Marcos Fernandes (2011:388-389) – relacionamento [Verhältnis]

O fundo de toda relação, enquanto relacionamento existencial, é a existência; mas a existência é ela mesma, na sua essência, relação de ser com o ser. O humano não pode ser quem ele é, ou seja, não pode existir, a não ser na relação com o ser. Entretanto, o ser é, ele mesmo, relação e relacionamento (Verhältnis)1. O essencial do relacionamento, porém, é cuidado-por, solicitude (Fürsorge). Na plena vigência e vigor da solicitude, os que se relacionam se confiam mutuamente, são capazes de abandonar-se (sich einlassen) na mútua confiabilidade (Verlässlichkeit) e, assim, recolher-se na calma da serenidade (Gelassenheit). A vigência e o vigor do relacionamento, portanto, não é um fazer nem um sofrer, mas é um deixar-ser (sein-lassen). Deixar-ser, entretanto, é cuidar para que, no relacionamento, cada qual dos que estão relacionados, venham a ser o que são, justamente por graça do outro. Deixar-ser é, assim, o ato mais originário da liberdade do relacionamento. É ele que torna livres os que se relacionam. Ora, isso vale não somente para a relação entre um eu e um tu humanos, ou, em sentido amplo, entre ente e ente, mas vale ainda mais e originariamente para a relação entre ser e homem. Há ser. Isso quer dizer: o ser se dá (es gibt). Entretanto, se dá na simplicidade modesta do que não se impõe, mas que deixa ser:

“O que o pensamento, pela primeira vez, procurou expressar-se em Ser e Tempo, pretende alcançar, é algo de muito simples. Por ser simples, o Ser permanece misterioso, a proximidade calma de um vigor (Walten), que não se impõe à força. Essa proximidade se essencializa como linguagem.”2

[FERNANDES, Marcos A. À clareira do ser: da fenomenologia da intencionalidade à abertura da existência. Teresópolis: Daimon Editora Ltda, 2011]
  1. HEIDEGGER, M. Sobre o Humanismo (GA9). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, p. 53.[]
  2. HEIDEGGER, M. Sobre o Humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967, p. 54.[]