Diz Heidegger que a essência da obra de arte consiste no pôr-se-em-obra da verdade do Ser. Procuremos elucidar essa definição. A verdade que se põe-em-obra é aqui entendida como desocultação, desvelamento, aletheia: e essa desocultação não se dá por iniciativa do ente humano, mas sim por uma iniciativa do próprio Ser. O Ser é o poder desocultante ou revelador, é o domínio de um projetar-desvelante, ou ainda, introduzindo uma expressão que nos aparece mais apta para apresar essas ideias, o Ser é o Fascinator que faz irromper um espaço de desempenhos. O mundo é o acontecer de uma Fascinação que advém ao ente fascinado. Este acontecer mantém uma abertura de fascinação que é o mundo entendido como o “onde” e “no qual” do ente fascinado. Em trânsito pelas coisas, o Fascinator ergue-se em sua configuração própria, desenhando-as sobre o pano de fundo do revelado. É esse espírito instituidor que flui da obra da arte, da poesia, ou ainda dessa poesia em si e por si que é a mitologia. A vida dos deuses é uma poesia corpórea e em si e constitui no fundo um regime de fascinação.
Ora, essas ideias sobre a essência do fenômeno artístico-mítico têm um alcance muito maior do que se podería supor. Assim é que podemos aplicar o mesmo princípio de compreensão do fenômeno artístico, tal como foi proposto por Heidegger, à elucidação da essência da vida compreendida não segundo as categorias do intelecto, mas em sua índole original. Os vegetais e animais não são meras representações ou sínteses objetivas de nossa mente, ou ainda um simples estar-aí espetacular e mecânico. Essa última concepção, aliás, já foi refutada pela filosofia da vida em curso atualmente. Estamos em condições de propor uma nova elucidação do problema da essência da vida através de uma redução da série vital a um processo teogônico-fundante. As cenas vitais, como instauração de um mundo, são variedades da desocultação do ser que condiciona as eras cósmicas. A vida dá o testemunho de uma epocalidade do divino, como uma realidade desvelada pelo Fascinator. A planta como protofenômeno é uma cena fantástico-divina, é a abertura de uma esfera de orientações e de atuações que trazem em si mesmas a presença dos poderes numinosos. O mundo vegetal é uma epifania, um debruçar-se sobre a realidade dos deuses sem rosto da floresta. A planta representa uma manifestação em imagens de uma transcendência extra-humana. As possibilidades vegetais da vida traduzem na sinuosidade das ondas teogônicas o alterar-se de uma figura particular do mundo. O arabesco infinito das raízes, flores e frutos (94) era vivido pelos povos originais como um fenômeno sagrado, como o espírito de uma dominação. Isso evidentemente não pode ser dito da planta enquanto imagem negada e reduzida à função agrícola-utensiliar, nem do reino fítico fragmentado pelo intelecto nos gêneros e espécies da botânica. É a unidade fisionômica e atmosférica do universo vegetal, é a arcaica Yggdrasil que irradiava a presença do sagrado. Devemos observar, por outro lado, que para uma mentalidade não regida pelas categorias da identidade, de substância e de unidade, isto é, para o pensamento não fragmentador, a visão da vida devia manifestar-se como um todo dramático e expressivo. Devemos reconhecer nessa forma de pensamento uma intimidade maior com a essência da vida, isto é, julgamos encontrar na percepção mítica do real uma via de acesso à força promotora da existência biológica e uma interpretação inédita do totemismo.