Como professor de retórica em Nápoles, foi sobretudo G.B. Vico quem defendeu a antiga tradição retórica contra a pretensão monopolizante da ciência “moderna”, chamada por ele de critica. Ele destacou, de modo especial, o significado da retórica para a educação e a formação do sensus communis, e, de fato, a hermenêutica compartilha com a retórica a função que exerce o eikos, o argumento persuasive. A tradição da retórica, que — apesar de Herder — se rompeu radicalmente na Alemanha, sobretudo no século XVIII, acabou mantendo sua influência de modo latente no âmbito da estética e da hermenêutica, como demonstrou de maneira especial Kl. Dockhorn. Contra as pretensões monopolizantes da lógica matemática moderna e seus desdobramentos, vemos anunciarem-se algumas resistências, também em nosso tempo, a partir da retórica e da racionalidade forense, no exemplo de Chaim Perelman e sua escola. VERDADE E METODO II PRELIMINARES 8.
Mas também na vertente filosófica, encontramos desde há muito uma tendência similar, dotada de uma consciência filosófica (431) ainda maior, quando Chaim Perelman e seus colaboradores defenderam o significado lógico da argumentação usual no direito e na política contra a lógica da teoria da ciência. Utilizando os recursos da análise lógica, mas justamente com a intenção de distinguir os procedimentos do discurso persuasivo contra a forma de demonstração lógico-apodíctica, ele lança mão da antiga aspiração da retórica contra o positivismo científico. Frente à unilateralidade da teoria moderna da ciência e da philosophy ofscience, era inevitável que o interesse filosófico não recuperasse lentamente seu interesse pela tradição da retórica, exigindo sua revitalização. Foi o que fortaleceu também o interesse pela hermenêutica, uma vez que essa partilha com a retórica sua distinção frente ao conceito de verdade da teoria da ciência e a defesa de seu direito à autonomia. Fica em aberto a questão de saber se essa correspondência, historicamente legítima, entre retórica e hermenêutica é total e plena. De certo, a maioria dos conceitos da hermenêutica clássica desde Melanchton provém da tradição retórica da Antigüidade. O elemento da retórica, o âmbito dos persuasive arguments, tampouco se limita às ocasiões forenses e públicas da arte da oratória. Parece dilatar-se, antes, com o fenômeno universal da compreensão e do entendimento. Mas desde antigamente permanece uma barreira infranqueável entre a retórica e a dialética. O processo do entendimento insere-se mais profundamente na esfera da comunicação intersubjetiva, abrangendo também todas as formas em que se dá o consenso tácito, como o demonstrou M. Polanyi, e igualmente os fenômenos de comunicação à margem do âmbito da linguagem, os fenômenos mímicos, como o riso, o choro, cujo significado hermenêutico nos foi ensinado por H. Plessner. VERDADE E METODO II ANEXOS 28.
Uma dessas tradições é a tradição da retórica. Vico foi o último a defender com consciência metodológica essa tradição contra a (499) ciência moderna, a qual qualificou de critica. Já em meus estudos clássicos dei preferência especial à retórica, a arte do discurso e sua teoria. Sobretudo porque a retórica, num grau não suficientemente valorizado, fora o suporte da antiga tradição dos conceitos estéticos, como se pode observar ainda na definição de estética feita por Baumgarten. Hoje devemos insistir que a racionalidade do modo de argumentação da retórica é e continuará sendo um fator decisivo da sociedade, muito mais poderoso que a certeza da ciência. Isso, mesmo levando em conta que sua argumentação busca mexer com “afetos”, apesar de exigir argumentos fundamentais e trabalhar com probabilidades. Por isso, em Verdade e método I fiz uma referência explícita à retórica e encontrei um eco positivo em diversos pensadores, sobretudo nos trabalhos de Ch. Perelman, que toma a praxis jurídica como ponto de partida. A insistência nesse tema não significa que se está esquecendo a relevância da ciência moderna e sua aplicação à civilização técnica atual. Muito pelo contrário. Embora a civilização moderna apresente problemas de mediação totalmente novos, em princípio a situação nada mudou. A tarefa “hermenêutica” de integração da monológica das ciências na consciência comunicativa — e isso inclui a tarefa de exercer a racionalidade em nível prático, social e político — tornou-se ainda mais urgente. VERDADE E METODO II ANEXOS 30.