Só que, no caso de Kant, para uma tal alteração dos valores, não faltavam possibilidades de vinculação. Mesmo depois de Kant não é indiferente, para a capacidade de julgamento do gosto, que as belas artes sejam arte do gênio. É justamente isso que participa no julgamento do gosto, no sentido de se julgar se uma obra de arte possui espírito ou não. Kant disse, certa vez, a respeito da beleza artística, que, relativamente à sua possibilidade — portanto, ao gênio que aí se inclui — “tem de se ter também cuidado no julgamento de um objeto dessa espécie”, e num outro lugar, com muita naturalidade, diz que sem o gênio não somente não são possíveis as belas artes, mas, da mesma forma, não é possível um gosto correto, um gosto próprio que as julgue. Por isso o ponto de vista do gosto, na medida em que é exercitado no seu mais distinto objeto, as belas artes, desloca-se por si mesmo para o ponto de vista do gênio. À genialidade da criação corresponde uma genialidade da compreensão. Kant não o expressa assim, mas o conceito espírito, que ele utiliza aqui, vale para ambos os pontos de vista da mesma forma. Essa é a base sobre a qual mais tarde se iria continuar construindo. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Paul Valéry viu as coisas, de fato, dessa maneira. Ele também não temeu as consequências que surgem para aquele que se defronta com uma obra de arte e procura entendê-la. Se realmente é válido o fato de que uma obra de arte não é consumável em si mesma, em que se irá mensurar a adequabilidade da recepção não pode, afinal, conter nada que seja obrigatório. Daí resulta pois que tem de ser deixado ao receptor o que venha a fazer, de sua parte, daquilo que tem diante de si. Assim, uma maneira de compreender uma configuração não será menos legítima que a outra. Não existe nenhum padrão de adequabilidade. Não somente pelo fato de que o próprio poeta não o possui — com o que iria concordar também a estética do gênio. Antes, todo encontro com a obra tem a categoria e o direito de uma nova produção. — Isso me parece um nihilismo hermenêutico insustentável. Se Valéry tirou possivelmente tais consequências para a sua obra, para escapar ao mito da produção inconsciente do gênio, parece-me que, na verdade, acabou se deixando prender por ele. Porque então transfere ao leitor e ao intérprete o poder pleno da criação absoluta, que ele mesmo não quer exercitar. A genialidade da compreensão não oferece, na verdade, nenhuma informação melhor que a da genialidade da criação. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Só que aqui convirá observar mais de perto. Sua crítica ao idealismo racional de Hegel se referia meramente ao apriorismo de sua especulação conceitual — a infinitude interna do espírito não apresentava nenhuma questionabilidade fundamental, antes enchia-se positivamente com o ideal de uma razão esclarecida historicamente, que amadureceria rumo à genialidade da compreensão total. Para Dilthey a consciência da finitude não significava uma finalização da consciência nem uma limitação. Antes, testemunha a capacidade da vida de elevar-se com sua energia e atividade para além de toda barreira. Nesse sentido aparece nele precisamente a infinitude potencial do espírito. É claro que não é a especulação, mas a razão histórica, o modo como se atualiza essa infinitude. A compreensão histórica estende-se sobre todo dado histórico e é verdadeiramente universal, porque tem seu sólido fundamento na totalidade e infinitude interna do espírito. Nisso, Dilthey adere à velha doutrina que deriva a possibilidade de compreensão da semelhança da natureza humana. Entende o próprio mundo das vivências como mero ponto de partida de uma ampliação, que, em viva transposição, completa a estreiteza e casualidade da própria vivência, através da infinitude daquilo que lhe é acessível revivendo o mundo histórico. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.