Mas reconhecer que a formação seja algo como um elemento do espírito, isso não está vinculado à filosofia de Hegel do espírito absoluto, e muito menos o seu juízo acerca da historicidade da consciência está vinculado à sua filosofia da história mundial. O que importa é ter claro, que também para as ciências do espírito históricas, que se derivam de Hegel, a ideia da formação plena continua sendo um ideal necessário. Porque a formação é o elemento no qual elas se movimentam. Mesmo o que o antigo uso linguístico denomina “uma formação plena”, no âmbito do fenômeno corporal, não chega a ser tanto a última fase de um desenvolvimento, mas mais, o estado de amadurecimento, que todo desenvolvimento deixou na sua esteira e que possibilita o movimento harmônico de todos os membros. Justamente nesse sentido as ciências do espírito pressupõem que a consciência científica já é algo formado e que justo por essa razão possui o tato correto que não se pode aprender nem imitar, o qual sustenta a formação do juízo (Urteil) e a forma de conhecimento das ciências do espírito, como um elemento. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Só que o tato, de que fala Helmholtz, não é simplesmente idêntico com esse fenômeno moral e da lida. Mas aqui dá-se um comum essencial. Porque também o tato que atua nas ciências do espírito não se esgota em ser inconsciente e em ser um senso, mas é ao mesmo tempo uma forma de conhecimento e uma forma de ser. Pode-se observar isso mais exatamente com base na análise, acima efetuada, do conceito de formação. O que Helmholtz denomina de tato inclui a formação e é função da formação tanto estética como histórica. Tem-se de ter sentido ou tem-se de ter formado o sentido para o que é estético e o que é histórico, caso queiramos confiar no nosso tato no trabalho das ciências do espírito. Como esse sentido não é simplesmente um dispositivo natural, é com razão que falamos da consciência estética ou histórica e não propriamente do sentido. É claro, porém, que uma tal consciência comporta-se com a imediaticidade do sentido, isto é, sabe separar e avaliar com segurança em cada caso específico, mesmo sem poder precisar seus motivos. É assim que quem possui sentido estético sabe separar o belo e o feio, a boa e a má qualidade, e quem possui sentido histórico sabe o que é possível e o que não é possível para uma época, e tem sentido quanto à diversidade do passado em face do presente. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Tendo em vista essa situação, nada impede que se lembre a tradição humanista e se pergunte: Que forma de conhecimento das ciências do espírito se poderá delas aprender? É aqui que o escrito de Vico, De nostri temporis studiorum ratione, apresenta um valioso ponto de referência. A defesa do humanismo, que Vico assume, é, como o título já mostra, transmitido através da pedagogia jesuítica e dirigido tanto contra Descartes como contra o jansenismo. Esse manifesto pedagógico de Vico é como seu esboço de uma “nova ciência”, fundamentada sobre velhas verdades. Por isso, ele se refere ao sensus communis, o senso comum, e ao ideal humanístico da eloquentia, momentos que já existiam no antigo conceito do saber. O “bem-falar” (eu legein) é em si, desde tempos imemoriais, uma fórmula ambígua e, de forma alguma, meramente um ideal retórico. Significa também dizer o que é correto, ou seja, o que é verdadeiro, e não somente: a arte de falar, a arte de dizer bem alguma coisa. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Há algo de imediatamente elucidativo nesse alicerçamento dos estudos filológico-históricos e a forma de atuação das ciências do espírito sobre esse conceito do sensus communis. Porque seu objeto, que é a existência moral e histórica do homem, como toma configuração nos seus feitos e nas suas obras, é mesmo determinado decisivamente pelo sensus communis. Assim, a conclusão a partir do universal e a prova a partir de fundamentos não são suficientes, porque isso tem a ver, de modo decisivo, com circunstâncias. Só que isso está sendo formulado apenas negativamente. É um conhecimento propriamente positivo que o senso comum transmite. A forma de conhecimento do conhecimento histórico não se esgota, em absoluto, apenas nisso, isto é, em ter de admitir “a crença em testemunhos alheios” (tetens) em vez de “um concluir auto-consciente” (Helmholtz). Também não é assim, em absoluto, que a tal saber convenha apenas um valor de verdade reduzido. D’Alembert escreve com razão: A probabilidade dá-se principalmente nos fatos históricos, e em geral em todos os acontecimentos passados, presentes e futuros, que nós atribuímos a uma espécie de acaso, porque nós não lhes inferimos as causas. A parte desse conhecimento, que tem por objeto o presente e o passado, apesar de estar fundamentada apenas sobre o simples testemunho, produz em nós, muitas vezes, uma persuasão tão forte como a que nasce dos axiomas. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Sob o conceito de gosto pensa-se, sem dúvida, uma forma de conhecimento. Ocorre sob o signo do bom gosto, que se seja capaz de manter distância quanto a si próprio e quanto às preferências privadas. O gosto não é, segundo sua natureza mais própria, nada que seja privado, mas, sim, um fenômeno social de primeira categoria. Pode até opor-se à inclinação privada do indivíduo, como se fosse uma instância de julgamento, em nome de uma universalidade, no que ele acredita e a que representa. Pode-se ter uma preferência por algo que o próprio gosto ao mesmo tempo repudia. A sentença judicial do gosto possui nisso uma peculiar decisão. Quanto a questões de gosto não existe, reconhecidamente, nenhuma possibilidade de argumentar (Kant diz corretamente que, quanto a coisas do gosto, existe discórdia, mas não disputa), mas não somente porque não se consegue estabelecer padrões conceituais universais, que todos tenham de reconhecer, mas porque nem sequer se procuram esses tais padrões, e até, a gente nem sequer achá-los-ia justos, caso existissem. Gosto, a gente tem de ter — não se pode deixar que nos seja demonstrado, e também não se pode substituí-lo por mera imitação. Da mesma forma, o gosto não é nenhuma mera propriedade privada, porque ele sempre quer ser bom gosto. A decisão do juízo do gosto inclui sua reivindicação de validade. O bom gosto está sempre seguro de seu julgamento, isto é, ele é, de acordo com sua natureza, um gosto seguro: um aceitar ou rejeitar que não conhece nenhuma oscilação, nenhum olhar de soslaio a um outro e nenhuma procura por motivos. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Será que não deve haver nenhum conhecimento na arte? Não há na experiência da arte, uma reivindicação à verdade, que sendo certamente diversa da ciência, certamente também não lhe será inferior? E será que não reside a tarefa da estética, justamente em fundamentar que a experiência da arte é uma forma de conhecimento dos sentidos, que transmite à ciência os últimos dados, a partir dos quais põe-se a construir o conhecimento da natureza, certamente também diferente de todo conhecimento ético da razão e, aliás, de todo o conhecimento conceitual, mas que é, contudo, conhecimento, ou seja, transmissão da verdade? VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
A partir disso pode-se entender o que Dilthey vincula à hermenêutica romântica. Com a sua ajuda consegue ele cobrir a diferença entre a essência histórica da experiência e a forma de conhecimento da ciência, ou melhor, pôr em consonância a forma de conhecimento das ciências do espírito com os padrões metodológicos das ciências da natureza. Já vimos acima que o que o levou a isso não foi uma adaptação externa. Reconhecemos agora que não o conseguiu sem descuidar a própria e essencial historicidade das ciências do espírito. Isso se torna claro no conceito de objetividade válida nas ciências da natureza. E por isso que Dilthey gosta de empregar a palavra “resultados” e de demonstrar pela descrição da metodologia das ciências do espírito sua igualdade de categoria com as ciências da natureza. Para isso a hermenêutica romântica veio-lhe ao encontro, na medida em que, como já vimos, esta própria não levava em conta a essência histórica da experiência. Pressupunha que o objeto da compreensão é o texto a ser decifrado e compreendido em seu sentido. Assim, todo encontro com um texto é, para ela, um auto-encontro do espírito. Todo texto é suficientemente estranho para representar uma tarefa, e, no entanto, suficientemente familiar para manter sua essencial possibilidade de resolução, mesmo quando não se saiba de um texto a não ser que é texto, escrito ou espírito. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.