fundamento

Grund
VIDE Ab-grund

Fundamento é aquilo de onde o ente como tal, em seu tornar-se, passar e permanecer, é aquilo que é e como é, enquanto cognoscível, manipulável e transformável. O ser como fundamento leva o ente a seu presentar-se adequado. O fundamento manifesta-se como sendo presença. Seu presente consiste em produzir para a presença cada ente que se presenta a seu modo particular. O fundamento, dependendo do tipo de presença, possui o caráter do fundar como causação ôntica do real, como possibilitação transcendental da objetividade dos objetos, como mediação dialética do movimento do espírito absoluto, do processo histórico de produção, como vontade de poder que põe valores.

O elemento distinto do pensamento metafísico, elemento que erige o fundamento para o ente, reside no fato de, partindo do que se presenta, representa a este em sua presença e assim o apresentar como fundado desde seu fundamento. (MHeidegger – FIM DA FILOSOFIA E A TAREFA DO PENSAMENTO 95)


Aristóteles assim resume sua participação dos múltiplos significados da palavra arche: pasõn mèn oun koinón tõn archõn tó prõton eínai hóthen è éstin è gígnetai è gignósketai. (NA: Metafísica, Delta 1, 1013 a 17 ss.) Com isto são postas em relevo as modificações daquilo que costumamos designar “fundamento”: fundamento da essência (Was-sein), da existência (Dass-sein) e da verdade (Wahrsein). Mas, além disso, ainda se procura captar aquilo em que estes “fundamentos” como tais concordam. Seu koinón é tó prõton hóthen, o primeiro, a partir de que… Ao lado desta tríplice articulação dos “princípios” supremos, se encontra uma quadripartição do aítion (“causa”) em hypokeímenon, tó tí en eínai, archè tes metaboles e hou héneka (NA: Op. cit., Delta 2, 1013b 16 ss), que, na posterior história da “metafísica” e “lógica”, mantiveram seu papel de guias. Ainda que se reconheçam os panta tà aítia como archaí, a conexão interna entre a participação e seu princípio permanece obscura. E é de duvidar que se possa encontrar a essência do fundamento pela via de uma caracterização daquilo que é “comum” aos “modos” de “fundar”, ainda que não se deva desconhecer que nisto reside o impulso para uma originária elucidação de fundamento em geral. Aristóteles também não se satisfez em ver as “quatro causas” apenas como ajuntadas, mas se empenhou na compreensão de sua conexão e numa fundamentação do número de quatro. Isto revela, tanto sua análise exaustiva em Física B, como, antes de tudo, também a discussão “histórico-problemática” da questão das “quatro causas” em Metafísica A 3-7, que Aristóteles conclui com a seguinte constatação: hóti mèn oun orthõs dióristai perì tõn aítion kaì pósa kaì poía, martyrein eoíkasin hemin kaì houtoi pántes, ou dynámenoi thigein álles aítias, prós dê toútois hóti zetetéai hai archaì è hoútos hápasai è tinà trópon toiouton, délon (NA: Op. cit., A 7, 988b 16 ss.).

É preciso deixar aqui de lado a história pré e pós-aristotélica do problema do fundamento. No que se refere à projetada colocação do problema seja, contudo, lembrado o seguinte: através de Leibniz o problema do fundamento é conhecido na forma da questão do principiam rationis sufficientis. Monograficamente foi Chr. A. Crusius o primeiro que tratou do “Princípio da Razão” em sua Dissertatio philosophica de usu et limitibus principii rationis determinantes vulgo sufficientis (1743) (NA: Vide Opuscula philosophico-theologica antea seorsum edita nunc secundis curis et copiose aucta. Lipsiae. 1750, p. 152 ss.) e, por último, Schopenhauer em sua dissertação “Sobre a Quádrupla Raiz do Princípio da Razão Suficiente” (1813) (NA: Segunda edição, 1847; terceira edição, dirigida por Jul, Frauenstädt, 1864.). Se, porém, o problema do fundamento está imbricado com as questões centrais da metafísica em geral, então deve também estar vivo mesmo lá onde não é tratado expressamente na forma conhecida. Assim Kant, aparentemente, dedicou interesse mínimo ao “princípio da razão”, mesmo que o analise tanto no começo (NA: Principiorum primorum cognitionis metaphisicae nova dilucidatio, 1755.) de seu filosofar como pelo fim (NA: Sobre uma descoberta, segundo a qual toda a crítica nova da razão pura deverá se tornar dispensável através da mais antiga, 1790.) E, contudo, situa-se ele no centro da Crítica da Razão Pura (NA: Vide mais adiante a análise de Kant.). De não menos importância, porém, são, para o problema, as Investigações Filosóficas sobre a Essência da Liberdade Humana e os Objetos com Ela em Conexão de Schelling (1809) (NA: Vide Obras, vol. 7, p. 333-416.) já a referência a Kant e a Schelling torna problemático se o problema do fundamento coincide com o do “princípio da razão” ou se é com ele, quando muito, posto. Se este não é o caso, então o problema do fundamento precisa ser primeiro levantado, o que não exclui que para isto uma discussão do “princípio da razão” possa dar motivos e proporcionar uma primeira indicação. A exposição e análise do problema é de igual importância à obtenção e delimitação do âmbito, em cujo seio se tratará da essência do fundamento, sem a pretensão de pô-lo, com um só golpe, diante dos olhos. Como sendo tal âmbito será evidenciada a transcendência. Isto quer, ao mesmo tempo, dizer: ela mesma será justamente determinada de modo mais originário e amplo através do problema do fundamento. Toda a clarificação da essência deve enquanto filosofante, quer dizer, como um esforço intimamente finito, testemunhar também sempre necessariamente a desordem (Unwesen) que o conhecimento humano insinua em qualquer essência (Wesen). (MHeidegger – A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO)


Em que medida é possível que tal esclarecimento seja bem-sucedido? Na medida em que atentamos para o seguinte: o objeto do pensamento é o ente enquanto tal, quer dizer, o ser. Isto se mostra na natureza do fundamento. Conforme ela o objeto do pensamento, o ser como fundamento, somente é então radicalmente pensado quando o fundamento é representado como o primeiro fundamento, prote arche. O objeto originário do pensamento mostra-se como a causa originária como a causa prima, que corresponde à volta fundamentante à última ratio, ao último prestar contas. O ser do ente somente é representado radicalmente, no sentido do fundamento, como causa sui. Com isto designamos o conceito metafisico de Deus. A metafisica deve ultrapassar, com seu pensamento, tudo em direção de Deus, pelo fato de que o objeto do pensamento é o ser; este, porém, se torna fenômeno de múltiplas maneiras, enquanto fundamento: como logos, como hypokeimenon, como substância, como sujeito. (MHeidegger A CONSTITUIÇÃO ONTO-TEO-LÓGICA DA METAFÍSICA)