Gadamer (VM): obra-de-arte

Considerando a linguagem como o modo de mediação no qual se realiza a continuidade da história de todas as distâncias e descontinuidades, creio que os fenômenos discutidos demonstram a legitimidade de minha suposição. E isso encerra a verdade decisiva de que a linguagem sempre se dá no diálogo. A linguagem se realiza e encontra sua plenitude no vai e vem da fala, em que uma palavra leva à outra. É na linguagem que alimentamos em comum, a que encontramos juntos, que a linguagem desenvolve suas possibilidades. Qualquer conceito de linguagem que a dissocie da situação imediata daqueles que se entendem falando e respondendo limita uma dimensão essencial da mesma. A imediatez do ato de linguagem implica uma resposta à pergunta sobre como se move e possibilita a continuidade da história apesar de todas as dissidências e decisões que se produzem para cada um de nós a cada instante. O diálogo também é isso: o modo como textos passados, informações passadas ou os produtos da capacidade artística da humanidade nos alcançam. Não se dá aí nada dessa realidade imparcial que é, para o investigador, o conjunto de seus objetos. Tal experiência reside antes num processo de comunicação que apresenta a estrutura fundamental do diálogo. Nesse contexto nem um diz sempre o mesmo nem o outro sempre diz a sua opinião. Um escuta o outro e, por ter-lhe escutado, responde de modo distinto do que faria se o outro não houvesse perguntado ou falado. Esta estrutura em que um responde de modo diverso porque é questionado de modo diferente, e ao responder também pergunta, porque toda resposta sempre possui uma pergunta, parece-me válida também para a comunicação com a tradição histórica. Não é só a obra-de-arte que nos fala; toda a informação humana que percebemos fala a nós. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 10.

Seguindo essa temática universal, aberta por Schleiermacher e sobretudo sua contribuição mais própria, a introdução da interpretação “psicológica”, destinada a complementar a interpretação “gramatical” tradicional, a hermenêutica evoluiu no século XIX para uma metodologia. Seu novo objeto são os “textos”, uma entidade anônima, que o investigador deve enfrentar. Na linha de Schleiermacher, Wilhelm Dilthey levou a cabo a fundamentação hermenêutica das ciências do espírito, estabelecendo as bases para sua equiparação com as ciências naturais e ampliando o acento que Schleiermacher dera à interpretação psicológica. Segundo Dilthey, o verdadeiro triunfo da hermenêutica estaria na interpretação das obras de arte, que traz à consciência uma produção genial inconsciente. Frente à obra-de-arte, todos os métodos psicológicos tradicionais — gramatical, histórico, estético e psicológico — , só representam uma suprema realização do ideal da compreensão na medida em que todos esses recursos e métodos se põem a serviço da compreensão da obra concreta. Aqui, e sobretudo no campo da crítica literária, o aperfeiçoamento da hermenêutica romântica deixa um legado que denuncia sua origem remota, mesmo no uso da linguagem: o de ser crítica. Crítica significa preservar a obra individual em sua validade e conteúdo e diferenciá-la de tudo que não satisfaz seu critério. O esforço de Dilthey serviu para estender o conceito metodológico da ciência moderna também à “crítica” e desdobrar cientificamente a “expressão” poética partindo de uma psicologia compreensiva. Foi tomando o caminho que passa pela “história da literatura” que ele inaugurou o termo “ciência da literatura”. Reflete o ocaso de uma consciência da tradição na época 314] do positivismo científico do século XIX, que no espaço da língua alemã elevou a equiparação com o ideal da ciência natural moderna a ponto de modificar o nome. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 22.