GA29-30:531-532 – Ausência [Ab-wesenheit]

O homem é aquele não-poder-permanecer, e, no entanto, não-poder-deixar o seu lugar (Der Mensch ist jenes Nichtbleibenkönnen und doch nicht von der Stelle Können). De maneira projetante, o ser-aí nele o joga constantemente em possibilidades (Möglichkeiten) e o retém, com isto, subjugado ao real (Wirklichen). Assim jogado (Wurf), o homem é, em meio à jogada, uma travessia (Übergang); uma travessia como essência fundamental do acontecimento (Grundwesen des Geschehens). O homem é história (Geschichte), ou melhor, a história é o homem. Em meio à travessia, o homem é subtraído, e, por isto, está essencialmente “ausente” (abwesend). Ausente no sentido principial – nunca simplesmente dado, mas ausente, uma vez que ele se perfaz para além de, em meio ao passado essencial (Gewesenheit) e em meio ao por-vir (Zukunft), ausente e nunca simplesmente dado (vorhanden), mas, na AUSÊNCIA (Ab-wesenheit), um existente. Transposto para o interior do possível, ele precisa ser constantemente provido do que é real. E apenas porque é assim provido e transposto, ele pode se assombrar. E somente onde há a periculosidade do assombro (Gefährlichkeit des Entsetzens), há a bem-aventurança do espanto (Seligkeit des Staunens) – aquele arrebatamento lúcido que é a Ode de todo filosofar e que os maiores dentre os filósofos chamaram enthousiasmos. Dentre estes, o último grande – Friedrich Nietzsche – prestou seu testemunho naquela canção de Zaratustra, que ele chama o “Canto Ébrio” e no qual ao mesmo tempo experimentamos o que é o mundo: “Ó homem! Presta atenção! / Que diz a meia-noite em seu bordão? / ‘Eu dormia, dormia… / Fui acordada de um sonho profundo: / Profundo é o mundo! / E mais profundo do que pensa o dia. / Profundo é o seu sofrimento / E o prazer – mais profundo que a dor do coração. / O sofrimento diz: ‘Passa, momento!’ / Mas todo prazer quer eternidade – Quer profunda, profunda eternidade!”’ (tr. Casanova, p. 469)