GA6T2:231-232 – condição de possibilidade

Vemos que, na história da proveniência do pensamento do valor, a transformação da idea em perceptio é decisiva. É somente por meio da metafísica da subjetividade que o traço essencial de início ainda encoberto e retido da idea – ser o elemento possibilitador e condicionante – é liberado e colocado, então, em jogo de uma maneira desobstruída. O mais íntimo da história da metafísica moderna consiste no processo por meio do qual o ser obtém o traço essencial inconteste de ser condição de possibilidade do ente, isto é, dito em termos modernos, do re-presentado, daquilo que se encontra contraposto, ou seja, dos objetos. O passo decisivo nesse processo foi dado pela metafísica de Kant. No interior da metafísica moderna, a metafísica kantiana não é apenas o ponto central em termos cronológicos, mas também em termos histórico-essenciais; e isso segundo o modo como nela o começo junto a Descartes é acolhido e transformado na confrontação com Leibniz. A posição metafísica fundamental de Kant é exposta no princípio que o próprio Kant define na Crítica da razão pura como o princípio supremo de sua fundamentação da metafísica (A 1 58, B 197). O princípio diz: “As condições de possibilidade da experiência em geral são ao mesmo tempo as condições de possibilidade dos objetos da experiência.”

Denomina-se aqui, expressa e normativamente, “condições de possibilidade” aquilo que Aristóteles e Kant chamam de “categorias”. De acordo com a explicitação dada anteriormente por nós sobre essa noção, o que se tem em vista com as categorias são as determinações essenciais do ente enquanto tal, isto é, a entidade, o ser; aquilo que Platão concebe como “ideias”. Segundo Kant, o ser é a condição de possibilidade do ente, ele é a sua entidade. Nesse caso, em sintonia com a posição fundamental moderna, entidade e ser designam a representidade, o caráter daquilo que se encontra contraposto (objetividade).1. O princípio supremo da metafísica kantiana diz: as condições de possibilidade do ato de re-presentar o re-presentado são ao mesmo tempo, isto é, não são outra coisa senão as condições de possibilidade do representado. Elas constituem a representidade; essa representidade, porém, é a essência da objetividade, e esta, a essência do ser. O princípio diz: o ser é re-presentidade. Re-presentidade, no entanto, é o ter-sido-apresentado de tal modo que aquele que representa pode estar seguro do que é assim posicionado e possuir uma posição. A segurança é buscada na certeza. Essa certeza determina a essência da verdade. O fundamento da verdade é o re-presentar, isto é, o “pensar” no sentido do ego cogito, ou seja, do cogito me cogitare. A verdade enquanto representidade do objeto, a objetividade, possui o seu fundamento na subjetividade, no re-presentar que se representa; isso se dá, contudo, porque o próprio representar é a essência do ser. (GA6PT)

  1. Uma vez mais vimo-nos obrigados a verter acima o termo Gegenstand por “aquilo que se encontra contraposto”. Na passagem, Heidegger justapõe dois vocábulos que são normalmente traduzidos pelo mesmo correlato em português: tanto Gegenständlichkeit quanto Objektivität são traduzidos de maneira corrente por objetividade. (N.T. Casanova)[]