McNeill (1999:27-29) – sabedoria

A razão para essa discussão sobre o conhecimento, lembra Aristóteles, é que estamos investigando o que se entende por sophia. A opinião geral é de que os tipos de conhecimento discutidos representam estágios ascendentes de sabedoria, porque geralmente se supõe que a sophia se preocupa com “as causas e os princípios primários” (ta prota aitia kai tas archas: M, 981 b29). Sophia é implicitamente entendida como o conhecimento das primeiras causas e princípios, e isso é identificado com a tendência desenvolvida em direção ao theorein puro.

Qual é o objeto ou fim último do desejo de ver? De acordo com a análise de Aristóteles da tendência natural, ele deve ser encontrado na sophia, naquele tipo de conhecimento em que encontramos um theorein distinto e que constitui um fim em si mesmo. Aristóteles considera essa mutação final do eidenai no segundo capítulo do Livro I da Metafísica, mais uma vez por meio da lembrança das várias opiniões e julgamentos sobre o que caracteriza essa visão suprema e aqueles que a possuem.

Sophia, diz Aristóteles, é um tipo excepcional de episteme. Pois implica conhecer (epistasthai) todas as coisas, “na medida do possível, sem ter conhecimento de cada uma delas individualmente” (M, 982 a8). Tal conhecimento não é, portanto, um conhecimento “empírico”, não é empeiria. Não é uma questão de experienciar todas as coisas e, assim, ter conhecimento delas, mas sim de ver o universal (katholou). Isso, é claro, não impede que parta da experiência no sentido de ser adquirida por meio da experiência, assim como a episteme e a techne (M, 981 a3). Entretanto, a sabedoria se preocupa com o conhecimento de “coisas difíceis” (ta chalepa) — coisas que são difíceis de serem vistas pela maioria das pessoas, porque estão mais distantes dos sentidos (M, 982 a25). Ela se preocupa com o conhecimento das causas; de fato, como Aristóteles já indicou, com as causas e os princípios primários. E entre as “ciências” ou tipos de episteme, Aristóteles afirma que aquela episteme que é desejável em si mesma, por si mesma (de ten antes heneken) e por causa de eidenai (tou eidenai charin) é mais próxima da sabedoria do que aquela que é desejável por seus resultados (M, 982 a15).

Vários pontos decorrem disso. Primeiro, como Aristóteles indicou, a sabedoria pertencerá mais às ciências teóricas ou especulativas do que às ciências produtivas, pois estas últimas visam a algum resultado. Em segundo lugar, se desejamos a sabedoria por causa de eidenai, isso se deve ao fato de que essa visão é, em sua raiz, a própria essência da sophia. Em terceiro lugar, uma vez que a desejamos por causa dela mesma, a sophia deve ser autossuficiente e autofundamentada (embora certas pré-condições fáticas sejam, é claro, necessárias para que ela surja): ela deve ser seu próprio objeto ou fim 1. E, em quarto lugar, o mesmo ponto é refletido novamente na própria estrutura do hou heneka: o “para-quê”, Aristóteles indicará em breve, é uma das causas (M, 983 a33). Sophia é ver as causas e, assim, também ver a si mesma como autocausada, existindo por si mesma e não tendo nenhuma causa além de si mesma. Sophia é, portanto, a única ciência livre ou independente (M, 982 b27). Pois é essa visão na qual toda “causalidade” começa e termina, na qual a phusis do ser humano primeiro vem a si mesma e floresce como tal, na qual ela primeiro alcança sua independência e liberdade próprias, seu fim próprio. Esse “ver” primeiro leva o ser humano explicitamente ao seu próprio ser, ao seu próprio fim em relação aos entes como um todo. Assim, Aristóteles diz que a sabedoria como conhecimento supremo conhece “o fim de cada ação (prakteon), que é o bem em cada caso particular”, bem como “o bem mais elevado como um todo em toda a natureza” (M, 982 b5). O bem significa o fim como aquilo para o qual algo existe; como tal, observa Aristóteles, é uma das causas.

Quais são as implicações de tudo isso para o conhecimento que está sendo investigado? A conclusão inevitável, de fato, já foi tirada. Já está claro, conclui Aristóteles no capítulo um, que o conhecimento dos primeiros princípios e causas será uma episteme e, como tal, uma forma específica de theorein (M, 982 a3). É claro (delon), porque o conhecimento em questão é algo que está sendo investigado, ou seja, está sendo explicitamente buscado, perseguido; e essa busca não é outra coisa senão a nossa perseguição da tendência humana “natural” e do desejo de ver, o desejo de eidenai. Dado esse desejo “natural”, a pergunta surge naturalmente: Qual é a visão mais elevada ou suprema (malista eidenai) que pode ser alcançada pelos entes humanos? Aristóteles encontra a resposta no theorein supremo da sophia, em um puro noûs que, como ele esclarece no Livro XII, move nosso ser como o objeto primário do desejo (hos eromenon) (M, 1072 M). O que se vê nessa contemplação suprema não é outra coisa senão a presença permanente do mundo como um todo, do bem mais elevado e divino, à medida que ele move nosso ser. O theorein, como um noein, uma atividade do noûs, pode ver o ser de entes particulares (no dianoein, o noein discursivo encontrado na episteme) somente porque sempre já viu de alguma forma esse todo. E essa presença de mundo é simplesmente a obra divina de um noûs (“ativo” ou poiético) em nós, ao qual nosso noûs humano finito (“passivo” ou responsivo) pode ascender em uma atividade final de theorein.

Em um sentido, então, o objeto desse conhecimento procurado já está de fato dado e, em última análise, não pode ser questionado, na medida em que Aristóteles toma a atitude “natural” — entendimento ou opinião comum (doxa) — como seu ponto de partida, como a arche de sua própria investigação. O que é buscado já está aí, já está dado — mas apenas como o fim oculto do desejo natural. No entanto, paradoxalmente, portanto, ainda não foi dado, precisamente na medida em que este desejo ainda não atingiu seu fim, ainda não foi totalmente desdobrado e realizado. A investigação de Aristóteles sobre a sophia apenas torna explícito o que já está pressuposto nesse desejo natural, inscrevendo-se dentro dessa arche e telos, seu logos, portanto, cumprindo e realizando este mesmo desejo. Como Heidegger observa em seu comentário, “esta ideia de sophia, que prossegue em direção à aitia como tal, e de fato na direção de ta ex arches, isto é, dos archai, torna explícito o que o Dasein implicitamente almeja de uma maneira ainda não clara para si mesmo” (GA19, 96).

  1. Ver Ética a Nicômaco, 1177 a27f., onde Aristóteles atribui autossuficiência (autarkeia) à atividade de theorein que pertence à sophia[]