Flusser (2021:175-176) – conversação

A camada da conversação abrange processos que variam da conversação entre comprador e vendedor no mercado até a conversação progressiva que é chamada ciência. A camada da conversa abrange processos que variam do bate-papo entre duas vizinhas até aquela enorme conversa fiada que nos inunda na forma da propaganda comercial e política e das produções pseudoartísticas do cinema, das revistas ilustradas e de romance. Embora a primeira seja autêntica e a outra falsa, são bastante parecidas para serem tratadas no mesmo item. Essas camadas consistem de redes que podem ser consideradas, subjetivamente, como formadas por intelectos que irradiam e absorvem frases, e, objetivamente, como formadas por frases que se cruzam em intelectos. Na camada da conversação esse processo de irradiação, absorção e cruzamento é autêntico. Formam-se frases, isto é, surgem informações, que são emitidas e tornam-se mensagens. Os intelectos são os lugares dentro da conversação onde as informações surgem ou são acumuladas. Uma nova ciência, a cibernética, estuda esses processos, sem (176) dar-se conta, conforme creio, do território exato do seu estudo: da camada conversação da língua. Como resultado dessa nova ciência, cérebros eletrônicos estão prestes a participar dessa camada da língua, tornando-se, neste sentido, algo restrito, intelectos. Quando Heidegger disse que somos uma conversação que começou com os gregos, possivelmente não tinha previsto a entrada desses novos participantes. Entretanto, se bem interpreto Heidegger, ele usa a palavra conversação num sentido mais lato que o empregado aqui, usa-a no sentido que corresponde à nossa palavra língua. Os cérebros eletrônicos não serão Dasein (existências) no sentido heideggeriano, mesmo participando, como provavelmente participarão (horribile visu) da nossa conversação plenamente. Isso porque as camadas superiores da língua lhes serão eternamente vedadas.

(FLUSSER, V. Língua e Realidade. São Paulo: É Realizações Editora, 2021)