lógica

Logik

Quando nos referimos ao múltiplo sentido do “lógico”, tomamos como parâmetro uma constringência que consiste somente numa coerência correta. Mas uma coerência correta pode se apresentar de mil e uma maneiras. Olhando-se mais precisamente, a mera coerência correta não contém nenhuma constringência. Em todo caso, faltam ao “lógico” a indicação e o peso do verdadeiro. O que é “lógico” não precisa ser verdadeiro. A alucinada errância da nossa história pode ser traçada “logicamente”. O que milhões de vezes se chama de “lógico” nunca oferece ou fundamenta o verdadeiro. Um criminoso também pensa “logicamente”, talvez até de maneira muito mais “lógica” do que um homem ajuizado. Até ficaremos em dúvida se devemos considerar como verdadeira a “lógica” do criminoso, mas só porque é “lógica”, como se costuma dizer sem pensar. O apelo de “lógico”, como a instância da constringência e obrigatoriedade, é em toda parte sinal do pensamento que não pensa. É, sobretudo, o homem “inculto” que mostra um amor especial pelo emprego da expressão “lógico”. O homem “inculto” é aquele que não consegue compor nenhuma imagem diante da coisa em questão, é aquele que desconhece como se dá uma relação com a coisa e como a relação deve sempre ser novamente conquistada, que desconhece, ainda, que a relação só se deixa conquistar na pronúncia da coisa a partir da coisa ela mesma. A expressão tão apreciada “isso é lógico” constitui na maior parte das vezes um sinal de que se desconhece a coisa em questão. Pensar “logicamente”, obedecer “o lógico” ainda não garante o verdadeiro. O “ilógico” pode muito bem abrigar em si o verdadeiro. O “lógico” pode ser a norma que se adequa ao pensamento, mas neste sentido corriqueiro e comum, o normal nunca pode vir a constituir instância do verdadeiro. (GA55MS:126)


“Lógica” responde à questão: o que é significado pelo conceito? Não há “lógica”no sentido que se fala dela simplesmente como “lógica”. “Lógica” é uma decorrência do escolasticismo helenístico, que adaptou a investigação do passado em uma maneira escolástica. Nem Platão nem Aristóteles sabiam de “lógica”. Lógica, como prevaleceu na Idade Média, pode ser definida como uma questão de conceitos e regras, escolasticamente compiladas. “Problemas lógicos” emergem do horizonte de uma divisão escolástica de questões; seu interesse jaz não em uma confrontação com coisas, mas ao invés com a divisão de possibilidades técnicas definidas. (GA18 p. 9)


Porque se fala contra a “lógica”, crê-se que se pretenda renunciar ao rigor do pensamento, para entronizar em seu lugar a arbitrariedade dos impulsos e sentimentos, e, assim, proclamar, como o verdadeiro, o “irracionalismo”. Pois o que é “mais lógico” do que isto: quem fala contra o lógico, defende o ilógico? (CartaH)


A “lógica” entende o pensamento como a representação do ente em seu ser, enquanto a representação se apresenta (sich zustellt) o ser do ente na “universalidade” do conceito. Mas o que acontece com a reflexão sobre o Ser em si mesmo, e isso significa com o pensamento, que pensa a Verdade do Ser? É esse pensamento que atinge a Essência originária do logos, a qual, em Platão e Aristóteles — o fundador da “lógica” — já se entulhara e perdera. Pensar contra “a lógica”, não significa quebrar lança em favor do ilógico. Significa apenas repensar (nachdenken) o logos e sua Essência, que se manifestou nas origens (Frühzeit) do pensamento. Significa empenhar-se e esforçar-se na preparação desse re-pensamento. De que nos servem todos os sistemas de lógica, mesmo os mais extensos, se eles, sem saberem o que fazem, se subtraem à tarefa prévia de questionarem a Essência do logos? Se se quisesse retribuir objeções — o que, sem dúvida, é estéril —, com maior razão poder-se-ia dizer que o irracionalismo, no sentido de renúncia à ratio, reina, desconhecido e incontrastado, na defesa da “lógica”, que crê poder esquivar-se a uma reflexão sobre o logos e sobre a Essência da razão, nele fundada. (CartaH)


Hegel pensa o ser em sua vacuidade mais vazia, porquanto em sua máxima generalidade. Pensa o ser ao mesmo tempo na sua plenitude acabada e perfeita. Entretanto, o filósofo designa a filosofia especulativa, isto é, a filosofia propriamente, não onto-teo-logia, mas “Ciência da Lógica”. Com esta designação Hegel traz algo decisivo à luz. Não há dúvida que se poderia esclarecer, num instante, a designação da metafísica como “lógica” apontando para o fato de que para Hegel “o pensamento” é o objeto do pensamento, sendo esta palavra entendida como singulare tantum. O pensamento, o ato de pensar, é, manifestamente, e, segundo uso antigo, o tema da lógica. Certamente. Mas também tão indiscutivelmente está constatado que Hegel, fiel à tradição, localiza o objeto do pensamento no ente enquanto tal e no todo, no movimento do ser, desde a sua vacuidade até sua plenitude desenvolvida.

Como pode, entretanto, o “ser” em geral decair até o ponto de se apresentar como “o pensamento”? De que outra maneira que através do fato de o ser vir caracterizado previamente como fundamento do pensamento, entretanto – porque pertence à unidade com o ser -, se recolher no ser enquanto fundamento, ao modo do explorar e fundar. O ser se manifesta como pensamento. Isto significa: o ser do ente se desocupa como o fundamento que a si mesmo explora e funda. O fundamento, a ratio são, segundo a essência de sua origem: o logos no sentido do deixar-estar-aí que a tudo reúne: o hen panta. Assim, pois, em verdade, para Hegel “a Ciência”, quer dizer, a metafísica, não é “lógica” porque tem como tema o pensamento, mas porque o objeto do pensamento permanece o ser. Este, entretanto, desde a aurora de seu desocultamento, interpela, através de seu caráter de logos, de fundamento fundante, o pensamento e lhe impõe a tarefa de fundamentar.

A metafísica pensa o ente enquanto tal, quer dizer, em geral. A metafísica pensa o ente enquanto tal, quer dizer, no todo. A metafísica pensa o ser do ente, tanto na unidade exploradora do mais geral, quer dizer, do que em toda parte é in-diferente, como na unidade fundante da totalidade, quer dizer, do supremo acima de tudo. Assim é previamente pensado o ser do ente como o fundamento fundante. Por isso, toda a metafísica é, basicamente, desde o fundamento, o fundar que presta contas do fundamento; que lhe presta contas e finalmente lhe exige contas.

Para que aventamos isto? Para experimentarmos as batidas expressões ontologia, teologia e onto-teologia naquilo em que escondem sua importância. Não há dúvida que, de saída, as expressões ontologia e teologia são tomadas, e isto se dá comumente, numa acepção paralela a outros termos também conhecidos: psicologia, biologia, cosmologia, arqueologia. As silabas finais “-logia” dizem, de maneira imprecisa e corrente, que se trata da ciência da alma, do vivo, do cosmos, das antiguidades. Mas na “-logia” se oculta não apenas o lógico no sentido do consequente e em geral do que tem caráter enunciativo, que articula e dinamiza todo o saber das ciências, armazena-o e o comunica. A “-logia” é, cada vez, o todo de um complexo fundador, onde os objetos das ciências são representados sob o ponto de vista de seu fundamento, isto é, são compreendidos. A ontologia, porém, e a teologia são “logias” na medida em que exploram o ente enquanto tal e o fundam no todo. Elas prestam contas do ser, enquanto fundamento do ente. Prestam contas ao logos e são, num sentido essencial, conformes ao logos, quer dizer, à lógica do logos. De acordo com isto chamam-se mais exatamente onto-lógica e teo-lógica. Mais objetivamente pensada e determinada de maneira mais clara, a metafísica é: Onto-teo-lógica.

Compreendemos agora o nome “lógica” no sentido essencial, que também inclui a expressão usada por Hegel e somente assim o elucida, a saber, como o nome para aquele pensamento que, em toda parte, explora e funda o ente enquanto tal e no todo, a partir do ser como fundamento (logos). O traço fundamental da metafísica designa-se onto-teo-lógica. Após estas considerações, estamos em condições de esclarecer como o Deus entra na filosofia. (MHeidegger 192)


Se a situação é esta, não deveria também a maneira de interpretar o ser, o modo de pensar, ter um caráter diferente e adequado? Desde a Antiguidade chama-se a teoria do pensamento “lógica”. Se, entretanto, o pensamento, em sua relação com o ser, é ambíguo: enquanto antecipação de horizonte e enquanto organon, não permanecerá, na perspectiva citada, também ambíguo aquilo que se chama “lógica? Não se torna absolutamente problemática “a lógica” enquanto organon e enquanto horizonte da interpretação do ser? Uma consideração que procura dirigir-se nesta direção não se volta contra a lógica, mas se aplica a determinar de maneira suficiente o logos, isto é, aquele dizer no qual o ser se manifesta na linguagem como o mais digno de ser pensado. (MHeidegger: A TESE DE KANT SOBRE O SER)


A preleção nem se compraz numa “filosofia da angústia” (Angstphilosophie) nem procura insinuar a impressão de uma “filosofia heroica”. Ela pensa apenas aquilo que apareceu ao pensamento ocidental, desde o começo, como aquilo que deve ser pensado e permaneceu, entretanto, esquecido: o ser (Sein). Mas o ser não é produto do pensamento. Pelo contrário, o pensamento essencial (wesentliche Denken) é um acontecimento (Ereignis) provocado pelo ser.

É por isso que também se torna necessária a formulação do que até agora foi silenciado: situa-se este pensamento já na lei de sua verdade se apenas segue aquele pensamento compreendido pela “lógica”, em suas formas e regras? Por que põe a preleção esta expressão entre aspas? Para assinalar que a “lógica” é apenas uma das explicações da essência do pensamento; aquela que já, o seu nome o mostra, se funda na experiência do ser realizado pelo pensamento grego. A suspeita contra a lógica – como sua consequente degenerescência pode valer a logística – emana do conhecimento daquele pensamento que tem sua fonte na experiência da verdade do ser e não na consideração da objetividade do ente (Gegenständlichkeit des Seienden). (MHeidegger POSFACIO)


Compreendemos agora o nome “lógica” no sentido essencial, que também inclui a expressão usada por Hegel e somente assim o elucida, a saber, como o nome para aquele pensamento que, em toda parte, explora e funda o ente enquanto tal e no todo, a partir do ser como fundamento (logos). O traço fundamental da metafísica designa-se onto-teo-lógica. Após estas considerações, estamos em condições de esclarecer como o Deus entra na filosofia. (MHeidegger A CONSTITUIÇÃO ONTO-TEO-LÓGICA DA METAFÍSICA)