(107) A ontologia da obra de arte e seu significado hermenêutico VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 2.
(296) 2.1.3. O significado hermenêutico da distância temporal VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Entretanto, é evidente que hermenêutica e historiografia não são inteiramente a mesma coisa. Na medida em que aprofundamos um pouco as diferenças metodológicas que as separam, poderemos discernir a sua aparente comunidade e reconhecer sua verdadeira comunidade. O historiador se relaciona diferentemente com os textos transmitidos, na medida em que procura conhecer através deles um trecho do passado. Por isso busca completar e controlar o texto com outras tradições (341) paralelas. Ele considera como que uma debilidade do filólogo o fato deste olhar para seu texto como uma obra de arte. Uma obra de arte é um mundo completo que basta a si próprio. O interesse histórico, porém, não conhece esta auto-suficiência. Dilthey já havia sentido, face a Schleiermacher, que “a filologia gostaria de encontrar em toda parte uma existência acabada em si mesma”. Quando uma obra literária transmitida chega a impressionar o historiador, este fato não pode ter para ele significado hermenêutico algum. Basicamente ele não pode entender-se a si mesmo como destinatário do texto, nem sujeitar-se à sua pretensão. As perguntas que dirige ao texto se referem, antes, a algo que o texto não oferece por si mesmo. E isto vale inclusive para aquelas formas de tradição que pretendem ser por si mesmas representação histórica. Também o historiador tem de ser submetido à crítica histórica. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
O fato de que a essência da tradição se caracterize por sua linguisticidade, adquire seu pleno significado hermenêutico onde a tradição se torna escrita. Na escrita se engendra a liberação da linguagem com relação à sua realização. Sob a forma da escrita, todo o transmitido está simultaneamente aí para qualquer presente. Nela se dá uma coexistência de__passado e presente única em seu gênero, pois a consciênciajiresente tem a possibilidade de um acesso livre a tudo quanto seiiaja transmitido por escrito. A consciência que compreende, liberada de sua dependência da transmissão oral, que traz ao presente as notícias do passado, porém voltada imediatamente para a tradição literária, ganha com isso uma possibilidade autêntica de deslocar e ampliar seu horizonte e enriquecer assim seu próprio mundo com toda uma nova dimensão de profundidade. A apropriação da tradição literária supera inclusive a experiência que se vincula com a aventura do viajar e do submergir-se em mundos linguísticos estranhos. O leitor que se aprofunda numa língua e literatura estrangeiras mantém, a todo momento, a liberdade de voltar de novo a si mesmo, e está assim ao mesmo tempo aqui e acolá. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 1.
Em alguns pontos de minha argumentação percebe-se de modo especial que o meu ponto de partida das ciências “históricas” do espírito é unilateral. Sobretudo a introdução do significado hermenêutico da distância temporal, pois, por mais convincente que tenha sido, acabou sendo um péssimo precursor do significado (9) fundamental da alteridade do outro e com isso da função fundamental que concerne à linguagem, isto é, ao diálogo. Teria sido mais adequado à coisa em questão falar, de uma forma mais geral, da função hermenêutica da distância. Não precisa tratar-se sempre de uma distância histórica e também não é sempre a distância temporal, em absoluto e como tal, que está em condições de superar conotações falsas e aplicações destrutivas. A distância mostra-se também na simultaneidade, como um momento hermenêutico, por exemplo, no encontro entre pessoas, que na conversa buscam primeiramente uma base comum, e de modo pleno no encontro entre pessoas que falam línguas estrangeiras ou que vivem em outras culturas. Cada um desses encontros deixa vir à consciência algo como uma opinião preconcebida, que parece tão evidente e natural a esta pessoa que ela não se dá conta da equiparação ingênua que faz com o próprio, e o mal-entendido que se estabelece com isso. Nesse ponto, a primeira significação do diálogo, inclusive para a investigação etnológica e a questionabilidade de sua técnica de questionários, acabou tornando-se importante. No entanto, permanece correto que onde entra em jogo a distância temporal, esta garante um auxílio crítico especial, porque é só então que saltam à vista as modificações e que as diferenças podem ser observadas. Pense-se na dificuldade de se avaliar a arte contemporânea, a que eu me referi especialmente em minhas explanações. VERDADE E MÉTODO II Introdução 1.
Mas também na vertente filosófica, encontramos desde há muito uma tendência similar, dotada de uma consciência filosófica (431) ainda maior, quando Chaim Perelman e seus colaboradores defenderam o significado lógico da argumentação usual no direito e na política contra a lógica da teoria da ciência. Utilizando os recursos da análise lógica, mas justamente com a intenção de distinguir os procedimentos do discurso persuasivo contra a forma de demonstração lógico-apodíctica, ele lança mão da antiga aspiração da retórica contra o positivismo científico. Frente à unilateralidade da teoria moderna da ciência e da philosophy ofscience, era inevitável que o interesse filosófico não recuperasse lentamente seu interesse pela tradição da retórica, exigindo sua revitalização. Foi o que fortaleceu também o interesse pela hermenêutica, uma vez que essa partilha com a retórica sua distinção frente ao conceito de verdade da teoria da ciência e a defesa de seu direito à autonomia. Fica em aberto a questão de saber se essa correspondência, historicamente legítima, entre retórica e hermenêutica é total e plena. De certo, a maioria dos conceitos da hermenêutica clássica desde Melanchton provém da tradição retórica da Antiguidade. O elemento da retórica, o âmbito dos persuasive arguments, tampouco se limita às ocasiões forenses e públicas da arte da oratória. Parece dilatar-se, antes, com o fenômeno universal da compreensão e do entendimento. Mas desde antigamente permanece uma barreira infranqueável entre a retórica e a dialética. O processo do entendimento insere-se mais profundamente na esfera da comunicação intersubjetiva, abrangendo também todas as formas em que se dá o consenso tácito, como o demonstrou M. Polanyi, e igualmente os fenômenos de comunicação à margem do âmbito da linguagem, os fenômenos mímicos, como o riso, o choro, cujo significado hermenêutico nos foi ensinado por H. Plessner. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.