Torres Filho
Permita-nos o leitor, com quem temos de entrar em consonância de pensamento, dirigir-nos diretamente a ele e tratá-lo com o familiar “tu”.
1) Podes sem dúvida pensar: eu; e, ao pensá-lo, encontras intimamente tua consciência determinada de certa maneira: pensas somente algo, precisamente aquilo que captas sob aquele conceito de eu, e é disso que tens consciência; e, assim sendo, não pensas algo outro, que, de outro modo, poderias também pensar e que já pensaste. — Por ora não vem ao caso para mim saber se coligiste mais ou menos do que eu mesmo, no conceito: eu. Aquilo que me importa, seguramente tu o tens também aí, e isso me basta.
2) Em lugar desse algo determinado, terias podido também pensar algo outro, por exemplo: tua mesa, tuas paredes, tua janela; e chegas mesmo a pensar efetivamente esses objetos, se te peço que o faças. Tu o fazes em decorrência de um pedido, em decorrência de um conceito daquilo que deves pensar; que, como admitiste, também teria podido ser outro, digo eu. Logo, notas atividade e liberdade nesse teu pensar, nesse passar do pensamento do eu ao pensamento da mesa, das paredes, e assim por diante. Teu pensar é para ti um agir. Não temas que, ao admitires isso, me estejas concedendo algo de que mais tarde poderias arrepender-te. Falo somente da atividade de que, neste estado, tens consciência imediata, e na medida em que tens consciência dela. Mas se estiveres no caso de não ter consciência aqui de atividade nenhuma — há muitos filósofos célebres de nossa época nesse caso — separemo-nos então aqui mesmo, em paz, um do outro: pois de agora em diante não entenderás mais nenhuma de minhas palavras.
Falo com aqueles que me entendem sobre este ponto. Vosso pensar é um agir, vosso pensar determinado é, portanto, um agir determinado, isto é, aquilo que pensais é exatamente isso porque no pensar agistes exatamente desse modo; e seria algo outro (pensaríeis algo outro) se tivésseis agido de outro modo em vosso pensar (se tivésseis pensado de outro modo).
3) Ora, aqui deves pensar em particular: eu. Como este é um pensamento determinado, ele é necessariamente instituído — segundo as proposições que acabam de ser estabelecidas — por um procedimento determinado no pensar; e a tarefa que te proponho, meu compreensivo leitor, é: tomar consciência propriamente e íntimamente de como procedes quando pensas: eu. Como poderia ocorrer que nós dois não tivéssemos abrangido nesse conceito exatamente o mesmo, tenho de te orientar.
Ao pensares tua mesa ou tua parede, tu, já que efetivamente, como leitor compreensivo, tens consciência da atividade em teu pensar, eras para ti mesmo, nesse pensar, o pensante; mas o pensado não era, para ti, tu mesmo, e sim algo a ser distinguido de ti.
Em suma, em todos os conceitos como este, como o poderás descobrir em tua consciência, o pensante e o pensado são dois. Mas, ao te pensares, não és para ti apenas o pensante: és também, ao mesmo tempo, o pensado; nesse caso, pensante e pensado devem ser um só; teu agir no pensar deve retomar a ti mesmo, ao pensante. Portanto — o conceito ou o pensamento do eu consiste no agir sobre si do próprio eu; e, inversamente, um tal agir sobre si mesmo dá o pensamento do eu, e pura e simplesmente nenhum outro pensamento. O primeiro ponto acabas de encontrar em ti mesmo e de mo conceder. Se acaso puderes ficar chocado com o segundo e ter dúvida quanto a nosso direito de inverter a proposição, deixo a teu cargo experimentar se pelo retorno de teu pensar sobre ti, como o pensante, acaso aparece outro conceito que não o de ti mesmo; e se podes pensar a possibilidade de que apareça outro. — Assim, ambos, o conceito de um pensar que retoma para dentro de si e o conceito do eu, esgotam-se mutuamente. O eu é o que põe a si mesmo, e nada mais; o que põe a si mesmo é o eu, e nada mais. Pelo ato descrito, não advém nada outro do que o eu; e o eu não advém por nenhum outro ato possível, a não ser pelo descrito.
Aqui vês ao mesmo tempo em que sentido o pensar do eu te é atribuído. A saber, os signos da linguagem passaram pelas mãos da falta de pensamento e adquiriram algo da indeterminação que ela tem; não há como entender-se satisfatoriamente através deles. Só quando se fornece o ato pelo qual um conceito se institui, este adquire sua determinação completa. Faze o que te digo e pensarás o que eu penso. Este método será observado também, sem exceção, no prosseguimento de nossa investigação. — Assim, havias talvez acolhido no conceito do eu uma multiplicidade de traços que eu não havia acolhido nele, por exemplo: o conceito de tua individualidade, porque também esta é indicada com aquele signo verbal. De tudo isso estás doravante dispensado; somente aquilo que é instituído pelo mero retomo de teu pensar a ti mesmo é o eu de que falo aqui.
4) As proposições estabelecidas, que são expressão imediata da observação que acabamos de fazer, só podem suscitar escrúpulos sob a condição de serem tomadas por algo
524 mais do que essa expressão imediata. O eu somente é instituído pelo retorno do pensar sobre si mesmo, digo eu; e, ao dizer isto, falo exclusivamente daquele que pode ser instituído pelo mero pensar; aquilo que, quando penso assim, aparece imediatamente em minha consciência e que, quando tu pensas assim, aparece imediatamente em tua consciência; em suma, falo somente do conceito do eu. Aqui não se trata ainda, de modo nenhum, de um ser do eu fora do conceito; se e em que medida pode surgir a questão de tal ser em geral, é algo que se mostrará no seu devido tempo. Portanto, para assegurar o leitor contra toda dúvida possível e contra todo perigo de, no decorrer da investigação, ver a proposição admitida por ele ser tomada em um sentido que ele não quis admitir, acrescento à proposição que acaba de ser estabelecida — o eu é um pôr de si mesmo, e outras semelhantes — a expressão:para o eu.
Posso também indicar, agora mesmo, a razão desse escrúpulo do leitor, que o faz temer ser levado a admitir algo a mais; sob a condição de que isto não venha a ocasionar dispersão, pois tudo o que vai ser dito é uma observação contingente, que, aqui, ainda não pertence propriamente ao assunto e só é trazida à baila para não deixar persistir, por um instante sequer, alguma obscuridade. — Foi afirmado: Teu eu é instituído única e exclusivamente pelo retorno a ti mesmo de teu pensar. Em algum pequeno recanto de tua alma encontra-se uma objeção contra isso — ou: devo pensar, mas, para poder pensar, é preciso que antes eu seja; ou então; devo me pensar, retomar para mim, mas aquilo que deve ser pensado, ao qual se deve retornar, precisa antes ser, para depois ser pensado ou para que se retorne a ele. Em ambos os casos postulas um estar-at, um existir de ti mesmo, independente do pensar e do ser-pensado de ti mesmo, e como pressuposto dele; no primeiro caso a existência do (eu) pensante, no segundo a do (eu) a ser pensado. A propósito deste ponto, diz-me, por ora, apenas o seguinte: quem é que está afirmando que tu deverias já estar sendo, antes do teu pensar? — Sem dúvida tu mesmo, e esse teu afirmar é sem dúvida um pensar; e aliás — como afirmas ainda e nós te concedemos de todo coração — é um pensar necessário e que, nesse contexto, se impõe a ti. Entretanto, só sabes — espero eu — desse teu existir, que deve ser tomado como pressuposto, na medida em que o pensas; logo, também esse existir do eu nada mais é do que o estar-posto de ti mesmo por ti mesmo. Logo, no fato que nos indicaste, se o consideramos com suficiente rigor, não está contido nada mais do que isto: tens de pensar, como anterior à tua autoposição presente, que foi elevada à consciência clara uma outra autoposição, ocorrida sem consciência clara, à qual a presente se refere e pela qual esta é condicionada.
Até que te indiquemos a fecunda lei segundo a qual isto é assim, contenta-te com a compreensão de que o fato alegado não enuncia nada mais do que o que foi declarado, e assim não serás desorientado por ele.
Quintana Cabanas
El lector, con quien hemos de llegar a una coincidencia en el pensar, va a permitirnos el dirigirnos a él y tratarlo familiarmente de tú.
1. Sin duda puedes tú pensar «yo»; y al pensarlo, hallas interiormente tu conciencia determinada de una cierta manera. Tú piensas sólo algo en particular, justamente aquello que concibes bajo el concepto del yo, y eres consciente de ello. Y en tal caso no piensas algo distinto que en otra circunstancia podrías muy bien pensar y que a lo mejor has pensado ya.— Por el momento no me interesa si en el concepto «yo» puedes haber compendiado más o menos elementos que yo mismo. Lo que me importa es saber que tú encuentras también algo en dicho concepto, y esto me basta.
2. En lugar de este objeto determinado habrías podido también pensar algo distinto, como, por ejemplo, tu mesa, tus paredes o tu ventana, y piensas realmente estos objetos cuando te lo pido. Lo haces a consecuencia de una petición, a consecuencia de un concepto de lo que ha de ser pensado; este concepto, según has admitido, hubiera podido ser otro, digo. Por lo mismo constatas actividad y libertad en este tu pensar, en este pasar del pensar el yo al pensar la mesa, las paredes, etc. Tu pensar es para ti un actuar. No temas que por esta confesión me concedas algo de que luego puedas arrepentirte. Hablo únicamente de la actividad de la cual tú en ese estado vienes a ser inmediatamente consciente, y en tanto que vienes a ser consciente de ella. Mas si te hallaras en el caso de que en tal estado no te haces consciente de ninguna actividad —y hay varios ilustres filósofos de nuestra época que se encuentran en este caso—, ahora mismo separémonos aquí en paz el uno del otro, pues desde este momento no comprenderás ninguna de mis palabras.
Yo hablo de aquellos que sobre este punto me entienden. Vuestro pensar es un actuar, vuestro pensar concreto es, por tanto, un actuar determinado; o sea, aquello que pensáis es exactamente esto, porque vosotros en el pensar actuáis exactamente así. Y sería algo distinto (vosotros pensaríais algo distinto) si en vuestro pensar hubierais actuado de otro modo (si hubierais pensado de otro modo).
3. Pero en este momento debéis pensar concretamente el «yo». Dado que se trata de un pensamiento determinado, se efectúa necesariamente, según las proposiciones que acabamos de sentar, mediante una determinada forma de proceder en el pensar, y mi misión con respecto a ti, lector inteligente, es la de hacer que te hagas propia e interiormente consciente de cómo procedes cuando piensas «yo». Como podría ser que en este concepto no concibiéramos ambos enteramente lo mismo, me veo precisado a ayudarte.
Cuando pensabas tu mesa o tu pared, dado que tú, como lector inteligente, eres consciente de la actividad en tu pensar, eras para ti mismo, en aquel pensar, lo pensante: pero lo pensado no era para ti tú mismo, sino algo que ha de ser distinguido de ti. En una palabra: en todos los conceptos de esta índole lo pensante y lo pensado deben ser, como sin duda constatarás en tu conciencia, dos cosas diferentes. Pero cuando te piensas, eres para ti no sólo lo pensante, sino al propio tiempo también lo pensado; en este caso lo pensante y lo pensado deben ser uno; tu actuar en el pensar debe revertir en ti mismo, que eres lo pensante.
Por consiguiente, el concepto o el pensar del yo consiste en el actuar sobre sí del yo mismo; y a la inversa: semejante actuar sobre sí mismo da un pensar del yo y absolutamente ningún otro pensar. Lo primero hace un momento que lo has constatado en ti mismo y me lo has concedido; y si lo segundo te choca y tienes tus dudas sobre nuestro derecho a invertir la frase, dejo a tu propio cuidado el averiguar si, por el revertir de tu pensar en ti mismo como lo pensante, surge algún otro concepto que no sea el de ti mismo, y si puedes pensar la posibilidad de que surja otro.— Por lo mismo ambas cosas, el concepto de un pensar que revierte en sí mismo y el concepto del yo, se crean el uno al otro. El yo es lo que se pone a si mismo, y nada más; lo que se pone a sí mismo es el yo, y nada más. En virtud del acto descrito no surge otra cosa que el yo; y el yo no surge en virtud de ningún otro posible acto fuera del descrito.
Aquí ves al propio tiempo en qué sentido se te exigió pensar el yo. Pues sucede que los signos lingüísticos han transcurrido manejados por la irreflexión, y se les ha pegado algo de la imprecisión de ésta: al usarlos no podemos entendernos satisfactoriamente. El único modo de obtener un concepto perfectamente determinado consiste en dar cuenta del acto por el cual se produce. Haz lo que te digo y pensarás lo que yo pienso. Utilizaremos este método sin excepción incluso en partes ulteriores de nuestra investigación.— Cabe así muy bien que en el concepto del yo hayas quizá hecho entrar algunos elementos que yo no había hecho entrar en el mismo, por ejemplo, en el concepto de tu individualidad, ya que también éste viene significado por aquel signo verbal. Todo esto queda para ti ahora al margen; aquello únicamente que se produce en virtud del mero revertir de tu pensar en ti mismo constituye el yo del cual hablo aquí.
4. Las proposiciones establecidas, expresión directa de nuestra observación hecha ahora mismo, podrían suscitar reparos sólo a condición de que se las tomara por algo más que esta expresión directa. El yo se produce sólo por el revertir del pensar sobre sí mismo, digo yo; y a este respecto hablo únicamente de aquello que puede producirse por el mero pensar: aquello que, cuando yo así pienso, tiene lugar inmediatamente en mi conciencia, y aquello que, cuando así tú piensas, tiene lugar inmediatamente en tu conciencia; en suma, hablo solamente del concepto del yo. De un ser del yo fuera del concepto, no hablamos aquí en modo alguno; si puede suscitarse el tema de ese tipo de ser en general, y hasta qué punto, es algo que se indicará a su debido tiempo. Para hacer, pues, que el lector se sienta seguro ante todas las posibles dudas y ante todo peligro de ver, en el transcurso de la investigación, la proposición admitida tomada en un sentido que yo no le he querido dar, a esta proposición acabada de establecen «El yo es un ponerse a sí mismo», etc., le añado: para el yo.
El fundamento de ese reparo del lector consistente en que se le hagan conceder tal vez demasiadas cosas, puedo también aducirlo, pero a condición de que con esto nadie vaya a dispersarse; pues este asunto constituye todo él una observación accidental que aquí no viene todavía propiamente al caso y que insertamos únicamente para que en ningún momento haya lugar a alguna oscuridad.— El-yo se produce tan sólo en virtud del revertir de tu pensar sobre sí mismo, se ha afirmado. En un pequeño rincón de tu alma se encierra una doble objeción contra esto. «Yo debo pensar, pero antes de que pueda pensar tengo que ser»; o también: «Yo debo pensarme, revertir en mí mismo; pero lo que debe ser pensado, sobre lo cual debe revertirse, ha de ser antes de que sea pensado o se revierta sobre ello». En ambos casos postulas una existencia de ti mismo independiente del pensar y estar-pensado de ti mismo y que ha de antecederles; en el primer caso, como existencia de lo pensante, y en el segundo, como existencia de le que ha de ser pensado. A propósito de esto, por el momento dime sólo lo siguiente: ¿Quién es el que afirmar que tú tendrías que haber existido antes de tu pensar? Eres sin duda tú mismo, y este afirmar tuyo es, a buen seguro, un pensar; y es, según sigues aún afirmando y te concedemos nosotros con ambas manos, un pensar necesario que se te impone en este contexto. Es de suponer que, sin embargo, esta existencia antecedente tú la conoces sólo en tanto que la piensas; y esta existencia del yo no es, por consiguiente, otra cosa que un estar puesto de ti mismo por ti mismo. En el hecho que nos has mostrado, si lo examinamos con la suficiente agudeza no se encierra, pues, otra cosa que lo siguiente: con anterioridad a tu auto-ponerte actual, elevado a una conciencia clara, has de pensar otro ponerte similar desprovisto de conciencia clara, al cual tu ponerte actual se refiera y por el cual se halle condicionado. Hasta que te mostremos la fecunda ley según la cual esto es así, conténtate con la idea de que el hecho aducido no expresa otra cosa que lo indicado, para que así no seas por él inducido a error.