O mérito memorável do historicismo constitui justamente em demonstrar que a realidade circundante e o próprio homem (98) não têm um perfil fixo. Não existe um ser-assim essencial das coisas, uma configuração indelével que esteja acima do fluxo dos modos de ser. Se quisermos aceder a uma verdadeira objetividade, não devemos buscá-la no nível das coisas e das formas eidéticas historicamente variáveis. O conhecido pelo conhecimento está condicionado por um oferecer transcendental, por um ato do Dispensator, que põe à disposição o cognoscível e desperta em nós a apetência do conhecimento. O cognoscível, entretanto, é o já-oferecido que, ao se manifestar e imobilizar, esconde e oculta a fonte do oferecer. Se um conhecimento do Dispensator, isto é, do oferecer, for accessível ao pensamento, só o será ultrapassando a esfera do conhecimento humano na qual estamos lançados e abandonados. Esse conhecimento do oferecer original seria, no fundo, aquele saber do não-saber que invoca Schelling como princípio supremo da filosofia – saber resultante do abandono de todo o conhecido e da liberdade em relação a esse conhecido.
(Excerto de FERREIRA DA SILVA, Vicente. Transcendência do Mundo. São Paulo: É Realizações, 2010, p. 98-99)