Montenegro Valls
Acha-se num dos contos de Grimm uma narrativa sobre um moço que saiu a aventurar-se pelo mundo para aprender a angustiar-se. Deixemos esse aventureiro seguir o seu caminho, sem nos preocuparmos (em saber) se encontrou ou não o terrível [det Forfœrdelige]. Ao invés disso, quero afirmar que essa é uma aventura pela qual todos têm de passar: a de aprender a angustiar-se, para que não se venham a perder, nem por jamais terem estado angustiados nem por afundarem na angústia; por isso, aquele que aprendeu a angustiar-se corretamente, aprendeu o que há de mais elevado [har lœert det Høieste].
Se um humano fosse um animal ou um anjo, não poderia angustiar-se. Dado que ele é uma síntese, pode angustiar-se, e quanto mais profundamente se angustia, tanto maior é o ser humano, mas não, contudo, no sentido em que os homens em geral o consideram, referindo a angústia a algo externo, como algo que é exterior ao homem, e sim no sentido de que ele mesmo produz a angústia. (…)
A angústia é a possibilidade da liberdade, só esta angústia é, pela fé, absolutamente formadora, na medida em que consome todas as coisas finitas, descobre todas as suas ilusões. E nenhum Grande Inquisidor dispõe de tão horripilantes [forfœrdelige] tormentos como a angústia, e nenhum espião sabe investir sobre o suspeito com tanta astúcia, justo no momento em que está mais debilitado, ou sabe preparar armadilhas, em que este ficará preso, tão insidiosamente como a angústia, e nenhum juiz sagaz consegue examinar, sim, “ex-animar” (desalentar)1, o acusado como a angústia, que não o deixa escapar jamais, nem nas diversões, nem no barulho, nem no trabalho, nem de dia e nem de noite.
Aquele que é formado pela angústia é formado pela possibilidade, e só quem é formado pela possibilidade está formado de acordo com sua infinitude. A possibilidade é, por conseguinte, a mais pesada de todas as categorias. É certo que se ouve com frequência o contrário: que a possibilidade é tão leve, a realidade, porém, tão pesada. Mas de quem é que se ouvem tais discursos? De alguns humanos miseráveis que jamais souberam o que é possibilidade, e como então a realidade lhes mostrou que não prestavam para nada e nem haveriam de prestar para nada, reavivaram, mentirosos, uma possibilidade que seria tão bela, tão encantadora, e que, no melhor dos casos, baseia-se numa tolice juvenil, da qual seria melhor que se envergonhassem. Em geral entende-se, portanto, por esta possibilidade, da qual se diz que é tão leve, a possibilidade da sorte, do êxito, etc. Mas essa não é de jeito nenhum a possibilidade, é uma invenção mentirosa em que a corrupção humana aplica nova maquiagem para poder, sem embargo, ter motivo para queixar-se da vida e da Providência, e ter uma chance de se atribuir importância aos próprios olhos. Não, na possibilidade tudo é igualmente possível, e aquele que, em verdade, foi educado pela possibilidade entendeu aquela que o apavora [det Forfœrdelige] tão bem quanto aquela que lhe sorri (det Smilende). Quando, pois, um tal sujeito concluiu a escola da possibilidade e sabe, melhor que uma criança no seu ABC, que não pode exigir absolutamente nada da vida, e que o horrível [det Forfœrdelige], perdição, aniquilamento moram na porta ao lado de qualquer homem, e aprendeu com proveito que toda angústia, diante da qual ele se angustiava, no momento seguinte avançou sobre ele, então ele dará uma outra explicação da realidade; haverá de louvar a realidade, e mesmo quando ela pairar pesadamente sobre ele, lembrar-se-á de que esta é muito, muito mais leve do que o era a possibilidade. Somente assim a possibilidade pode formar; pois a finitude e as relações finitas dentro das quais um indivíduo tem seu lugar marcado, sejam elas pequenas e cotidianas ou tenham importância para a história universal, formam apenas de modo finito, e sempre se pode passar a conversa nelas, sempre fazer delas algo um pouco diferente, sempre barganhar, sempre fugir-lhes de algum modo, sempre manter uma certa distância delas, sempre impedir que se aprenda delas qualquer coisa num sentido absoluto, e se isso deve ser feito, então o indivíduo precisa ter em si outra vez a possibilidade, e ele mesmo formar aquela coisa com a qual há de aprender, ainda que esta no momento seguinte não reconheça que está formada por ele, senão que roube dele absolutamente todo poder.
Ferlov & Gateau
On trouve dans un conte de Grimm l’histoire d’un jeune homme qui s’en va courir les aventures pour faire l’apprentissage de l’angoisse. Laissons cet aventureux poursuivre son chemin sans nous soucier de savoir s’il a rencontré l’épouvante. Mais je dirai seulement que cet apprentissage même est une aventure qu’il nous faut tous subir, si nous ne voulons notre perdition, faute de n’avoir jamais connu l’angoisse ou en nous y engloutissant; c’est pourquoi l’apprentissage véritable de l’angoisse est le suprême savoir.
Ange ou bête, l’homme ne pourrait éprouver l’angoisse. Mais étant une synthèse, il le peut, et plus profondément il l’éprouve, plus il a d’humaine grandeur, non pas au sens pourtant où les hommes en général l’entendent, comme une angoisse des choses extérieures, de ce qui est hors de nous, mais comme une angoisse produite par nous-mêmes. Ce n’est qu’en ce sens-là qu’il faut entendre ce qu’on rapporte du Christ qu’il ressentait l’angoisse jusqu’à la mort, et quand il dit à Judas: Ce que tu fais, dépêche-le! Pas même le mot terrible qui, comme thème de sermon, angoissait même Luther: Mon Dieu, mon Dieu, pourquoi m’as-tu abandonné? pas même ce mot n’exprime la souffrance avec autant de force; car ce mot-ci désigne un état, où le Christ se trouvait, tandis que l’autre désigne le rapport à un état qui n’est pas encore.
L’angoisse est le possible de la liberté, seule cette angoisse-là forme par la foi l’homme absolument, en dévorant toutes les finitudes, en dénudant toutes leurs déceptions. Et quel Grand Inquisiteur dispose comme elle d’aussi atroces tortures? et quel espion qui sache avec autant de ruse attaquer le suspect dans l’instant même de sa pire faiblesse, ni rendre aussi alléchant le piège où il le prendra, comme l’angoisse en sait l’art? et quel juge sagace s’entend à questionner, ou à fouiller de questions l’accusé comme l’angoisse qui jamais ne le lâche, ni dans les plaisirs, ni dans le bruit, ni durant le travail, ni jour ni nuit?
L’homme formé par l’angoisse l’est par le possible, et seul celui que forme le possible l’est par son infinité. C’est pourquoi le possible est la plus lourde des catégories. Il est vrai qu’on entend souvent dire le contraire, que le possible est si facile, et si lourde la réalité. Mais ces discours, de qui les entend-on? De quelques pauvres diables n’ayant jamais su ce qu’est le possible et qui, comme la réalité leur montrait qu’ils ne valaient et ne vaudraient jamais rien, mensongèrement retapaient un possible, si beau, si délicieux à les en croire, quand pour base à ce possible il n’y avait tout au plus qu’un peu de folâtrerie de jeunesse dont on ferait mieux d’avoir honte. C’est pourquoi le possible dont on vante la facilité s’entend d’habitude comme un possible de bonheur, de chance, etc. Ce qui n’est pas du tout là le possible, mais une invention mensongère que farde l’humaine perversion pour avoir quand même lieu de se plaindre de la vie, de la Providence, et occasion de se gonfler d’importance. Non, dans la possibilité tout est également possible, et l’homme, vraiment élevé par elle, en a saisi l’horreur au moins aussi bien que les appels souriants. Quand on sort de son école, et qu’on sait, mieux qu’un enfant ses lettres, qu’on ne peut absolument rien exiger de la vie, et que l’épouvante, la perdition, la destruction logent porte à porte avec chacun de nous, et quand on a appris à fond que chacune des angoisses que nous redoutions a fondu sur nous l’instant d’après, force nous est alors de donner à la vie une autre explication; force nous est de louer la réalité, et quand bien même elle pèse lourd sur nous, force nous est de nous souvenir qu’elle est encore, et de bien loin, bien plus facile que n’était le possible. Telle est la seule façon dont le possible nous forme; car la finitude et les choses du fini, où tout individu a sa place assignée, mesquines et quotidiennes, ou faisant époque dans l’histoire, ne forment jamais qu’au fini; et toujours on peut les enjôler, marchander, s’en tirer à peu près, s’écarter un peu d’elles, toujours empêcher qu’elles vous apprennent rien d’absolu; et même si nous devons subir leurs leçons sans appel, ici encore il nous faut le possible en nous, et former de nos mains ce dont nous devons tirer leçon, même si l’instant d’après cette leçon nie être notre ouvrage et nous arrache absolument le pouvoir.
Thomte & Anderson
In one of Grimm’s fairy tales there is a story of a young man who goes in search of adventure in order to learn what it is to be in anxiety. We will let the adventurer pursue his journey without concerning ourselves about whether he encountered the terrible on his way. However, I will say that this is an adventure that every human being must go through—to learn to be anxious in order that he may not perish either by never having been in anxiety or by succumbing in anxiety. Whoever has learned to be anxious in the right way has learned the ultimate.
If a human being were a beast or an angel, he could not be in anxiety. Because he is a synthesis, he can be in anxiety; and the more profoundly he is in anxiety, the greater is the man—yet not in the sense usually understood, in which anxiety is about something external, about something outside a person, but in the sense that he himself produces the anxiety. Only in this sense can the words be understood when it is said of Christ2 that he was anxious unto death, as well as the words spoken by Christ to Judas: What you are going to do, do quickly. Not even the terrifying verse that made even Luther anxious when preaching on it—“My God, my God, why hast thou forsaken me”3—not even these words express suffering so profoundly. For the latter signify a condition in (IV 422) which Christ finds himself. And the former signify the relation to a condition that is not.
Anxiety is freedom’s possibility, and only such anxiety is through faith absolutely educative, because it consumes all finite ends and discovers all their deceptiveness. And no Grand Inquisitor has such dreadful torments in readiness as anxiety has, and no secret agent knows as cunningly as anxiety how to attack his suspect in his weakest moment or to make alluring the trap in which he will be caught, and no discerning judge understands how to interrogate and examine the accused as does anxiety, which never lets the accused escape, neither through amusement, nor by noise, nor during work, neither by day nor by night.
Whoever is educated by anxiety is educated by possibility, and only he who is educated by possibility is educated according to his infinitude. Therefore possibility is the weightiest of all categories. It is true that we often hear the opposite stated, that possibility is so light, whereas actuality is so heavy. But from whom does one hear such words? From wretched men who never knew what possibility is, and who, when actuality had shown that they were not good for anything and never would be, mendaciously revived a possibility that was very beautiful and very enchanting, while the foundation of this possibility was at the most a little youthful giddiness, of which they ought rather to be ashamed. Therefore this possibility that is said to be so light is commonly regarded as the possibility of happiness, fortune, etc. But this is not possibility. It is rather a mendacious invention that human depravity has dressed up so as to have a reason for complaining of life and Governance and a pretext for becoming self-important. No, in possibility all things are equally possible, and whoever has truly been brought up by possibility has grasped the terrible as well as the joyful. So when such a person graduates from the school of possibility, and he knows better than a child knows his ABC’s that he can demand absolutely nothing of life and that the terrible, perdition, and annihilation live next door to every man, and when he has thoroughly learned that every anxiety about which he was anxious came upon him in the next moment—he will give actuality another explanation, he will praise actuality, and even when it rests heavily upon him, he will remember that it nevertheless is far, far lighter than possibility was. Only in this way can possibility be educative, because finiteness and the finite relations in which every individual is assigned a place, whether they be (IV 423) small, or everyday, or world-historical, educate only finitely, and a person can always persuade them, always coax something else out of them, always bargain, always escape from them tolerably well, always keep himself a little on the outside, always prevent himself from absolutely learning something from them; and if he does this, the individual must again have possibility in himself and himself develop that from which he is to learn, even though in the next moment that from which he is to learn does not at all acknowledge that it is formed by him but absolutely deprives him of the power.
- No original de 1844 constava examinere ja exanimere, um bom trocadilho para um autor que sabia muito latim. Como a 2ª edição, em vida do autor, alterou o segundo termo (“corrigindo-o”), e o próprio Kierkegaard não reclamou, todas as traduções a adotaram, até SKS perceber o engano, explicado no vol. K4, p. 525 (N.T.).[↩]