É certo que na relação básica em que o homem ocidental se colocou face às coisas, a relação sujeito-objeto (sendo ele sempre um sujeito diante de ou contra um objeto), a própria transcendência do sujeito reduziu o mundo à pura res extensa. A negatividade do sujeito, o não-ser-objeto (negar de si a objetividade) como superação e como ir-além do objeto, que no fundo redunda em sua constituição, pois o objeto se constitui ao ser transcendido pelo Ichheit, pela (158) Euidade, nos remete às nascentes do status do objeto no mundo ocidental. A transcendência do sujeito não é aqui amor que expande e amplia o sentido e a operação do amado, não é respeito e obséquio à Vida em todos os seus aspectos, mas é justamente materialização e instrumentalização das aparências, redução da aparência aos esquemas espaciais e geométricos, num universo de realidades inermes. A consciência do homem ocidental que condiciona uma experiência do mundo e do divino é uma luta sem tréguas contra o Bilwelt, contra o mundo das Imagens: é a afirmação do Espírito, do Eu subjetivo-humano, como pura operação invisível e interior, como subjetividade infinita, contra as aparências cósmico-divinas. Se o amor é uma ilimitada franquia ao modo-de-ser do amado, uma pleonexia de seu ser, o ódio, pelo contrário, é uma vontade de extinção e paralisação do objeto do desagrado. A fixação e paralisação do mundo, a sua redução confinante ao puro ser-objeto, é o ódio ao mundo, o rancor às hierofanias cósmico-divinas que surgem do fundo das religiões bíblicas e que condicionaram o modo-de-ser conscienciológico do homem ocidental. A ordem espiritual, representando uma força de superação do mundo, uma ordem sobrenatural, e constituindo em última instância uma indisponibilidade, uma aversão, um ressentimento contra as presenças divinas que não assumissem o tipo teândrico de origem bíblica. Pois, foi justamente o gravame subjetivo de matiz invisível-espiritual que, em sua incidência sobre o mundo das Imagens, que em sua temível erosão ou melhor oclusão da alma-do-mundo e do homem, constituiu o nosso mundo vazio de presenças. Entretanto, como é fácil constatar, essa forma determinante da nossa cultura, esse dinamismo da práxis sujeitiforme não é uma genuína incidência ou epifania do divino, não é um mundo da grandeza e do excelso, mas sim o puro não-ser-mais do Mundo das Imagens. O cogito, enquanto subjetividade representa justamente um transcender como verdadeira vis at ergo, como suscitação de um ocorrer que ocorre como ocorrer do nada. Eis por que Nietzsche tinha razão ao definir o avanço da história ocidental como o preamar do niilismo, isto é, do Nihil, do Nada.
Ferreira da Silva (2010:158-159) – sujeito-objeto
- Ferreira da Silva (2009:47-49) – O homem é liberdade
- Ferreira da Silva (2009:49-50) – a façanha do eu
- Ferreira da Silva (2009:51-53) – Diagnosis
- Ferreira da Silva (2010:101-105) — A nova compreensão do ser
- Ferreira da Silva (2010:103-104) – experiência idônea do ser
- Ferreira da Silva (2010:105-106) – mito
- Ferreira da Silva (2010:117-118) — Hirt des Seins – pastores do ser
- Ferreira da Silva (2010:121-125) – o “ser” in-fuso
- Ferreira da Silva (2010:152-156) – corpo
- Ferreira da Silva (2010:172-173) — ser-no-mundo