Paralelamente a essa superação histórica da metafísica aparece a interpretação espiritual-científica da grande poesia, na qual Dilthey vê o triunfo da hermenêutica. Permanece, porém, uma primazia relativa ao fato de que a filosofia e a arte possuam primazia para a consciência que compreende historicamente. Enquanto tais, essas podem manter uma preferência especial, porquanto nelas não se tem de secar-lhe o espírito, porque são “expressão pura” e não querem ser outra coisa. Mas tampouco assim são verdade imediata, porém só se prestam como órgão que serve à compreensão da vida. Tal qual certas épocas de esplendor de uma cultura são preferidas para o conhecimento de seu “espírito”, ou tal como o fato de que o que caracteriza as grandes personalidades é que representam em seus planos e em seus feitos as verdadeiras decisões históricas, do mesmo modo a filosofia e a arte tornam-se particularmente acessíveis à compreensão interpretadora. Aqui a história do espírito segue a preferência da forma, do puro aperfeiçoamento de totalidades significativas que se destacam do devir. Em sua introdução à biografia de Schleiermacher, Dilthey escreve: VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Dilthey parte da vida: a própria vida está apontada à reflexão. É a Georg Misch a quem devemos uma enérgica elaboração da tendência da filosofia da vida no filosofar de Dilthey. Seu fundamento repousa no fato de que a vida mesma contém saber. Já a interiorização (Innesein), que caracteriza a vivência, contém uma espécie de retorno da vida sobre si mesma. “O saber está aí, unido à vivência sem dar-se conta” (VII, 18). Essa mesma reflexividade imanente da vida determina também o modo como, segundo Dilthey, o significado surge no nexo vital. Somente se experimenta o significado, quando se sai à “caça das metas”. O que torna possível essa reflexão é um distanciamento, uma lonjura do nexo do nosso próprio fazer. Dilthey destaca, e, sem dúvida, com razão, que antes de toda objetivação científica o que se forma é uma visão natural da vida sobre si mesma. Esta se objetiva na sabedoria dos provérbios e sagas, mas sobretudo nas grandes obras da arte, nas quais “algo espiritual se desprende de seu criador”. Por isso a arte é um órgão especial da compreensão da vida, porque em seus “confins entre o saber e a ação” a vida se abre com uma profundidade que não é acessível nem à observação, nem à reflexão, (240) nem à teoria. VERDADE E MÉTODO SEGUNDA PARTE 1.
Tampouco a explicação copernicana do cosmo conseguiu, introduzindo-se no nosso saber, fazer que para nós o sol deixe de se pôr. Não existe nenhuma incompatibilidade entre a sustentação de certas aparências e a compreensão racional de que no mundo as coisas são invertidas. E não é, na realidade, a linguagem o que intervém, promovendo e conciliando, nessa estratificada compreensão da vida? Nossa maneira de falar do pôr-do-sol não é certamente arbitrária, mas expressa uma (453) aparência real. É a aparência que se oferece àquele que não se move. E o sol que nos alcança e nos abandona com seus raios. Nesse sentido, o pôr-do-sol é, para a nossa contemplação, uma realidade (é “relativo ao nosso estar aí”). Em virtude do pensamento, podemos nos livrar dessa evidência da contemplação, construindo um modelo diferente, e, porque podemos fazê-lo, podemos também concordar com a acepção racional que a teoria copernicana oferece. Não obstante, com os olhos dessa “razão” científica, não podemos nem cancelar nem refutar a aparência natural. Isso não somente seria absurdo, porque a dita aparência é para nós uma verdadeira realidade, mas também porque a verdade que nos narra a ciência é, por sua vez, relativa a um determinado comportamento face ao mundo, e não pode pretender ser o todo. Todavia, é a linguagem que põe a descoberto o todo do nosso comportamento com respeito ao mundo, e nesse todo da linguagem, a aparência guarda sua legitimação, tal como a ciência encontra a sua. VERDADE E MÉTODO TERCEIRA PARTE 3.