tempo e espaço

Tempo e espaço são para Heidegger co-ordenados. A espacialidade de Dasein é baseada ou “abarcada” pela temporalidade, embora esta “conexão seja diferente da prioridade do tempo sobre o espaço” que Heidegger descobre em Kant (SZ, 367; cf. GA3, 199s/136): “Somente baseando-se na temporalidade ecstática-horizontal é possível para Dasein entrar no espaço” (SZ, 369). Não obstante, depois de SZ Heidegger imagina um “tempo-espaço” unificado. Ele não é o “espaço-tempo (Raum-Zeit)” da física, mas Zeit-Raum, uma palavra forjada a partir de Zeitraum, a palavra usual para um “período/intervalo/espaço de tempo”. Ele também forja ZeitSpielRaum, lit., “tempo-jogo-espaço”, baseando-se em Zeitraum e em Spielraum, lit., “lugar/espaço de jogo”, portanto, “espaço de jogo, liberdade de movimento”.

Tempo e espaço são muito diferentes. O espaço pode ser concebido como a ordem e estrutura de todos os SERES-SIMPLESMENTE-DADOS juntos, sendo, portanto, representado em um atualizar (Gegenwärtigung), em uma temporalidade definida. A representação do espaço é uma temporalização (Zeitigung). Mas isto não nos dá o direito de reduzir o espaço ao tempo. Cada um possui a sua própria essência, e não apenas na diferença de quantidade de “dimensões” como ordinariamente concebidas. Ao explorar, contudo, a essência de cada um, vemos que a sua essência é um tempo-espaço original e unificado: “Refletir sobre o tempo deste modo (em seus ‘ecstáticos’) já o traz, em sua relação com o aí (pré-) de Dasein, para a relação essencial com a espacialidade de Dasein c, portanto, com o espaço” (GA65, 189; cf. 377; GA12, 213s). Podemos prosseguir em duas diferentes direções: 1. do tempo-espaço para o tempo e o espaço, 2. do tempo e do espaço para o tempo-espaço (GA65, 386, 388). A ideia de um Zeitraum é de uso limitado por ser puramente temporal: representa o tempo da maneira tradicional como “espaçoso, amplo (geräumig)’’, e não é idêntica à abertura não-“espacial” do tempo com suas “retrações (Entruckungen)” como descrita em SZ. O tempo-espaço não é o espaço-tempo da física, nem é a ideia de que toda ocorrência histórica acontece em algum lugar e em algum tempo e assim determinada de modo espaço-temporal. Estas são conexões superficiais de espaço e tempo, enquanto tempo-espaço é a sua origem unitária, sua “raiz comum” (GA65, 377s).

Heidegger não dá uma explicação muito clara do segundo caminho, do espaço e do tempo para o tempo-espaço. “O caminho oposto (do espaço e do tempo para o tempo-espaço) pode ser percorrido com mais confiança trazendo à luz em uma interpretação, a espacialidade e a temporalidade da coisa, do utensílio, da obra, da MAQUINAÇÃO e de todos os entes, como abrigo (Bergung) da verdade” (GA65, 388). Percebe que palavras primordialmente associados ao tempo — Zeitigung, “amadurecimento, aprimoramento, deixar surgir”, Anwesenheit, “vigência” — não são exclusivamente temporais, e que palavras associadas ao espaçoSpielraum, Räumung, “ abrir espaço, dar espaço, dar lugar”, Einräumung, “arranjar, conceder, dar espaço” — não são exclusivamente espaciais. O espaço de jogo de que eu preciso para fazer as coisas é tanto espacial quanto temporal. O lugar que preparo para um compromisso é mais temporal que espacial. O cachimbo que fumo na caminhada mede mais o tempo que levo para chegar como a distância que percorro. Considerados de maneira própria, tempo e espaço revelam uma profunda afinidade: “Tempo como tempo que leva embora e abre é, portanto, ao mesmo tempo e intrinsecamente, aquele que dá espaço (einräumend), que cria ‘espaço’. O espaço não tem a mesma essência que o tempo, mas pertence ao tempo, assim como o tempo pertence ao espaço. Mas o espaço também deve aqui ser concebido originalmente como abrir espaço (Räumung) (…)” (GA65, 192). A constância e vigência, em função das quais os gregos consideravam o ser, são “tempo-espaciais (zeiträumlich)”: consistência (Beständigkeit) é “duração da retração (Entruckung) para o passado e o futuro (i.e. temporal), (…) Vigência (Anwesenheit) é a atualidade (Gegenwart) no sentido da duração reunidora, segundo o recolhimento das retrações (i.e. temporal), (…) Concebida espacialmente, consistência é o completar-se e o dilatar-se do espaço, ele mesmo não especificamente concebido. Trata-se, portanto, de um abrir espaço (Einräumung, i.e. aqui não o esvaziar um lugar para deixar algo entrar, mas fazer do espaço um espaço com o intuito de completá-lo). A vigência é o abrir espaço no sentido de dar espaço (Raumgebens) para os entes dispostos à sua volta e que, por isso, são consistentes (ständige). A unidade, o entrecruzamento, de Zeitigung e Eiräumung (…) constitui a essência da entidade” (GA65, 192; cf. 260s). Os primeiros gregos não distinguiam tempo e espaço; eles os concebiam juntos como abrindo um âmbito consistente para as suas atividades: o aí (pré-), o “espaço de jogo tempo-espaço, no qual os entes podem, mais uma vez, juntar-se ao ser (seiend), i.e., tornar-se os guardiões do ser” (GA65, 243). Tempo-espaço não é um meio neutro que existe independentemente das ocupações humanas: “O entre (entre homens e deuses) (…) funda, em primeiro lugar, o tempo-espaço para a relação (entre homens e deuses) (…)” (GA65, 312). O big bang pelo qual o ser ex-plode em TERRA, mundo, deuses e homens também cria o tempo-espaço no qual os fragmentos relacionam-se uns com os outros (GA65, 311, 485). Por isso, o tempo-espaço não é simplesmente um campo para a atividade de rotina. Ele é a “instância do instante (Augenblicksstätte) para a fundação da verdade do ser” (GA65, 323; cf. 384). O instante é o instante de decisão, a solene decisão em que se estabelece uma nova civilização. Este foi o primeiro começo. Mas a filosofia deve, na transição para o outro começo, realizar “a projeção, i.e., a abertura fundadora, do tempo-espaço-de-jogo da verdade do ser” (GA65, 5).

Devemos também prosseguir do tempo-espaço na direção de espaço e tempo. Espaço e tempo tornaram-se agora estruturas vazias, quantitativas ou matemáticas para computar as posições das coisas e dos acontecimentos (GA65, 136, 372s, 375s, 387). Tempo (Aristóteles, Kant) e espaço (Kant) são considerados como estando no ego ou sujeito, ao passo que, em sua unidade original de tempo-espaço, ambos fundaram “o aí, através do qual o si mesmo e tudo que é verdadeiro nos entes fundam-se pela primeira vez” (GA65, 376). Ao dizer como isto aconteceu, precisamos distinguir quatro aspectos do problema (GA65, 386s): 1. O surgimento de uma distinção no pensamento grego entre topos, “lugar”, e chronos, “tempo”, dentro da indiferenciada interpretação dos entes como physis, aproximadamente “natureza”, e tendo como base a aletheia, “desencobrimento” (cf. GA65, 374). 2. O desdobramento de espaço e tempo a partir de “tempo-espaço como o sem fundo abismai (Abgrund) do solo, próprio ao pensamento do outro começo”. 3. O “apoderamento de tempo-espaço como a essencialização (Wesung) da verdade dentro da futura fundação de Dasein através do abrigo da verdade do acontecimento nos entes que, desse modo, se veem transformados”. 4. A solução de problemas, tais como a “atualidade” e a “infinidade” de espaço e tempo, e a sua relação com as “coisas”, que não podem ser respondidos, a não ser que tempo e espaço sejam concebidos em termos de tempo-espaço.

Um tempo-espaço unificado está implícito em SZ. A posterior explicação é mais histórica; a visão unitária é atribuída aos primeiros gregos e está envolvida em seu “primeiro começo”, mais do que em posteriores atividades rotineiras. Ele precisa ser recuperado para o “outro começo” que está por vir: tempo e espaço computacionais podem servir para a nossa rotina cotidiana, mas não para começos decisivos, que fundam a história. (Inwood, MIDH)