Mas reconhecer que a formação seja algo como um elemento do espírito, isso não está vinculado à filosofia de Hegel do espírito absoluto, e muito menos o seu juízo acerca da historicidade da consciência está vinculado à sua filosofia da história mundial. O que importa é ter claro, que também para as ciências do espírito históricas, que se derivam de Hegel, a ideia da formação plena continua sendo um ideal necessário. Porque a formação é o elemento no qual elas se movimentam. Mesmo o que o antigo uso linguístico denomina “uma formação plena”, no âmbito do fenômeno corporal, não chega a ser tanto a última fase de um desenvolvimento, mas mais, o estado de amadurecimento, que todo desenvolvimento deixou na sua esteira e que possibilita o movimento harmônico de todos os membros. Justamente nesse sentido as ciências do espírito pressupõem que a consciência científica já é algo formado e que justo por essa razão possui o tato correto que não se pode aprender nem imitar, o qual sustenta a formação do juízo (Urteil) e a forma de conhecimento das ciências do espírito, como um elemento. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O que Helmholtz descreve na forma de trabalhar das ciências do espírito, principalmente o que ele denomina senso artístico e tato, pressupõe, na verdade, esse elemento da formação, no interior do qual se permite ao espírito uma mobilidade especialmente livre. É por isso que Helmholtz fala, p. ex., da “predisposição, pela qual as mais diversas experiências da memória dos historiadores ou dos filólogos acabam confluindo. É possível que isso esteja descrito muito superficialmente, a partir daquele ideal “do férreo trabalho do concluir consciente”, sob o qual se imagina o pesquisador da natureza. O conceito da memória, da maneira como ele o aplica, não é suficiente para esclarecer o que está sendo desenvolvido aqui. Na verdade, esse tato ou esse senso não são bem compreendidos, se imaginarmos ali uma capacidade anímica a ser acrescentada, que se serve de uma forte memória, chegando assim a conhecimentos que não podem ser rigorosamente examinados. O que torna possível uma tal função do tato, o que conduz à sua posse, não é meramente um dispositivo físico, que é favorável ao conhecimento das ciências do espírito. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Tendo em vista essa situação, nada impede que se lembre a tradição humanista e se pergunte: Que forma de conhecimento das ciências do espírito se poderá delas aprender? É aqui que o escrito de Vico, De nostri temporis studiorum ratione, apresenta um valioso ponto de referência. A defesa do humanismo, que Vico assume, é, como o título já mostra, transmitido através da pedagogia jesuítica e dirigido tanto contra Descartes como contra o jansenismo. Esse manifesto pedagógico de Vico é como seu esboço de uma “nova ciência”, fundamentada sobre velhas verdades. Por isso, ele se refere ao sensus communis, o senso comum, e ao ideal humanístico da eloquentia, momentos que já existiam no antigo conceito do saber. O “bem-falar” (eu legein) é em si, desde tempos imemoriais, uma fórmula ambígua e, de forma alguma, meramente um ideal retórico. Significa também dizer o que é correto, ou seja, o que é verdadeiro, e não somente: a arte de falar, a arte de dizer bem alguma coisa. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O fato de Vico recorrer ao conceito romano do sensus communis e sua defesa da retórica humanística contra a ciencia moderna é de especial interesse para nós. Pois aqui, somos conduzidos a um momento da verdade do conhecimento das ciências do espírito, que já não era mais acessível para a auto-reflexão das ciências do espírito do século XIX. Vico vivia numa tradição ininterrupta da formação retórico-humanística e precisava voltar a resgatar a validade do direito dessa tradição, o qual não envelhecera. Por fim, existia ainda, há muito tempo, um saber de que as possibilidades da comprovação e do ensino racional não esgotam todo o campo do conhecimento. Ao reportar-se ao sensus communis Vico estava, como vimos, incluído num amplo contexto que retrocede até a antiguidade e cuja repercussão até o presente encontra-se no nosso tema. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Nós, ao contrário, temos de abrir cansativamente o caminho de regresso a essa tradição, apontando, primeiramente, as dificuldades que resultam da aplicação do conceito moderno de método às ciências do espírito. Tendo em vista essa finalidade, procuramos responder à questão de saber como se chegou à atrofia dessa tradição e corrió é que, com isso, a reivindicação de verdade do conhecimento das ciências do espírito chegou ao padrão do pensamento de método das ciência moderna, cuja natureza lhe é estranha. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Havemos de ver que para o pensamento de Dilthey é de decisiva importância que não se denomine a “sensation” ou a percepção, como a última unidade do consciente, o que era natural para o kantianismo e mesmo para a teoria do conhecimento positivista do século XIX, até Ernst Mach, já que Dilthey chama a isso de “vivência”. Ele delimita, assim, o ideal construtivo de uma estrutura do conhecimento a partir de átomos de percepção e contrapõe a ele uma versão mais aguda do conceito do dado. A unidade da vivência (e não elementos psíquicos, sob os quais ela pode ser analisada) compõe a unidade real do dado. Dessa maneira, apresenta-se na teoria do conhecimento das ciências do espírito um conceito da vida que limita o modelo mecânico. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
O deslocamento da determinação ontológica do estético para o conceito da aparência estética tem pois seu fundamento teórico no fato de que o predomínio do modelo de conhecimento das ciências da natureza conduz ao desacreditamento de todas as possibilidades do conhecimento, que se encontram fora dessa nova metodologia. VERDADE E MÉTODO PRIMEIRA PARTE 1.
Uma reflexão clara e metódica sobre isso não se encontra expressa obviamente em Ranke, nem no arguto metodólogo que foi Droysen, mas somente em Dilthey, que toma conscientemente a hermenêutica romântica e a amplia até fazer dela uma historiografia e até uma teoria do conhecimento das ciências do espírito. A análise lógica de Dilthey do conceito do nexo na história representa, segundo a questão em causa, a aplicação do princípio hermenêutico, segundo o qual as partes individuais de um texto só podem ser entendidas a partir do todo, e este somente a partir daquelas, sobre o mundo da história. Não somente as fontes chegam a nós como textos, mas também a realidade histórica é em si um texto que deve ser compreendido. Com essa transferência da hermenêutica para a historiografia, Dilthey torna-se o intérprete da escola histórica. Ele formula o que Ranke e Droysen, no fundo, pensavam. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Por isso, ainda que se faça abstração da enorme influência que, a princípio, o empirismo inglês e a teoria do conhecimento das ciências da natureza exercem sobre Dilthey como se eles deformassem suas verdadeiras intenções, não é fácil de apreender essas intenções em uníssono. Devemos a Georg Misch um passo importante nessa direção. Mas como o propósito de Misch era confrontar a posição de Dilthey com a orientação filosófica da Fenomenologia de Husserl e da ontologia fundamental de Heidegger, é a partir dessas contraposições contemporâneas que se descreve a discrepância interna da orientação de Dilthey, de uma “filosofia da vida”. E a mesma coisa pode-se dizer da meritória exposição de Dilthey, de O.F. Bollnow. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Mas o que não pôde satisfazer a Dilthey foi a mera remodelação dessa construção e sua transposição ao terreno do conhecimento histórico , empreendida pelo neokantismo por exemplo, sob a forma da filosofia dos valores. O próprio criticismo neokantiano lhe parecia dogmático, e nisso ele tinha razão, como quando chamou o empirismo inglês de dogmático. Pois o que sustenta a construção do mundo histórico não são fatos extraídos da experiência e em seguida incluídos numa referência valorativa, mas o fato de que a sua base é, antes, a historicidade interna, própria da mesma experiência. Este é um processo vital e histórico, e não tem seu caso-modelo na (226) constatação de fatos, mas na peculiar fusão de recordação e expectativa num todo que chamamos experiência e que se adquire na medida em que se faz experiência. O que prefigura o modo de conhecimento das ciências históricas e, em particular, o sofrimento e a lição que resulta da dolorosa experiência da realidade para aquele que amadurece rumo à compreensão. As ciências históricas tão-somente continuam o pensamento começado na experiência da vida. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
A partir disso pode-se entender o que Dilthey vincula à hermenêutica romântica. Com a sua ajuda consegue ele cobrir a diferença entre a essência histórica da experiência e a forma de conhecimento da ciência, ou melhor, pôr em consonância a forma de conhecimento das ciências do espírito com os padrões metodológicos das ciências da natureza. Já vimos acima que o que o levou a isso não foi uma adaptação externa. Reconhecemos agora que não o conseguiu sem descuidar a própria e essencial historicidade das ciências do espírito. Isso se torna claro no conceito de objetividade válida nas ciências da natureza. E por isso que Dilthey gosta de empregar a palavra “resultados” e de demonstrar pela descrição da metodologia das ciências do espírito sua igualdade de categoria com as ciências da natureza. Para isso a hermenêutica romântica veio-lhe ao encontro, na medida em que, como já vimos, esta própria não levava em conta a essência histórica da experiência. Pressupunha que o objeto da compreensão é o texto a ser decifrado e compreendido em seu sentido. Assim, todo encontro com um texto é, para ela, um auto-encontro do espírito. Todo texto é suficientemente estranho para representar uma tarefa, e, no entanto, suficientemente familiar para manter sua essencial possibilidade de resolução, mesmo quando não se saiba de um texto a não ser que é texto, escrito ou espírito. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
É indubitável que, com isso, não se satisfaça ao objetivo da escola histórica. A hermenêutica romântica e o método filológico, sobre os quais ela se ergue, não são base suficiente para a história; da mesma forma, não é satisfatório para Dilthey o conceito dos procedimentos indutivos que se pede emprestado (246) às ciências da natureza. A experiência histórica, tal como ele fundamentalmente a entende, não é um procedimento e não possui a anonimidade de um método. Certamente que dela se podem deduzir regras de experiência gerais, mas o seu valor metodológico não é o do conhecimento de leis, sob as quais se possam subsumir univocamente os casos que apareçam. Antes, as regras da experiência exigem um uso já experimentado e são, no fundo, o que são apenas nesse uso particular. Frente a essa situação é preciso admitir que o conhecimento das ciências do espírito não é o mesmo das ciências indutivas, mas possui uma objetividade bem diferente e deve ser adquirido de uma maneira totalmente diversa. A fundamentação das ciências do espírito na filosofia da vida de Dilthey e a sua crítica a todo dogmatismo, bem como ao dos empiristas, procuram tornar válido exatamente isso. Mas o cartesianismo epistemológico, ao qual não consegue escapar, acabou sendo mais forte, de maneira que, para Dilthey, a historicidade da experiencia histórica não chegou a se tornar verdadeiramente determinante. É verdade que Dilthey não menosprezou a significação que tem a experiencia de vida, tanto individual como universal, para o conhecimento das ciencias do espirito — mas ambos, para ele, são determinados de maneira meramente privada. Trata-se de uma indução não-metódica, carente de verificação, que já aponta para a indução metódica da ciencia. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Ao sair das profundezas do hegelianismo epigonal e do materialismo acadêmico da metade do século, a filosofía passou a se afirmar sob o signo de Kant e de seu questionamento epistemológico pela fundamentação da ciência. Na Crítica da razão pura, Kant respondeu à questão pela possibilidade de uma ciência pura da natureza. Isso agora foi ultrapassado na medida em que se pergunta pela possibilidade da ciência da história. Ao lado da Crítica da razão pura, procurou-se colocar uma Crítica da razão histórica (para usar uma expressão de Wilhelm Dilthey). O problema da história apresentou-se como o problema da ciência da história. Como esta adquire seu direito de ser uma teoria do conhecimento? Perguntar desta forma, porém, significou medir a (29) ciência da história nos moldes das ciências da natureza. O livro clássico da lógica neokantiana da história traz um título bem característico: “Os limites da formação conceitual das ciências da natureza”. Nele, Heinrich Rickert procura demonstrar o que caracteriza o objeto da história, e porque na história em lugar de se procurar leis universais, como na ciência da natureza, reconhece-se o singular, o individual. O que é que transforma um mero fato numa realidade histórica? A resposta é: Seu significado, isto é, sua relação com o sistema dos valores culturais humanos. Neste questionamento, apesar de todas as restrições, o modelo de conhecimento das ciências da natureza continua sendo o determinante. O problema da história resume-se inteiramente no problema epistemológico sobre a possibilidade de uma ciência da história. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 2.
Mas essa ausência de preconceitos não é uma ausência condicionada? Essa reivindicação não tem sempre o sentido polêmico de estar livre deste ou daquele preconceito? Será que a reivindicação da ausência de preconceitos (como nos ensina também a experiência da vida humana) não camufla, na verdade, a persistência teimosa de preconceitos que acabam nos determinando de modo imperceptível? Conhecemos isso suficientemente a partir do modo como os historiadores trabalham. Pretendem ser críticos, isto é, ouvir as fontes e testemunhas sobre uma questão histórica, munidos da justiça superior de um juiz, para ver o que está por trás das coisas. Mas esta pretensa crítica superior já não vem sempre precedida e sustentada por uma atuação silenciosa de preconceitos orientadores? No fundo de toda crítica das fontes e dos testemunhos encontra-se sempre um último parâmetro de credibilidade, que depende apenas de uma coisa: do que se considera possível e se está disposto a acreditar. Sim, no fundo ainda resta algo mais a ser dito. Assim como a vida real, também a história só nos interessa quando sua fala atinge nosso julgamento prévio sobre as coisas, as pessoas e as épocas. Toda compreensão do que é significativo pressupõe que articulemos conjuntamente um uso desses preconceitos. Heidegger caracterizou esse estado de coisas como círculo hermenêutico: compreendemos somente o que já sabemos; ouvimos somente o que colocamos na leitura. Medido pelos parâmetros do conhecimento das ciências da natureza, isso parece inadmissível. Na verdade, só assim torna-se possível a compreensão histórica. Não se trata de evitar um tal círculo, mas de entrar nele de modo correto. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 2.
1. Em que consiste propriamente o científico nas ciências do espírito? Pode-se empregar nelas, sem mais, o conceito de investigação? Afinal o que se entende por investigação — o rastreamento do novo, do ainda desconhecido, a abertura de um caminho seguro, passível de ser controlado por todos, que nos leve a essas novas verdades — tudo isso parece vir aqui em segundo plano. A fecundidade do conhecimento das ciências do espírito parece mais próxima à intuição do artista do que ao espírito metodológico da investigação. O mesmo deve ser dito, certamente, de todo e qualquer desempenho genial num âmbito de investigação. No trabalho metodológico da investigação da natureza surgem sempre novos conhecimentos, e enquanto tal a própria ciência repousa na utilização dos métodos. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 3.
Para lembrar sumariamente qual o conteúdo que a reflexão filosófica sobre a história considerou no passado como essencial e que problemas assumiu como fundamentais, vou considerar a filosofia da história desenvolvida no sudoeste da Alemanha, ou seja, na escola neokantiana de Heidelberg (se é que se pode chamar de filosofia da história à teoria do conhecimento das ciências históricas) e a filosofia da história de Dilthey (se é que se pode chamar de filosofia da história à dissolução da metafísica em história). A reflexão epistemológica que o neokantismo de Heidelberg, em ultrapassando Kant, expandiu até a ciência historiográfica aborda a seguinte questão: O que distingue um objeto da investigação histórica e o modo de doação que constitui o objeto de investigação das ciências naturais. O que transforma um fato em fato histórico? VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 10.
Para isso é preciso uma visão certeira. A admirável empresa de uma crítica da razão histórica, empreendida por Dilthey, foi marcada e também obstaculizada, pensamos hoje, por sua dependência em relação ao modelo metodológico das ciências experimentais da (328) natureza. De certo, seu repúdio à teoria axiológica do neokantismo (Rickert) tem sua razão de ser; mas era preciso superar a mera oposição à teoria neokantiana dos valores. Foi o que fez Theodor Litt. Quando no ano de 1941, eu escutei, em Leipzig, a conferência de Litt na Academia saxônica de ciências, da qual acabara de ser eleito membro — seu membro mais jovem — esse estudo sobre “o universal na elaboração do conhecimento das ciências do espírito” pareceu-me uma síntese na qual Litt ratificava sua posição intermediária entre Kant e Herder. Ele a havia elaborado no ano de 1930 num belo livro. Como a linguagem constituía nesse caso a ponte entre o universal e o particular ou singular, pareceu-me muito natural aproveitar meu próprio estudo da crítica ontológica que Heidegger fez à metafísica grega e a sua consequência histórica, aplicando-o ao pensamento subjetivo da modernidade para precisar melhor a natureza das ciências do espírito. Ainda hoje sinto-me próximo de Litt, por exemplo, na defesa da linguagem da cotidianidade frente à linguagem técnica e o conceito “puro”, o qual tem sua plena justificação nas ciências da natureza. Litt aprendeu a articular seu próprio pensamento na dialética hegeliana do universal e do particular e na fusão do juízo determinante com o juízo reflexivo. Desse modo tocava no nervo hermenêutico. Eu mesmo procurei ultrapassar o horizonte da teoria moderna da ciência e da filosofia das ciências do espírito para examinar o problema hermenêutico, tomando como referência a estrutura fundamental do ser humano baseada na linguagem. A virtude aristotélica da racionalidade, a phronesis, acaba sendo a virtude hermenêutica fundamental. Serviu de modelo para a formação de minha própria linha argumentativa. Desse modo, a hermenêutica, essa teoria da aplicação, quer dizer, da conjugação do universal e do particular, converteu-se para mim numa tarefa filosófica central. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 23.
Antigamente, quando na filosofia se refletia sobre os fundamentos das ciências do espírito, mal se falava de hermenêutica. A hermenêutica era uma simples disciplina auxiliar, um cânon de regras que tinha como objeto o trato com textos. Em todo caso, ainda se diferenciava por levar em conta e contemplar o modo específico de determinados textos, por exemplo, como hermenêutica bíblica. Havia ainda uma disciplina auxiliar um pouco diferente, também chamada hermenêutica, na figura da hermenêutica jurídica. Continha regras para a complementação de lacunas no direito codificado, tendo, portanto, caráter normativo. A problemática filosófica central que se encontrava inserida no factum das ciências do espírito — em analogia para com as ciências da natureza e sua fundamentação através da filosofia kantiana — era abordada, ao contrário, na teoria do conhecimento. A crítica da razão pura de Kant justificou os elementos apriorísticos do conhecimento experimental das ciências da natureza. Assim, convinha que se implementasse uma justificação teórica correspondente para o modo de conhecimento das ciências históricas. Em sua Historik, J.G. Droysen projetou uma metodologia das ciências históricas, exercendo grande influência. Essa metodologia visava uma plena correspondência com a tarefa kantiana. Wilhelm Dilthey, que iria desenvolver a verdadeira filosofia da escola histórica, perseguiu desde o princípio e conscientemente a tarefa de uma crítica da razão histórica. Nesse sentido, também sua autoconcepção possuía um cunho epistemológico. Sabe-se que para ele o fundamento epistemológico das chamadas ciências do espírito repousava em uma psicologia “descritiva e analítica”, purificada da alienação das ciências da natureza. Na execução dessa tarefa, Dilthey acabou superando seu originário ponto de partida epistemológico, tendo sido ele a fazer surgir o momento filosófico da hermenêutica. É verdade que nunca renunciou ao fundamento epistemológico buscado na psicologia. A base sobre a qual procurou erigir o edifício do universo histórico das ciências do espírito continuou sendo o fato de as vivências serem caracterizadas pelo tomar consciência de si mesmas, de modo que ali não surge nenhum problema a respeito do conhecimento do outro, do não-eu, como acontece na base do questionamento kantiano. O universo histórico, porém, não é um nexo de vivências nos (388) moldes da autobiografia, onde a historia se apresenta em função da interioridade da subjetividade. Por fim, o nexo histórico deve ser compreendido como um nexo de sentido que supera fundamentalmente o horizonte vivencial do indivíduo. E como um texto grande e estranho, para cuja decifração precisa da ajuda de uma hermenêutica. É assim que Dilthey procura a passagem da psicologia para a hermenêutica, a partir da constringência da própria coisa em questão. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.
Nesse contexto de uma crítica ao objetivismo histórico podemos incluir sobretudo os trabalhos de Erich Rothacker. É sobretudo nos últimos trabalhos, Die dogmatische Denkform in den Geisteswissenschaften und das Problem des Historismus, que Rothacker desenvolve seus pensamentos iniciais, onde sustenta o interesse hermenêutico de Dilthey (semelhante a Hans Freyer na Theorie des objektiven Geistes) contra todo psicologismo. O conceito da forma dogmática de pensamento é concebido inteiramente como um conceito hermenêutico. A dogmática deve ser defendida como um método produtivo do conhecimento das ciências do espírito, na medida em que elabora o contexto imanente de um tema, contexto que determina unitariamente uma região de sentido. Rothacker pode muito bem apelar para o fato de o conceito de “dogmática” não ter um sentido exclusivamente crítico-pejorativo, tanto na teologia quanto na jurisprudência. Mas aqui, diferente do que ocorre nessas disciplinas sistemáticas, o conceito de dogmática não deve ser um mero sinônimo de conhecimento sistemático e, portanto, de filosofia. Deve ser, antes, uma “postura distinta” que se deve justificar frente ao questionamento histórico que procura conhecer desenvolvimentos. Assim, para ele, o conceito de “dogmática” tem seu lugar no conjunto da atitude histórica, a partir donde recebe o seu direito relativo. No fundo, trata-se da mesma formulação geral formulada por Dilthey sobre o conceito de contexto estrutural, só que aplicada de modo especial à doutrina histórica do método. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 27.