Freilegung, freigeben, freigegeben, freilegen
Ser é sempre ser de um ente. O todo dos entes pode tornar-se, em seus diversos setores, campo para se LIBERAR [Freilegung] e definir determinados âmbitos de objetos. Estas, por sua vez, como, por exemplo, história, natureza, espaço, vida, existência, linguagem, podem transformar-se em temas e objetos de investigação científica. A pesquisa científica realiza, de maneira ingênua e a grosso modo, um primeiro levantamento e uma primeira fixação dos âmbitos de objetos. A elaboração do âmbito em suas estruturas fundamentais já foi, de certo modo, efetuada pela experiência e interpretação pré-científicas do setor de ser que delimita a própria região de objetos. Os “conceitos fundamentais” assim produzidos constituem, de início, o fio condutor da primeira abertura concreta do âmbito. Se o peso de uma pesquisa sempre se coloca nessa positividade, o seu progresso propriamente dito não consiste tanto em acumular resultados e conservá-los em “manuais”, mas em questionar a constituição fundamental de cada âmbito que, na maioria das vezes, surge reativamente do conhecimento crescente das coisas. STMSC: §3
A analítica da presença [Dasein], assim entendida, fica totalmente orientada para a tarefa que guia a elaboração da questão do ser. Com isso determinam-se também os seus limites. Ela não pretende proporcionar uma ontologia completa da presença [Dasein], como se haveria de pretender caso se estivesse buscando as bases filosóficas suficientes para uma antropologia “filosófica”. Com vistas a uma possível antropologia e igualmente a uma fundamentação ontológica da antropologia, a interpretação que se segue só poderá fornecer alguns “fragmentos”, embora não sem importância. A análise da presença [Dasein], porém, não é somente incompleta, mas também provisória. Ela começa apenas explicitando o ser desse ente, sem interpretar-lhe o sentido. O que lhe compete é LIBERAR [Freilegung] o horizonte para a mais originária das interpretações de ser. Uma vez alcançado esse horizonte, a análise preparatória da presença [Dasein] exige uma retomada em bases ontológicas mais elevadas e autênticas. STMSC: §5
Indicou-se a constituição instrumental do manual como referência. Como o mundo pode LIBERAR [freigeben] em seu ser os entes dotados desse modo de ser? Por que esse ente é o que vem ao encontro em primeiro lugar? Consideramos a serventia, o dano, a possibilidade de emprego, etc. como referências determinadas. O para quê (Wozu) de uma serventia e o em quê (Wofür) de uma possibilidade de emprego delineiam a concreção possível da referência. A “ação de mostrar” do sinal, o “martelar” do martelo não são, contudo, propriedades dos entes. Não são propriedades em sentido algum, caso esse termo deva designar a estrutura ontológica de uma determinação possível de coisas. Em todo caso, o manual é apropriado ou não apropriado e, nessas apropriações, suas “propriedades” acham-se, por assim dizer, articuladas, do mesmo modo que o ser simplesmente dado, na qualidade de modo possível de ser de um manual na manualidade. Como constituição do instrumento, a serventia (referência) também não é o ser apropriado de um ente, mas a condição ontológica da possibilidade para que possa ser determinado por apropriações. O que diria, pois, nesse caso, referência? O ser do manual tem a estrutura da referência. Isso significa: ele possui em si mesmo o caráter de estar referido a. O ente se descobre enquanto referido a uma coisa como o ente que ele mesmo é. O ente tem com o ser que ele é algo junto. O caráter ontológico do manual é a conjuntura. Na conjuntura se diz: algo se deixa e faz junto a. É essa remissão de “com… junto…” que se pretende indicar com o termo referência. STMSC: §18
Investigação ontológica é um modo possível de interpretação. Esta foi caracterizada como elaboração e apropriação de uma compreensão. Toda interpretação possui sua posição prévia, visão prévia e concepção prévia. No momento em que, enquanto interpretação, se torna tarefa explícita de uma pesquisa, então o conjunto dessas “pressuposições”, que denominamos de situação hermenêutica, necessita de um esclarecimento prévio que, numa experiência fundamental, assegure para si o “objeto” a ser explicitado. Uma interpretação ontológica deve LIBERAR o ente na constituição de seu próprio ser. Para isso, vê-se obrigada, numa primeira caracterização fenomenal, a conduzir o ente tematizado a uma posição prévia pela qual se deverão ajustar todos os demais passos da análise. Estes, porém, devem ser orientados por uma possível visão prévia do modo de ser dos entes considerados. Posição prévia e visão prévia, portanto, já delineiam, simultaneamente, a conceituação (concepção prévia) para a qual se devem dirigir todas as estruturas ontológicas. STMSC: §45
Enquanto a interpretação existencial não esquecer que o seu ente temático possui o modo de ser da presença [Dasein] e que ele nunca pode ser um ente simplesmente dado, resultante da colagem de pedaços simplesmente dados, todos os seus passos devem deixar-se guiar, em conjunto, pela ideia de existência. No que concerne à questão do nexo possível entre antecipação e decisão, trata-se, nada menos, do que da exigência de projetar esses fenômenos existenciais sobre as possibilidades existenciárias já delineadas e pensá-las, existencialmente, “até o fim”. Com isso, elaborar a decisão antecipadora no sentido de um poder-ser todo, existenciariamente possível e próprio, perde o caráter de uma construção arbitrária. Trata-se, pois, de LIBERAR, numa interpretação, a presença [Dasein] para a sua possibilidade de existência mais extrema. STMSC: §61
A análise da decisão antecipadora conduziu, ao mesmo tempo, para o fenômeno da verdade originária e própria. Já se mostrou como a compreensão ontológica, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes predominante, concebe o ser no sentido de algo simplesmente dado, encobrindo, dessa forma, o fenômeno originário da verdade. Se, no entanto, ser somente “se dá” na medida em que a verdade “é”, e a compreensão de ser sempre se modifica segundo o modo da verdade, então a verdade originária e própria deve garantir a compreensão de presença [Dasein] e de ser em geral. A “verdade” ontológica da análise existencial forma-se com base na verdade existenciária originária. No entanto, esta não precisa necessariamente daquela. A verdade mais originária, existencial e básica para a qual se encaminha a problemática de uma ontologia fundamental – preparando a questão do ser em geral – é a abertura do sentido ontológico da cura. Assim, para se LIBERAR esse sentido, é preciso aprontar integralmente o conteúdo estrutural da cura. STMSC: §63
A caracterização do “nexo” entre cura e si-mesmo não visava apenas ao esclarecimento do problema específico da estrutura do eu, pretendendo servir também como último preparativo para a apreensão fenomenal da totalidade do todo estrutural da presença [Dasein]. Como, para a visão ontológica, o modo de ser da presença [Dasein] não deve desvirtuar-se num modo, mesmo que totalmente indiferente, de ser simplesmente dado, fez-se necessária a disciplina ininterrupta do questionamento existencial. A presença [Dasein] torna-se essencial na existência própria, que se constitui pela decisão antecipadora. Esse modo de propriedade da cura inclui a autoconsistência originária e a totalidade da presença [Dasein]. É na visão concentrada de ambas em uma compreensão existencial que se deve LIBERAR o sentido ontológico do ser da presença [Dasein]. STMSC: §65
Como a temporalidade da angústia se comporta frente à temporalidade do medo? Chamamos este fenômeno de disposição fundamental. Ela coloca a presença [Dasein] diante de seu estar-lançado mais próprio, desvelando a estranheza do ser-no-mundo cotidiano e familiar. Assim como o medo, a angústia também se determina formalmente por um com quê e um pelo quê a angústia se angustia. A análise mostrou, no entanto, que estes dois fenômenos coincidem. Isto não significa, porém, que os caracteres estruturais do com quê e pelo quê se confundem no sentido de que a angústia não se angustiaria nem com e nem por alguma coisa. A coincidência entre o com quê e o pelo quê deve significar que é um e o mesmo o ente que os realiza, ou seja, a presença [Dasein]. Especificamente, o com quê a angústia se angustia vem ao encontro não como algo determinado numa ocupação. A ameaça não provém do que está à mão e do que é simplesmente dado mas, sobretudo e justamente, de que tudo que está à mão e é simplesmente dado já não “diz” absolutamente nada. Não estabelece mais nenhuma conjuntura com o ente do mundo circundante. O mundo, no contexto do qual eu existo, afundou na insignificância, e o mundo que, dessa forma, se abre só é capaz de LIBERAR entes sem conjuntura. O nada do mundo, com o que a angústia se angustia, não significa que, na angústia, se faça a experiência de uma ausência de seres simplesmente dados dentro do mundo. É preciso que eles venham ao encontro para que não estabeleçam nenhuma conjuntura e possam, assim, mostrar-se numa impiedade vazia. Isso significa, porém, que o aguardar da ocupação não encontra mais nada a partir do qual possa compreender-se. Ele agarra o nada do mundo; deparando-se com o mundo, porém, o compreender é trazido pela angústia para o ser-no-mundo como tal, de maneira que esse com quê a angústia se angustia é, também, o seu por quê. O angustiar-se com alguma coisa não possui nem o caráter de espera, nem de aguardar. O com quê a angústia se angustia já está “pre-sente” [»da«], é a própria presença [Dasein]. Será que a angústia não se constitui pelo porvir? Sem dúvida, mas não pelo porvir impróprio do aguardar. STMSC: §68
O projeto científico dos entes que, já de algum modo, vêm ao encontro possibilita a compreensão explícita de seu modo de ser e isto de tal maneira que assim se tornam manifestos os possíveis caminhos para a pura descoberta dos entes intramundanos. Chamamos de tematização o todo desse projeto ao qual pertencem a articulação da compreensão de ser, a delimitação dela derivada do setor de objetos e o prelineamento da conceitualização adequada ao ente. A tematização visa LIBERAR os entes que vêm ao encontro dentro do mundo de modo que possam ser “projetados para” uma pura descoberta, isto é, que possam tornar-se objetos. A tematização objetiva. Não é ela que “põe” pela primeira vez o ente. Ela o libera de tal maneira que ele possa ser questionado e determinado “objetivamente”. O ser objetivante junto ao que é simplesmente dado dentro do mundo tem o caráter de uma atualização privilegiada. Ela difere da atualidade da circunvisão, sobretudo, por a descoberta da respectiva ciência só aguardar a descoberta do que é simplesmente dado. Essa atualização da descoberta funda-se, existenciariamente, numa decisão da presença [Dasein] na qual ela se projeta para o poder-ser na “verdade”. Este projeto é possível já que o ser e estar na verdade constitui uma determinação existencial da presença [Dasein]. Não caberia aqui prosseguir com a investigação da origem da ciência a partir da existência em sentido próprio. Trata-se apenas de compreender que e como a tematização dos entes intramundanos pressupõe a constituição fundamental da presença [Dasein], isto é, o ser-no-mundo. STMSC: §69
Com a análise da movimentação e permanência específicas e próprias do acontecer da presença [Dasein], a investigação retorna ao problema que foi tocado imediatamente antes de se LIBERAR a temporalidade: a saber, retorna à questão da consistência do si-mesmo, determinado como o quem da presença [Dasein]. A autoconsistência é um modo de ser da presença [Dasein], fundando-se, por conseguinte, numa temporalização específica da temporalidade. A análise do acontecer conduz aos problemas de uma investigação temática da temporalização como tal. STMSC: §72
Cabia apenas demonstrar, provisoriamente, o “nexo” entre o uso do relógio e a temporalidade que toma tempo. Da mesma forma que a análise concreta da contagem astronômica do tempo pertence à interpretação ontológico-existencial da descoberta da natureza, assim também só se pode LIBERAR o fundamento da “cronologia” da história e do calendário, no âmbito da tarefa de uma análise existencial do conhecimento historiográfico. STMSC: §80
O que se busca é responder à questão do sentido do ser em geral e, antes disso, a possibilidade de elaborar radicalmente essa questão fundamental {CH: pela qual, porém, a “ontologia” também se transforma (cf Kant e o problema da metafísica, seção IV)} de toda ontologia. LIBERAR o horizonte em que o ser em geral é, de início, compreensível equivale, no entanto, a esclarecer a possibilidade da compreensão do ser em geral, pertencente à constituição desse ente que chamamos de presença [Dasein]. Como momento de ser essencial da presença [Dasein], a compreensão de ser só se deixa esclarecer radicalmente caso o ente que a possua seja interpretado originariamente na perspectiva de seu ser. STMSC: §45
LIBERAR [freilegen] a perspectiva de um projeto diz abrir o que possibilita o projetado. Do ponto de vista do método, essa liberação [Freilegung] exige que se persiga o projeto, à base da interpretação, embora, na maior parte das vezes, implícito, de tal maneira que o projetado no projeto possa se apreender e abrir no tocante à sua perspectiva. Expor o sentido da cura significa, portanto: perseguir o projeto orientador e fundamental da interpretação existencial originária da presença [Dasein] para que se torne visível a perspectiva do projetado. O projetado é o ser da presença [Dasein] e este enquanto o aberto no poder-ser todo em sentido próprio, que o constitui. A perspectiva deste projeto, do ser que assim se abriu e constituiu, é o que possibilita esta constituição de ser como cura. A questão do sentido da cura é, pois, a seguinte: o que possibilita a totalidade articulada do todo estrutural da cura na unidade desdobrada de suas articulações. STMSC: §65
Mas é na temporalidade que a totalidade da constituição da cura encontra o fundamento possível de sua unidade. No horizonte da constituição temporal da presença [Dasein], deve-se tomar como ponto de partida o esclarecimento ontológico do “nexo da vida”, ou seja, da ex-tensão, movimentação e permanência específicas da presença [Dasein]. A movimentação da existência não é o movimento de algo simplesmente dado. Ela se determina pela ex-tensão da presença [Dasein]. Chamamos de acontecer da presença [Dasein] a movimentação específica deste estender-se na extensão. A questão sobre o “nexo” da presença [Dasein] é o problema ontológico de seu acontecer. LIBERAR a estrutura do acontecer e suas condições existenciais e temporais de possibilidade significa conquistar uma compreensão ontológica da historicidade. STMSC: §72