Com uma regularidade impecável, o ritmo da escrita de Heidegger seguirá, a partir de então, as pulsações do ser. Às cinco épocas da história da metafísica, dedicadas ao vaguear do ser, correspondem, em O Tempo da Imagem do Mundo (GA5), os “cinco fenômenos essenciais dos Tempos Modernos” (ciência, tecnologia, estética, civilização, o despojamento dos deuses), e em A Origem da Obra de Arte (GA5), os cinco modos de advento da verdade (a obra, a cidade, o deus, o sagrado, o ser). Encontramos essas cinco partições de momentos em outras formas em todos os textos de Heidegger que consideram a arquitetura interna da metafísica. A seção central de Kant e o Problema da Metafísica (GA3) é assim disposta em “cinco estágios” que são responsáveis por garantir “o estabelecimento do fundamento da ontologia”; como de costume, Heidegger deixa no escuro o princípio desse arranjo que ele não encontra na obra de Kant. O texto de 1940 sobre a Metafísica de Nietzsche (GA6) segue um caminho semelhante: logo na introdução, ele identifica “os cinco termos fundamentais da metafísica de Nietzsche (die fünf Grundworte der Metaphysik Nietzsches)” (vontade de poder, niilismo, eterno retorno do Mesmo, super-homem, justiça), que mais tarde são ditos, sem maiores esclarecimentos, como correspondendo “às cinco partes da essência da metafísica” (dem fünffach gegliederten Wesen der Metaphysik). Um segundo estudo dedicado ao mesmo autor, O Niilismo Europeu (1940) (GA6), dessa vez menciona “os cinco termos capitais” (die fünf Haupttitel), cuja “conexão original” (ursprünglichen) revela a unidade da metafísica nietzschiana. Um texto final sobre Nietzsche, A Vontade de Poder enquanto Arte (1936-1937) (GA6), é ainda mais insistente: a estrutura do pensamento capital de Nietzsche e, além dele, toda a filosofia, são doravante ordenados em torno de “cinco proposições sobre a arte” (die Fünf Sätze über die Kunst). Paralelamente, a Conferência de Roma sobre Hölderlin e a essência da poesia (1936) (GA4), dividida em cinco partes, interpreta a obra do poeta e, por meio dela, a própria “essência da poesia”, com base na “conexão interna” de cinco fragmentos de Hölderlin, que são chamados, sem justificar sua escolha ou seu número, de “os cinco leitmotivs” (die fünf Leitworte).
Ecoando os quintos pitagóricos de Platão que revelam a harmonia inicial do mundo, Heidegger pensa nas múltiplas partições do ser com base nas nervuras do ser, de tal forma que a história da metafísica testemunha a marca do ser em cada época. Esse é a Partilha da Moira, ao qual “Deuses e Homens estão sujeitos” (GA5:Anaximandro), assim como a Terra e o Céu. Nesse concerto de quatro vozes, no qual o ser canta a capella, a medida da Terra e a medida do Céu, a medida dos Divinos e a medida dos Mortais, dão a cada coisa o mundo para compartilhar. Como a Moira (Teogonia, 217), o Geschick heideggeriano é um filho da Noite, essa “Noite do Mundo” em que o clarão silencioso de Ereignis brilha repentinamente para se apropriar de cada ente para si mesmo e dar a ele a parte que lhe é devida. Para compreender a estranha natureza de Ereignis, essa palavra intraduzível da palavra heideggeriana, a analogia com o mito platônico é mais uma vez essencial. É “à noite” (Rep., X, 621a5) que as almas, tendo escolhido livremente seu destino, vêm acampar às margens do rio Ameles. No meio da noite, uma explosão de trovões acompanhada de um terremoto — como se o Céu estivesse mais uma vez cobrindo sua companheira para engendrar novas existências — “subitamente” (έξαπίνης, 62153) arrebata as almas de seu lugar; em um piscar de olhos, elas se lançam em um relâmpago às alturas (άνω), na velocidade das estrelas (άστέρας), para nascerem para uma nova vida. Quanto a Er, tendo também erguido os olhos para o céu, ele se viu “subitamente” (έξαίφνης) deitado na pira, ressuscitado, ao nascer do dia (εωθεν). Assim como a έξαίφνης platônica, que leva instantaneamente cada alma ao seu destino, o Ereignis heideggeriano é a característica fundamental que traz o ser ao mundo. Das Ereignis ereignet: é a característica do relâmpago dar a cada um a sua parte.