Deuses raramente aparecem em UK; o homem é o único beneficiário do conflito entre terra e mundo. Mas no mesmo período, de novo sob a influência de Hõlderlin, Heidegger introduz a díade contrastante, homens e deuses (cf. GA39, 47s, 93ss). Eles relacionam-se não pelo Streit, “conflito”, mas pela Ent-gegnung (GA65, 477ss). Esta palavra vem de gegen, “contra, em direção a” e do verbo gegenen, “vir para, aproxi-mar-se, encontrar”, que sobrevive apenas em compostos. Um desses compostos é Entgegen, que já significou “vir em direção a, estar frente a frente, confrontar”, mas agora significa “replicar, retrucar”. Heidegger grafa Entgegnung com um hífen, Ent-gegnung, ” resposta, réplica”, recuperando assim a ideia de oposição e encontro — não em um sentido exclusivamente hostil — e mantendo ao mesmo tempo a ideia de deuses e homens respondendo ao chamado uns dos outros. Ele fala de “deuses” devido à sua admiração pela Grécia antiga e pela natureza — que já foi a morada dos deuses, mas agora está sendo destruída pela tecnologia (GA65, 277). Rejeita, no entanto, qualquer visão definitiva sobre o número de deuses (GA65, 411, 437). Os deuses estão intimamente ligados com a concepção de si mesmo do homem. Quando o homem considera a si mesmo como um ” ‘espécime’ sobrevivente do gênero ‘ser humano’”, ele não tem “direito à vinda do deus, nem mesmo direito à experiência do voo dos deuses. Esta mesma experiência pressupõe que o ser humano histórico é consciente de si mesmo como transportado para o centro aberto dos entes abandonados pela verdade do seu ser” (GA65, 61). O homem não precisa de deuses quando vê a si mesmo como apenas mais uma espécie animal entre as outras; somente consciente da sua peculiar finitude, como um ente consciente dos entes como um todo, é que pode precisar de deuses. Homem e deuses brotam juntos do ser, como margens formadas pelo surgimento de um rio. (GA65, 476).
Quatro são os itens que emergem do acontecimento: mundo, terra, deuses, homens (GA65, 310). Heidegger fala, com frequência, do acontecimento como um Zerklüftung ou Erklüftung, um ” fender-se (adiante)” do ser, ou como uma Sprengung, uma “explosão, erupção” — um big bang que espalha fragmentos para as quatro direções, com o ser como seu “entre” (GA65, 311, 400, 485). Também fala da verdade do ser como um fogo que precisa dos deuses e do homem para manter-se aceso. Não podemos saber com que frequência o fogo já queimou antes. “Se soubéssemos isso, não seria necessário pensar o ser na unicidade de sua essência” (GA65, 488). (DH)