Gadamer (VM): nomoi

As poucas passagens em que fala da linguagem como tal estão muito longe de separar a esfera dos significados linguísticos, com respeito ao mundo das coisas que nela são nomeadas. Quando Aristóteles diz que os sons e os signos escritos “designam”, quando se convertem em symbolon, isso significa evidentemente que não são por natureza, mas por convenção (kata suntheken). No entanto, isso não contém, de modo algum, uma teoria instrumental dos signos. A convenção, pela qual os sons da linguagem ou os signos da escrita chegam a significar algo, não é um acordo sobre um meio de entender-se — isso pressuporia, de todos os modos, a existência da linguagem — , mas é o haver chegado ao acordo, sobre o que se fundamenta a comunidade entre os homens e em seu consenso sobre o que é bom e correto. Pois bem, os gregos se inclinaram a considerar o que é bom e correto, a que eles chamavam de nomoi, como instituição e produto de homens divinos. Entretanto, mesmo essa origem do nomos caracteriza, na opinião (436) de Aristóteles, mais a sua validez que a sua verdadeira gênese. Isso não quer dizer que Aristóteles já não mais reconheça a tradição religiosa, mas que, para ele, esta, tal como qualquer outra pergunta sobre a gênese de algo, é um caminho para o conhecimento do ser e do valer. A convenção de que fala Aristóteles em relação à linguagem caracteriza pois o modo de ser da linguagem e não diz nada sobre a sua gênese. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 2.

Mas na verdade não apenas o legado do humanismo estético mas também o legado da antiga scientia practica vem reforçar a problemática da hermenêutica. Essa scientia se destacava como um modo de saber próprio (alio eidos gnoseos) frente ao conceito de ciência da antiga episteme (segundo o que se compreende por ciência hoje, só a matemática pode satisfazer a esse conceito) não só a partir de seu projeto originário na ética e política aristotélicas. Ela possui sua própria legitimidade — esquecida pela consciência geral — também frente ao conceito moderno de ciência e sua versão técnica. É tarefa da hermenêutica refletir inclusive sobre as condições especiais do saber que aqui são decisivas. No conceito de ethos (formado sob a força conformadora dos nomoi, isto é, das instituições sociais e da educação que se dá nessas instituições), Aristóteles resumiu as condições que facilitam o autêntico saber para a vita practica. Isso teve também sua importância no presente, uma vez que os melhores aliados de uma hermenêutica da facticidade foram justamente esses aspectos críticos da filosofia aristotélica contra a teoria platônica das ideias. Mas, além disso, são testemunhos inequívocos de que as condições sociais de nosso saber podem interferir no ideal da ciência sem pressupostos. Assim, também o exame desse ideal da ausência de pressupostos pertence às tarefas de uma reflexão hermenêutica radical. Não se deve esquecer aqui o impulso liberador que expressa o mote de (434) uma ciência sem pressupostos (expressão que tem sua origem na situação de luta cultural, após 1870). Esse impulso anima e sustenta também o movimento do Iluminismo e sua prolongação na ciência moderna. Mas a ingenuidade irresponsável que denota a aplicação desse termo no campo específico das ciências históricas e sociais fica patente não somente no utopismo das consequências das ciências sociais e das aplicações concretas derivadas da teoria da ciência do “círculo de Viena”, como também e sobretudo nas graves aporias em que se enredou a teoria neopositivista da ciência com sua doutrina sobre as proposições protocolares. O historicismo ingênuo inspirado na escola de Viena encontrou assim uma resposta adequada na crítica de Karl Popper à teoria da ciência. De modo semelhante, os trabalhos de Horkheimer e Habermas sobre crítica da ideologia puseram a descoberto as implicações ideológicas subjacentes na teoria positivista do conhecimento e sobretudo em seu pathos científico-social. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 28.