Nietzsche aguçou de tal modo esse ceticismo a ponto de torná-lo um ceticismo contra a ciência. Na verdade, a ciência tem algo em comum com o fanático: porque ela constantemente exige e dá demonstrações, acaba sendo tão intolerante quanto ele. Ninguém é mais intolerante do que aquele que quer comprovar que aquilo que ele diz deve ser a verdade. Segundo Nietzsche, a ciência é intolerante porque consiste num sintoma de fraqueza, num produto tardio da vida, num alexandrinismo, herança daquela decadência que Sócrates, o inventor da dialética, introduziu num mundo em que ainda não havia nenhuma “indecência da demonstração”, mas onde uma nobre autocerteza assinalava e dizia sem precisar demonstrar. VERDADE E MÉTODO II PRELIMINARES 4.
Examinemos, por outro lado, Wilhelm Dilthey, o principal adversário dessa filosofia epistemológica da história desenvolvida pelo neokantismo, considerando Dilthey desde as consequências de seu próprio enfoque, que assume uma psicologia como ciência do espírito. Percebemos que ele de fato investiga a estrutura básica do curso histórico e tenta formular, mediante conceitos adequados, a continuidade do contexto histórico disperso no tempo. Em Dilthey o ponto de partida desta empresa é, porém, a psicologia, a autocerteza humana que reside em suas próprias vivências. Essa mesma certeza deverá legitimar também a continuidade do processo histórico. Essa autocerteza da continuidade de um processo encontra sua expressão mais característica e mesmo sua realização literária mais sólida na autobiografia. Aqui encontramos realmente a tentativa, numa visão retrospectiva, de extrair do conjunto das vivências, de sua sucessão e das constelações que presidiram a própria vida, uma espécie de estrutura de sentido: a unidade de um todo histórico-vital. E contudo inegável que a autobiografia só reflete isso que chamamos história em aspectos particulares. O que se compreende na autobiografia sempre se encontra na luz íntima da auto-interpretação do observador. O que se encadeia retrospectivamente numa unidade compreensível é o passado vivido e a história autovivenciada. Mesmo deixando de lado todo o difícil problema do autoconhecimento, não fica claro como dessa continuidade psicológica das vivências pode resultar a continuidade tão diversa e sustentada numa escala tão ampla dos nexos históricos. VERDADE E MÉTODO II COMPLEMENTOS 10.
Temos assim, de um lado, a semiótica e a linguística, que criaram novos conhecimentos sobre o modo funcional e a estrutura dos sistemas de linguagem e dos sistemas de signos. E, de outro, a teoria do conhecimento, segundo a qual a linguagem fornece a todos o acesso ao mundo. Ambas as correntes atuam conjuntamente para fazer-nos ver desde uma nova ótica os pontos de partida de uma justificação filosófica de acesso científico ao mundo. Seu pressuposto era de que o sujeito domina a realidade empírica com uma autocerteza metodológica, graças aos recursos da construção racional matemática, expressando-a em forma de enunciados de juízo. Desse modo, realizou sua autêntica tarefa cognitiva, realização que culmina no simbolismo matemático, que serve para conferir uma validez geral à formulação da ciência natural. O mundo intermediário da linguagem fica idealmente em suspenso. Quando a linguagem se torna consciente como tal, então apresenta-se como a mediação primeira para o acesso ao mundo. Assim, se esclarece o caráter insuperável do esquema de mundo formulado na linguagem. O mito da autocerteza, que em sua forma apodíctica passou a ser a origem e a justificação de toda validez, e o ideal de fundamentação última, disputado pelo apriorismo e o empirismo, perdem sua credibilidade ante a prioridade e ineludibilidade do sistema da linguagem que articula toda consciência e todo saber. Nietzsche nos ensinou a duvidar da fundamentação da verdade na autocerteza da própria consciência. Freud nos fez conhecer as admiráveis descobertas científicas que levaram a sério esta dúvida. E, da (339) crítica radical de Heidegger ao conceito de consciência, aprendemos a ver os pressupostos conceituais que procedem da filosofia grega do logos e que na guinada moderna elevaram o conceito de sujeito ao primeiro plano. Tudo isso confere a primazia à “estrutura da linguagem” própria de nossa experiência de mundo. Frente às ilusões da autoconsciência e frente à ingenuidade de um conceito positivista dos fatos, o mundo intermediário da linguagem aparece como a verdadeira dimensão do real, do dado. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 24.