Lemos na Carta sobre o Humanismo: Mundo, na expressão Estar-no-mundo, não significa de nenhuma maneira o ente terrestre em contraposição ao “celeste”, nem mesmo o mundano contraposto ao espiritual. Mundo não significa nessa acepção algum ente ou qualquer domínio do ente, mas sim a abertura do Ser – die Offenheit des Seins (Cf. M. Heidegger,“Brief uber der ‘Humanismus’”. In: Platons Lehre von der Wahrheit, ed. Ernesto Grassi, “Reihe Probleme und Hinweise”, Band 5, Berna, 1954, p. 100). Procurando interpretar o sentido da meditação sobre o fenômeno do mundo e afastando falsas interpretações diz-nos Walter Bröcker em seu opúsculo Dialectik, Positivismus, Antropologie: “O mundo não significa aqui o Universo, mas um (172) Horizonte que circunda o homem e dentro do qual pode encontrar qualquer ente, constituindo esse horizonte o que possibilita a maneira e o tipo de encontro” (Walter Bröcker, Dialektik, Positivismus, Mythologie. Klostermann, Frankfurt, 1958, p. 99).
Portanto, nessa concepção de Mundo como abertura do Ser, tanto a noção de um “aquém” como a de um “além” estariam subordinadas à própria noção de mundo: a desocultação abrangería esses dois reinos em seus próprios fundamentos. Quando atribuímos ao assédio mítico-poético do divino a irrupção de um mundo, nos referíamos evidentemente ao des-velamento da totalidade do ente, ou das possibilidades terrestres ou celestes que se tornam disponíveis no dealbar de uma cultura. Deus ou os deuses são princípios fundantes no sentido de desentranhar do sigilo do oculto todos os níveis e possibilidades do mundo. Walter Otto afirma que o que se debruça sobre o protagonista histórico nas epifanias originantes, não é qualquer poder recôndito ou incognoscível, mas sim “o próprio mundo como forma divina, como profusão de formações divinas”. Alude, sem dúvida, à ideia de mundo como coimplicando em si o sistema global revelado. As hierofanias míticas se manifestam como princípios des-fechantes que dão razão ao fundo e à forma de todo um ciclo de vida. A experiência filosófico-religiosa assim obtida expressa a mais plena incursão nas raízes transcendentais e des-velantes de todo o acontecer histórico.
É o que podemos inferir destas palavras significativas de Mircea Eliade que citamos como conclusão deste trabalho: “É fácil compreender que o momento religioso envolve em si o momento cosmogônico; o sagrado revela a realidade absoluta e possibilita com isso uma orientação; fundamenta em consequência o mundo, no sentido de que fixa os limites e erige uma ordem mundial” (M. Eliade, Das Heilige und Profane: Vom Wesen des Religiösen. Coleção Rowohlts Deutsche Enzykopädie, 31, 1960). (VFSTM:172-173)