Também a retórica testemunha verdadeiramente a estrutura universal da linguagem universal. Em outro sentido, essa estrutura constitui a base essencial para o elemento hermenêutico, representando (234) para a arte da interpretação da linguagem algo assim como o positivo para o negativo. Os nexos relacionais entre retórica e hermenêutica, que mencionei em meu livro, podem ser ampliados em muitos aspectos como mostram as excelentes contribuições e correções feitas por Klaus Dockhorn no Gottingischen Gelehrten-Anzeigen. Mas a estrutura de linguagem está tão profundamente inserida na sociabilidade do ser humano que mesmo o teórico das ciências sociais deve ocupar-se com o direito e os limites da problemática hermenêutica. Assim o próprio Habermas confrontou recentemente a hermenêutica filosófica com a lógica das ciências sociais, avaliando-a a partir dos interesses cognitivos desta. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 18.
Retórica e hermenêutica (1976) VERDADE E MÉTODO II OUTROS 20.
Dentro do âmbito de conferências da Jungius-Geselschaft, é difícil escolher um tema com um caráter tão acentuado de parecer um contra-tema como o tema retórica e hermenêutica. Isso porque o que caracteriza Jungius, e não apenas aos olhos de um Leibniz, tornando-o um dos grandes pioneiros da nova ciência do século XVII é justamente seu claro afastamento do modo de proceder dialético e hermenêutico e sua aproximação com a empiria e com uma lógica demonstrativa (em todo caso, purificada do endeusamento servil de Aristóteles). Além de ter sido criado na cultura da escola humanista, baseada na dialética e na retórica, mais tarde ele atribuiu a esta escola um valor propedêutico, ressaltando a importância, sobretudo para a teologia da controvérsia, do fortalecimento da “capacidade dialética e hermenêutica” (carta a Jac Lagus, 1638). Encontramos isso registrado numa de suas cartas e possui um cunho muito mais pedagógico-propedêutico do que uma real valoração, uma vez que Jungius, na verdade, tenta incutir em seu antigo aluno o interesse pela metodologia e pela lógica da ciência. Mas mesmo assim, essa postura flexível denota a presença geral da formação retórica, que era óbvia para um homem de ciência de então. É só a partir desse pano de fundo que se pode avaliar o mérito próprio de homens como Jungius, o pioneiro de uma nova reflexão científica. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 20.
É verdade, porém, que na época da nova ciência e do racionalismo, desenvolvido durante os séculos XVII e XVIII, o vínculo entre retórica e hermenêutica se afrouxa. H. Jaeger chamou a atenção ultimamente para o papel que desempenhou Dannhauer com sua ideia do boni interpretis. Esse autor parece ter sido o primeiro a utilizar a palavra “hermenêutica” em sentido terminológico, em estreita conexão com o escrito correspondente do Organon de Aristóteles. Isso mostra que a intenção de Dannhauer é continuar e acabar o que Aristóteles havia iniciado com seu escrito Peri hermeneias. Como ele mesmo afirmou: “os limites do Organon de Aristóteles se ampliam com a anexação de uma nova cidade”. A sua orientação é, pois, a lógica, à qual ele quer justapor como uma parte a mais, (288) como outra ciência filosófica, a ciência da interpretação, e isto de um modo tão universal que ela preceda a hermenêutica teológica e a hermenêutica jurídica, como a lógica e a gramática precedem toda aplicação específica. Dannhauer deixa de lado o que ele chama de exposição retórica, ou seja, o uso e a utilidade que se busca com um texto e que se costuma chamar de accomodatio textus, para tentar alcançar pela sua hermenêutica uma infalibilidade humana e racional equiparável à lógica, na compreensão geral dos textos. É essa tendência a uma espécie de nova lógica o que a leva a um paralelismo com a lógica analítica e a uma distinção explícita desta. Ambas as partes da lógica, a analítica e a hermenêutica, se relacionam com a verdade e ambas ensinam a refutar o erro. Mas diferem no fato de que a hermenêutica ensina a investigar o verdadeiro sentido de uma frase errônea, enquanto que a analítica deriva a verdade da conclusão de princípios verdadeiros. Aquela se refere, pois, unicamente ao “sentido” das frases, não à retidão objetiva. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 20.
Mas isso é o que torna significativa, no fundo, a relação entre retórica e hermenêutica, cujo desenvolvimento estamos estudando. Tampouco a arte da interpretação e da compreensão é uma habilidade específica que se possa estudar e aprender para se chegar a ser esse que aprendeu essa arte, uma espécie de intérprete profissional. Faz parte do ser humano como tal. É por isso que as chamadas “ciências do espírito” denominavam-se e se denominam com razão de humaniora ou humanities. Isso perdeu clareza com a liberação e desenvolvimento do método e da ciência como traço essencial da modernidade. Mas, na realidade, uma cultura que confere à ciência um posto de liderança, estendendo-o portanto também à tecnologia nela fundamentada, nunca poderá penetrar no âmbito mais amplo que engloba a humanidade como entorno humano e como sociedade. A retórica e a hermenêutica ocupam um lugar indiscutível e global nesse âmbito mais amplo. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 20.
Mas também na vertente filosófica, encontramos desde há muito uma tendência similar, dotada de uma consciência filosófica (431) ainda maior, quando Chaim Perelman e seus colaboradores defenderam o significado lógico da argumentação usual no direito e na política contra a lógica da teoria da ciência. Utilizando os recursos da análise lógica, mas justamente com a intenção de distinguir os procedimentos do discurso persuasivo contra a forma de demonstração lógico-apodíctica, ele lança mão da antiga aspiração da retórica contra o positivismo científico. Frente à unilateralidade da teoria moderna da ciência e da philosophy ofscience, era inevitável que o interesse filosófico não recuperasse lentamente seu interesse pela tradição da retórica, exigindo sua revitalização. Foi o que fortaleceu também o interesse pela hermenêutica, uma vez que essa partilha com a retórica sua distinção frente ao conceito de verdade da teoria da ciência e a defesa de seu direito à autonomia. Fica em aberto a questão de saber se essa correspondência, historicamente legítima, entre retórica e hermenêutica é total e plena. De certo, a maioria dos conceitos da hermenêutica clássica desde Melanchton provém da tradição retórica da Antiguidade. O elemento da retórica, o âmbito dos persuasive arguments, tampouco se limita às ocasiões forenses e públicas da arte da oratória. Parece dilatar-se, antes, com o fenômeno universal da compreensão e do entendimento. Mas desde antigamente permanece uma barreira infranqueável entre a retórica e a dialética. O processo do entendimento insere-se mais profundamente na esfera da comunicação intersubjetiva, abrangendo também todas as formas em que se dá o consenso tácito, como o demonstrou M. Polanyi, e igualmente os fenômenos de comunicação à margem do âmbito da linguagem, os fenômenos mímicos, como o riso, o choro, cujo significado hermenêutico nos foi ensinado por H. Plessner. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.