Iniciemos imediatamente com uma pergunta: Como se começa o esforço hermenêutico? Que consequências tem para a compreensão a condição hermenêutica da pertença a uma tradição? Recordamos aqui a regra hermenêutica, segundo a qual tem-se de compreender o todo a partir do individual e o individual a partir do todo. É uma regra que procede da antiga retórica e que a hermenêutica moderna transferiu da arte de falar para a arte de compreender. Aqui como lá subjaz uma relação circular. A antecipação de sentido, na qual está entendido o todo, chega a uma compreensão explícita através do fato de que as partes que se determinam a partir do todo determinam, por sua vez, a esse todo. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
Mas tampouco o lado objetivo desse círculo, tal como o descreve Schleiermacher, atinge o cerne da questão. Já vimos que o objetivo de todo acordo e de toda compreensão é o entendimento sobre a própria coisa. A hermenêutica sempre se propôs como tarefa restabelecer o entendimento alterado ou inexistente. A história da hermenêutica é um bom testemunho disso; por exemplo, se se pensa em Santo Agostinho, onde o Antigo Testamento deve ser mediado através da mensagem cristã222, ou no protestantismo primitivo, que estava às voltas com o mesmo problema, ou finalmente na era do Aufklärung, onde de imediato se produz quase a renúncia ao entendimento, quando “a compreensão completa” de um texto só deve ser alcançada pelo caminho da interpretação histórica. Só que, quando o romantismo e Schleiermacher fundam uma consciência histórica de alcance universal, prescindindo da forma vinculante da tradição, da qual procedem e na qual se encontram, como fundamento de todo esforço hermenêutico, isso representa uma verdadeira inovação qualitativa. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 2.
No entanto, também existem escritos que, por assim dizer, se lêem por si mesmos. Existe um sugestivo debate sobre o espírito e a letra na filosofia, realizado por dois grandes escritores filosóficos alemães, Schiller e Fichte, que parte deste fato. Parece-me significativo o fato de que com os critérios estéticos empregados por um ou outro não se consegue vislumbrar uma conciliação para a disputa em questão. É que, no fundo, o problema não é o da estética do bom estilo, mas o da questão hermenêutica. A “arte” de escrever de maneira que as ideias do leitor se vejam estimuladas e se mantenham produtivamente em movimento, têm pouco a ver com os demais meios usuais das artes retóricas ou estéticas Ao contrário, consiste, por inteiro, em que nos vejamos, também nós, conduzidos a pensar o pensado. A “arte” de escrever não pretende ser aqui entendida e considerada como tal. A arte de escrever, tal como a de falar, não representa um fim em si e não é portanto objeto primário do esforço hermenêutico. A compreensão ganha encaminhamento por completo através do próprio assunto. Esta é a razão pela qual os pensamentos confusos e o que está “mal” escrito não são, para a tarefa do compreender, casos paradigmáticos nos quais a arte hermenêutica brilharia em todo seu esplendor, mas, pelo contrario, casos-limite, nos quais começa a balançar o pressuposto sustentador do êxito hermenêutico, que é a univocidade do sentido entendido. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 1.
Na medida em que a experiência hermenêutica contém um acontecer linguístico, que corresponde à representação dialética de Hegel, também ela participa numa dialética, que desenvolvemos acima, como dialética de pergunta e resposta. Como já vimos, a compreensão de um texto transmitido tem uma relação interna essencial com a sua interpretação, e ainda que esta seja, por sua vez, sempre um movimento relativo e inconcluso, a compreensão alcança nela sua perfeição relativa. Pela mesma razão, o conteúdo especulativo dos enunciados filosóficos necessita, como ensina Hegel, uma representação dialética das contradições contidas nele, se é que quer ser verdadeira ciência. Aqui há uma real correspondência. A interpretação toma parte na discursividade do espírito humano, que somente é capaz de pensar a unidade da coisa na mútua alternância do um ou do outro. A interpretação tem a estrutura dialética de todo ser finito e histórico, na medida em que toda interpretação tem que começar em algum ponto e procurar superar a parcialidade que ela introduz com seu começo. Há algo que parece necessário ao intérprete, ou seja, que se diga e se torne expresso. Nesse sentido toda interpretação é motivada e obtém seu sentido a partir de seu nexo de motivações. Sua parcialidade outorga a um dos aspectos da coisa uma clara preponderância, e para compensá-la tem de continuar dizendo mais coisas. Assim como a dialética filosófica consegue expor o todo da verdade através da auto-suspensão de todas as imposições unilaterais e pelo caminho do aguçamento e da superação das contradições, o esforço hermenêutico tem como tarefa pôr a descoberto um todo de sentido na multilateralidade de suas relações. À totalidade das determinações do pensamento, corresponde a individualidade de sentido a que se tem em mente. Pense-se, por exemplo, em Schleiermacher, que fundamenta sua dialética na metafísica da individualidade e constrói, na sua teoria hermenêutica, o procedimento da interpretação a partir de orientações antitéticas do pensamento. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.
Mas também o lado objetivo desse círculo, tal como o descreve Schleiermacher, não atinge o cerne do problema. O objetivo de todo entendimento e compreensão é o acordo quanto à coisa. Dessa forma, a hermenêutica teve, desde sempre, a tarefa de suprir a falta de acordo ou de restabelecer o acordo, quando perturbado. A história da hermenêutica comprova isso. Por exemplo, quando Santo Agostinho afirma que o Antigo Testamento deve ser mediado pela mensagem cristã, ou quando o protestantismo primitivo se via colocado diante do mesmo problema, ou finalmente na época do Iluminismo, onde, na vontade de alcançar a “compreensão plena” de um texto somente pelas vias da interpretação histórica, tinha-se quase que renunciar ao acordo. Trata-se, pois, de algo qualitativamente novo, quando o romantismo e Schleiermacher, criando uma consciência histórica com alcance universal, já não dão mais valor à figura vinculante da tradição, da qual procedem e na qual estão postados, como uma base sólida para todo esforço hermenêutico. Um dos precursores imediatos de Schleiermacher, o filólogo Friedrich Ast, compreendeu o conteúdo fundamental da tarefa hermenêutica, ao reivindicar para ela o restabelecimento do acordo entre Antiguidade e Cristianismo, entre uma verdadeira antiguidade, vista de modo novo, e a tradição cristã. Frente ao Iluminismo, isso é algo totalmente novo, à medida que agora já não se trata mais de uma mediação entre a autoridade da tradição, por um lado, e a razão natural, por outro, mas da mediação de dois elementos da tradição, ambos vindos à consciência pelo Iluminismo, que impõe a tarefa de sua reconciliação. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 5.
A hermenêutica recebeu um novo impulso com a Reforma, quando esta apregoava a volta à literalidade da Sagrada Escritura e os reformadores polemizaram contra a tradição da doutrina eclesiástica e o tratamento que esta dava aos textos com os métodos dos vários sentidos da Escritura. Recusava-se especialmente o método alegórico e restringiu-se a compreensão alegórica aos casos em que o sentido figurado a justificava, como por exemplo nos discursos de Jesus. Junto com isso desenvolveu-se uma nova consciência de método que se alardeava ser objetiva, ligada ao objeto e livre de todo arbítrio subjetivo. No entanto, a motivação principal era de caráter normativo: na hermenêutica teológica assim como na hermenêutica humanística da Idade Moderna, o que importa é a correta interpretação daqueles textos que contêm o que realmente é decisivo, e que se deve recuperar. Nesse sentido, a motivação do esforço hermenêutico não é tanto, como mais tarde em (95) Schleiermacher, a dificuldade de compreender uma tradição e os mal-entendidos a que esta pode dar lugar, mas antes buscar trazê-la a uma nova compreensão, rompendo ou transformando uma tradição vigente pela descoberta de suas origens esquecidas. Deve-se resgatar e renovar seu sentido originário, encoberto e desfigurado. A hermenêutica, voltando às fontes originárias, busca alcançar uma nova compreensão daquilo que se havia corrompido por distorção, deslocamento ou mau uso: A Bíblia, pela tradição magisterial da Igreja; os clássicos, pelo latim bárbaro da escolástica; o direito romano, pela jurisprudência regionalista etc. O novo esforço deveria não apenas ser no sentido de buscar compreender de modo mais correto, mas também de recuperar a vigência do paradigmático, no mesmo sentido como se fosse o anúncio de uma mensagem divina, a interpretação de um oráculo ou de uma lei preceptiva. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.
O certo é que tanto a hermenêutica de Schleiermacher não está totalmente livre do ar escolástico, um tanto empoeirado, da literatura hermenêutica anterior, como sua obra propriamente filosófica se encontra um pouco à sombra dos outros grandes pensadores idealistas. Ele não tem a força impositiva da dedução fichtiana, nem a elegância especulativa de Scheling e nem a obstinação seminal da arte conceptual de Hegel. Foi um orador, mesmo quando filosofava. Seus livros são antes de tudo anotações de um orador. Suas contribuições à hermenêutica são, em particular, muito fragmentárias e o que tem mais interesse do ponto de vista hermenêutico, ou seja, suas observações sobre pensar e falar não se encontram na “hermenêutica” mas nas preleções sobre dialética. Ainda aguardamos uma edição crítica da Dialética, que seja utilizável. O sentido normativo básico dos textos, aquilo que originariamente confere sentido ao esforço hermenêutico, em Schleiermacher encontra-se em segundo plano. Compreender é a repetição da produção originária de ideias, com base na congenialidade dos espíritos. O ensinamento de Schleiermacher tem como pano de fundo sua concepção metafísica da individualização da vida universal. Desse modo, destaca-se o papel da linguagem, e isso numa forma que superou radicalmente a limitação erudita ao escrito. A fundamentação da compreensão feita por Schleiermacher sobre a base do diálogo e do entendimento inter-humano significou no seu conjunto um aprofundamento dos fundamentos da hermenêutica, que no entanto acabou permitindo a edificação de um sistema científico com base hermenêutica. A hermenêutica tornou-se a base de todas as ciências históricas do espírito e não só da teologia. Desaparece então o pressuposto dogmático do caráter “paradigmático” do texto, sob o qual a atividade hermenêutica, tanto a do teólogo como a do filólogo humanista (99) (para não falar do jurista), tinha a função originária de mediação. Com isso liberou-se o caminho para o historicismo. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 8.
Assim, quando proponho o desenvolvimento da consciência hermenêutica como uma possibilidade mais abrangente, como contraponto a essa consciência estética e histórica, minha intenção imediata é buscar superar a redução teórico-científica que sofreu o que chamamos tradicionalmente de “ciência da hermenêutica” pela sua inserção na ideia moderna de ciência. Na hermenêutica de Schleiermacher fez-se ouvir tanto a voz do romantismo histórico quanto os interesses do teólogo cristão, na medida em que enquanto uma teoria geral da compreensão sua hermenêutica deveria favorecer a tarefa específica da interpretação da Sagrada Escritura. E, quando nos detemos a analisar essa hermenêutica, a perspectiva de Schleiermacher para essa disciplina mostra-se peculiarmente restringida pelo pensamento moderno de ciência. Schleiermacher define a hermenêutica como a arte de evitar mal-entendidos. Decerto, essa não é uma descrição totalmente errônea do esforço hermenêutico. O estranho induz facilmente mal-entendidos, produzidos pela distância temporal, pela mudança dos costumes de linguagem, a modificação do significado das palavras e dos modos de representação. Deve-se evitar o mal-entendido pela reflexão controlada por métodos. Mas também aqui devemos perguntar do seguinte modo: Quando afirmamos que compreender significa evitar mal-entendidos, estaremos definindo adequadamente o fenômeno da compreensão? Será que todo mal-entendido não pressupõe uma espécie de “acordo latente”? VERDADE E MÉTODO II OUTROS 17.
Mas a oratória como tal está ligada à imediaticidade de seus efeitos. Com profunda erudição, Klaus Dockhorn mostrou em que medida o produzir efeitos se impôs como o mais importante recurso persuasivo desde Cícero e Quintiliano até a retórica política inglesa do século XVIII. Mas o produzir efeitos, enquanto a tarefa essencial do orador, tem muito pouca influência quando se trata da expressão escrita, a qual se torna objeto do esforço hermenêutico; e é justamente essa diferença que queremos destacar: o orador arrasta o ouvinte. O brilho de seus argumentos deslumbra o ouvinte. A força persuasiva do discurso não deve nem pode admitir a reflexão crítica. A leitura e interpretação do escrito, ao contrário, estão tão distanciadas e afastadas do escritor, de seus humores, de suas intenções e de suas tendências latentes que a apreensão do sentido do texto adquire o caráter de uma produção autônoma que se assemelha mais à arte do discurso do que ao comportamento de seu ouvinte. Compreende-se assim o fato de os recursos teóricos da arte da interpretação serem tomados em grande medida da retórica, como demonstrei em alguns pontos e como expôs Dockhorn numa ampla base. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 18.
O ponto de partida do desenvolvimento da dimensão hermenêutica tomado por Verdade e método I na experiência da arte e nas ciências do espírito parece dificultar aqui a avaliação de seu verdadeiro alcance. De certo, também o chamado aspecto universal, desenvolvido na III parte do livro, é por demais esquemático e unilateral. Mas do ponto de vista da colocação do problema hermenêutico, parece-me objetivamente absurdo que os reais fatores de trabalho e domínio devam permanecer fora de suas fronteiras. O que seriam então os preconceitos de que deve se ocupar a reflexão do esforço hermenêutico? De onde procedem? Da transmissão cultural? Também dela, certamente. Mas donde forma-se essa? O idealismo da linguagem seria na verdade um absurdo grotesco se não se limitasse a uma função meramente metodológica. Habermas afirmou certa vez: “A hermenêutica choca-se a partir de dentro com os muros dos nexos da tradição” (177). Essa afirmação não deixa de conter alguma verdade, se essa ideia se refere ao contraste que estabelece com um “a partir de fora”, que não entra em nosso mundo compreensível ou incompreensível, e que deve ser compreendido, mas que fica preso na observação que constata modificações (em vez de ações). Creio que seja um erro, no entanto, querer absolutizar a tradição cultural. Há que se buscar compreender tudo que pode ser compreendido. Nesse sentido, vale o princípio de que “o ser que pode ser compreendido é a linguagem”. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 18.
Vamos explicitar concretamente esse pensamento. A reflexão efetuada pela hermenêutica filosófica seria crítica no sentido de que descobriria o objetivismo ingênuo onde se encontra enredada a autocompreensão das ciências históricas, orientada nas ciências da natureza. Aqui a crítica da ideologia lança mão da reflexão hermenêutica interpretando o caráter de preconceito de toda compreensão como uma crítica da sociedade. Ou a reflexão hermenêutica descobre falsos embasamentos (Hypostasierungeri) de palavras no estilo que fazia Wittgenstein ao criticar os conceitos da psicologia remontando à situação hermenêutica originária onde a fala está referida à práxis. Também essa crítica ao enfeitiçamento da linguagem retifica nossa autocompreensão, de tal modo que essa pode ajustar-se melhor às nossas experiências. Mas a hermenêutica produz reflexão crítica, por exemplo, quando defende a linguagem compreensível contra falsas pretensões da lógica, que busca importar determinados critérios de cálculo enunciativo a textos filosóficos, demonstrando (Carnap ou Tugendhat) que, quando Heidegger ou Hegel falam sobre o nada, essa fala seria absurda por não cumprir certas precondições lógicas. Nesse caso, a hermenêutica filosófica pode demonstrar que essas objeções não correspondem à experiência hermenêutica ficando aquém do que se deve compreender. O “nada nadificante”, p. ex., não expressa como pensa Carnap um sentimento, mas um movimento do pensamento que deve ser compreendido. A reflexão hermenêutica parece-me ser produtiva onde alguém por exemplo examina o modo de argumentação socrático nos diálogos platônicos a partir da perspectiva de seu rigor lógico. Nesse caso, a reflexão hermenêutica pode descobrir que o processo comunicativo que se dá no desenrolar dos diálogos socráticos é um processo da compreensão e do entendimento, que não é atingido pela busca de conhecimento do analista lógico. Em todos esses casos, a crítica reflexiva reporta-se a uma instância representada pela experiência hermenêutica e sua realização na linguagem. Eleva à consciência crítica o scopus dos enunciados presentes e qual o esforço hermenêutico exigido para sua pretensão da verdade. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 19.
Dannhauer tem consciência da dificuldade segundo a qual o sentido que o autor tem em mente não precisa ser claro e unívoco. O fato de que um mesmo discurso possa ter muitos sentidos denota a debilidade do ser humano. Mas sua pretensão é desfazer essa pluralidade de sentidos pelo esforço hermenêutico. Sua concepção racionalista já aparece quando propõe como ideal da hermenêutica o transformar discursos não lógicos em lógicos e fluidificá-los. Trata-se, segundo ele, de remodelar esses discursos, por exemplo os poéticos, de modo que possam iluminar-se com sua própria luz e não possam levar ninguém a equívocos. Esse lugar verdadeiro é o discurso lógico, o enunciado puro, o juízo categórico, a linguagem autêntica. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 20.
Tampouco podemos relegar Flacius, citado por Dilthey, à literatura da controvérsia teológica, como faz Jaeger (38). É certo que a clavis de Flacius está a serviço de seus postulados teológicos. Mas seu fundamento é filológico-humanista em sentido geral. Flacius busca mostrar que a Sagrada Escritura pode ser compreendida como qualquer outro texto. Nesse sentido e como grande hebraísta e filólogo, Flacius defende a solução de Lutero (sacra scriptura sui ipsius interpres) contra a polêmica tridentina que afirmava a necessidade da tradição magisterial da Igreja. Não é esse o momento adequado para indagar até que ponto Flacius realizou sua intenção, ou, mais exatamente, se em sua argumentação em favor da compreensibilidade da Bíblia se deixa levar por certos preconceitos dogmáticos injustificados e se isto constitui realmente um defeito, como afirmava ainda Dilthey. Creio que sua doutrina sobre o scopus, subjacente a todo esforço hermenêutico, está estreitamente relacionada com a teologia da justificação de Lutero, de modo que não é possível dissociar a nova reflexão hermenêutica do sentido religioso da leitura da Bíblia. Mas isso não se aplica do mesmo modo à tradição do humanismo e a seu ideal da imitatiol Parece-me que o sentido normativo e canónico dos textos a serem interpretados — como na interpretação das leis — representa o momento decisivo de todo esforço de interpretação. Isso não significa em absoluto (297) nenhuma limitação do postulado hermenêutico de chegar a compreender um texto pouco inteligível. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 21.
A dimensão interrogativa em que nos movemos aqui nada tem a ver com um código que se procura decifrar. De certo, esse código decifrado forma a base de toda escritura e leitura de textos. Representa, porém, uma mera condição prévia em função do esforço hermenêutico para saber o que se diz nas palavras. Nesse sentido, concordo plenamente com a crítica ao estruturalismo. 371] Mas creio ultrapassar a desconstrução de Derrida, ao afirmar que as palavras só existem na conversação, e as palavras na conversação não se dão como palavras isoladas, mas como o conjunto de um processo de fala e resposta. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 25.
A obstinação de Löwith em passar ao largo do sentido transcendental das proposições de Heidegger sobre a compreensão parece-me equivocada num duplo sentido: Não percebe que Heidegger descobriu algo que se dá em toda compreensão e que não pode ser negado como tarefa. Além do mais, não percebe que a violência presente em muitas interpretações de Heidegger não procede dessa teoria da compreensão. Trata-se, antes, de um abuso produtivo dos textos, que denuncia uma falta de consciência hermenêutica. O que confere uma ressonância, além dos limites, a certas páginas do texto é evidentemente o predomínio do próprio interesse no assunto. O comportamento impaciente de Heidegger com relação a textos da tradição não é tanto consequência de sua teoria hermenêutica. Seu comportamento se parece, antes, com o dos grandes continuadores da tradição espiritual, os quais, antes da formação da consciência histórica, apropriavam-se “acriticamente” da tradição. O que provocou a crítica filológica contra Heidegger, nesse caso, foi o fato de ele adaptar-se aos padrões científicos e procurar legitimar também filológicamente sua apropriação produtiva da tradição. Ao invés de invalidar as razões de sua análise da compreensão, isso acaba confirmando-as. Faz parte do compreender, sempre, o fato de a opinião a ser compreendida dever afirmar-se frente à violência da 83] orientação de sentido que domina o intérprete. O esforço hermenêutico se faz necessário justamente porque somos interpelados pela coisa ela mesma. Se não formos interpelados por esta, jamais compreenderemos a tradição, a não ser na total indiferença da interpretação psicológica ou histórica em relação à coisa em questão, indiferença que surge quando não compreendemos mais. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS EXCURSO IV