Tendo presente as elaborações anteriores, lembremo-nos do fato admitido de que ciência é uma realização espiritual humana que, historicamente e também para todo aquele que a estuda, pressupõe a saída do mundo da vida circundante intuível, dado de modo universal-comum como existente, mas que pressupõe também, continuamente, no seu exercício e prossecução, este mundo circundante na particularidade da sua autodoação para o cientista. Para o físico, por exemplo, este é o mundo circundante onde ele vê os seus instrumentos de medição, ouve o seu bater ritmado, <124> avalia as grandezas que vê etc., onde se sabe a si mesmo contido antes do mais, com toda sua atividade e todos os seus pensamentos teóricos.
Se a ciência levanta e responde questões, estas questões são desde o começo, e continuam necessariamente a sê-lo, sobre o solo, o conteúdo deste mundo pré-dado, no qual está justamente contida toda a práxis vital, sua e de outros. Neste mundo, o conhecimento desempenha já, como conhecimento pré-científi-co, um papel permanente, com as suas metas que ele, no sentido em que as visa, alcança de modo que é em média satisfatório para tornar possível a vida prática (98) no seu todo. Contudo, uma nova humanidade, surgida precisamente na Grécia (a humanidade filosófica, científica), se viu levada a reconfigurar a ideia teleológica (Zweckidee) “conhecimento” e “verdade” da existência (Dasein) natural e a conferir à nova forma da ideia de “verdade objetiva” uma dignidade mais elevada, a de uma norma para todo o conhecimento. Com referência a ela emerge, por fim, a ideia de uma ciência universal, que abrange todo o conhecimento possível na sua infinidade, a ideia arrojada condutora da Modernidade. Tendo isto presente, um esclarecimento explícito da validade objetiva e de toda a tarefa da ciência exige manifestamente que se comece por indagar acerca do mundo pré-dado. Este é naturalmente pré-dado a todos nós, como pessoas no horizonte da nossa co-humanidade, ou seja, em cada conexão real (Aktuellen) com o outro, pré-dado como “o” mundo, o universal-comum. Ele é, então, conforme expusemos pormenorizadamente, o solo permanente de validade, uma fonte constantemente pronta de obviedades a que recorremos sem mais, como homens práticos ou como cientistas.