Biologia

[…] Nietzsche falou muito de biologia. Heidegger faz, porém, todo possível para inocentá-lo do “biologismo”, a visão de que nossos conceitos e crenças básicos dependem da nossa natureza biológica. A vida no sentido nietzschiano tem a ver com “ biografia” mais do que com “ biologia”, vindo ambas do grego bios, “vida” (GA6T1, 517. Cf. GA21, 34, onde bios, como “existência humana”, é distinguida de zoe, como “vida biológica”). Heidegger tem duas principais objeções ao biologismo. Em primeiro lugar, a biologia enquanto uma ciência não pode fundamentar a metafísica, já que se baseia na metafísica. O fato de que selecionamos entes que vivem como uma área para estudo e o modo como os estudamos dependem da nossa metafísica (GA6T1, 524ss). Em segundo lugar, nossa liberdade implica que não somos determinados pela biologia. Nietzsche sugere que nosso conhecimento e categorias enraízam-se na nossa biologia, que até mesmo o princípio de não-contradição é uma necessidade biológica: o homem precisa evitar a contradição para dominar o caos que o envolve; assim como a água-viva desenvolve e estende seus órgãos preênseis, também o animal “homem” usa a razão e seu órgão preênsil, o princípio de não-contradição, para encontrar seu lugar no meio-ambiente e sobreviver (GA6T1, 593). Mas essa visão não procede. O homem não é biologicamente especializado, como o lagarto que ouve um farfalhar na grama mas não ouve um tiro próximo (GA6T1, 244). Homens podem contradizer-se e de fato contradizem-se, tanto aberta quanto implicitamente: “não há compulsão”, mas “uma peculiar liberdade, que é talvez o solo não apenas da possibilidade da autocontradição, mas até mesmo o solo da necessidade de se evitar o princípio de não-contradição” (GA6T1, 596f; cf. 614). O conhecimento não pode ser explicado pela sua utilidade na “ luta pela sobrevivência”, visto que algo só pode nos ser útil se já formos de um tal tipo que faz uso disso e/ou se pudermos discernir o uso apenas retrospectivamente do ponto de vista do conhecimento por ele supostamente explicado: “Mas um uso e a utilidade nunca podem ser o solo para a essência de uma atitude básica (Verhaltens), já que todo uso e toda atribuição de um propósito útil já estão postos a partir da perspectiva, sendo, portanto, sempre e unicamente a consequência de uma constituição essencial” (GA6T1, 610).

Heidegger recusa sistematicamente as tentativas de explicar a conduta humana e as suas variações biologicamente, acreditando, com Kant, que a nossa finitude humana é anterior ao nosso equipamento biológico (GA25, 86s Cf. GA3, 229), e, com Adam Smith, que a significação das diferenças intrinsecamente leves e insignificantes entre os homens dependem daquilo que fazemos delas. Para a reivindicação de que “A poesia é uma função biologicamente necessária dos povos”, ele replicou: “Assim como a digestão” (GA39, 27). Ele também é avesso à ideia de que a filosofia deveria ser “relevante para a vida”, lebesnah (GA31, 35). (Inwood, MIDH)