(A) decadência espiritual decorre da incapacidade de habitar o mundo: apesar da ausência, em 1935, de um termo apropriado para designar o Geviert, e da ambiguidade que faz da Terra tanto o lugar dessa decadência quanto uma das formas dela, Heidegger busca aqui, não salvar o mundo de seu destino de vagar, mas simplesmente pensá-lo. Esse é, sem dúvida, seu projeto mais antigo e constante. Esse é, sem dúvida, seu projeto mais antigo e mais constante. Já no parágrafo 21 de Sein und Zeit (ET21), desenvolvendo as análises do capítulo 2 sobre o “ser-no-mundo” (in-der-Welt-sein), Heidegger observou: “A tradição ontológica (…) que é decisiva para nós (…) perdeu o fenômeno do mundo desde o início — exatamente em Parmênides” (SZ, p. 100; trans., p. 128). O recurso ao mito é, então, o testemunho de um retorno ao mundo que busca pensar além do universo racional da metafísica. Se Heidegger quer redescobrir o “outro início”, obscurecido desde que Platão deu origem à filosofia a partir da passagem do mythos para o logos, ele deve necessariamente cruzar o caminho de Platão e retornar do logos para o mythos. Os dois pensadores, portanto, tiveram que se encontrar, como deveriam, no crepúsculo, e só poderiam se encontrar no centro da encruzilhada. Esse é o verdadeiro significado da “destruição” da tradição de Heidegger: retornar para além da construção metafísica de um “mundo posterior”, que precisamente não é mais um “mundo”, mas uma época da história na qual o ser se desvanece na presença do ente, e redescobrir a articulação original do mundo dentro do qual a metafísica ocorre e se enraíza — uma raiz quíntupla.
(MATTÉI, J.-F. L’ordre du monde: Platon, Nietzsche, Heidegger. Paris: PUF, 1989)