Jaspers – O mundo dilacerado

Como realidade objetiva, o mundo se apresenta de início como algo cuja estabilidade permite que ele seja conhecido, mas com fissuras. Com relação universal e recíproca de todas as coisas, seria o mundo único em sua unidade. Mas, para nós, ele não atinge essa unidade e unicidade, nem através de uma representação utópica e sistemática, nem através dos esforços da pesquisa científica. Todavia, mesmo que não possa ser para nós o objeto, ficando preservada a sua unidade, ele podia talvez encontrar essa unidade na Ideia que comanda a tarefa interminável do progresso rumo à totalidade, onde tudo estará universalmente unido a tudo. Ora, qualquer Ideia deste gênero, por pouco que se concretize, se revela de novo como sendo uma ideia particular, no mundo. O mundo uno, enquanto determinado como tarefa na Ideia, corresponde a um impulso da consciência em geral em direção do vácuo, quando esta tenta atingir, para além das perspectivas concretas efetivamente acessíveis, o mundo em sua unidade, – este mundo que, como ser-uno, se furta diante da nossa vista.

Como meio vital subjetivo, o mundo seria – se o pudéssemos estender até à Ideia do mundo único, completo em sua totalidade – um mundo diminuído em sua particularidade cada vez diferente, considerado como se contivesse virtualmente todo o resto. Mas este meio vital depressa se pulveriza em um sem-número de meios vitais que coincidem com o único mundo objetivo que não é outro, por sua vez, que a realidade fragmentada que estuda a orientação no mundo, segundo as diversas perspectivas que abrem caminho para isso.

Deste modo, se eu quiser forjar um conceito do mundo, este me aparece logo nas duas direções, sob a forma de vários conceitos do mundo que não conseguirão encontrar a sua unidade.

A tentativa de compreender o mundo me obriga a fazer a experiência decisiva da impossibilidade que tenho de o atingir na unidade do seu ser ou de me atingir a mim mesmo na unidade do meu ser. O mundo torna-se para mim o ser ilimitado, indeterminado em sua totalidade, apesar de todas as suas determinações particulares, o ser que não tem para mim, nem origem, nem fim, mas que continua objetivamente compreensível, determinado em suas particularidades, entre o ser que eu sou e o ser em si da transcendência.

(Philosophie, I, págs. 64-65)