre se o conhecimento do divino poderia ser considerado algo dentro do poder humano, “já que em muitos aspectos a natureza humana é escrava” (M, 982 b30). O desejo de sophia, no entanto, busca precisamente a liberdade e a independência da necessidade humana; é um esforço que se desenvolve apenas em prol de si mesmo e, portanto, mais se aproxima e se aproxima da liberdade divina. O conhecimento do divino é a sophia, mas a sophia só pode ser divina de duas maneiras, observa Aristóteles: ou é a posse de Deus, pertencente ao divino, ou tem o divino como seu objeto. Essa visão suprema e divina de algo sempre duradouro (aei) é possível para os seres humanos? A existência humana não está vinculada à finitude da situação concreta, portanto, totalmente dependente e em constante mudança? Toda visão humana não está vinculada e limitada pelas contingências da práxis? Não é na praxis e em sua virtude específica, a phronesis, que o “desejo de ver” humano encontra seu fim inevitável? Mas o que exatamente é esse “ver” intrínseco à praxis humana?