O homem fala. Falamos quando acordados e em sonho. Falamos continuamente. Falamos mesmo quando não deixamos soar nenhuma palavra. Falamos quando ouvimos e lemos. Falamos igualmente quando não ouvimos e não lemos e, ao invés, realizamos um trabalho ou ficamos à toa. Falamos sempre de um jeito ou de outro. Falamos porque falar nos é natural. Falar não provém de uma vontade especial. Costuma-se dizer que por natureza o homem possui linguagem. Guarda-se a concepção de que, à diferença da planta e do animal, o homem é o ser vivo dotado de linguagem. Essa definição não diz apenas que, dentre muitas outras faculdades, o homem também possui a de falar. Nela se diz que a linguagem é o que faculta o homem a ser o ser vivo que ele é enquanto homem. Enquanto aquele que fala, o homem é: homem. Essas palavras são de Wilhelm von Humboldt. Mas ainda resta pensar o que se chama assim: o homem.
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O que significa falar [sprechen]? Segundo a opinião corrente: a fala é uma atividade dos órgãos que servem para a emissão de sons e para a escuta. Fala é expressão e comunicação sonora de movimentos da alma humana. Esses movimentos são acompanhados por pensamentos. De acordo com essa caracterização da linguagem sustentam-se três posições:
Considera-se, primeiro e sobretudo, que fala é expressão. A representação da linguagem como expressão é a mais habitual. Pressupõe a ideia de um interior que se exterioriza. A representação mais exterior à linguagem a considera como expressão e isso precisamente quando se explica a expressão pelo recurso de uma interioridade.
Considera-se, em segundo lugar, que falar é uma atividade humana. Nesse sentido, devemos dizer que o homem fala, e que ele sempre fala uma língua. Então não podemos dizer: a linguagem fala. Pois isso significaria que é a linguagem que propicia e con-cede o homem. Assim pensado, o homem seria uma promessa da linguagem.
Considera-se, por fim, que a expressão do homem é uma representação e apresentação do real e do irreal.
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A linguagem fala. O que acontece com essa sua fala? Onde encontramos a falada linguagem? Sobremaneira no que se diz. No dito, a fala se consuma, mas não acaba. No dito, a fala se resguarda. No dito, a fala recolhe e reúne tanto os modos em que ela perdura como o que pela fala perdura — seu perdurar, seu vigorar, sua essência. Contudo, na maior parte das vezes e com frequência, o dito nos vem ao encontro como uma fala que passou.
Se devemos buscar a fala da linguagem no que se diz, faríamos bem em encontrar um dito que se diz genuinamente e não um dito qualquer, escolhido de qualquer modo. Dizer genuinamente é dizer de tal maneira que a plenitude do dizer, própria ao dito, é por sua vez inaugural. O que se diz genuinamente é o poema. Deixemos essa frase soar, por enquanto, como simples asserção. Precisamos agir assim, caso seja possível escutar num poema o que se diz genuinamente. Mas que poema é capaz de nos falar? Agora só temos uma escolha, assegurada contra qualquer arbitrariedade. O que confere essa segurança? O que já está sendo pensado como a essência da linguagem quando pensamos desde a fala da linguagem. Seguindo essa condição, escolheremos como o que se diz genuinamente um poema, que mais do que outros pode nos ajudar a dar os primeiros passos na experiência do condicionante dessa condição. [GA12MSC:7-12]
Falamos a linguagem. Que outra proximidade da linguagem possuímos senão a fala? Mesmo assim, nossa relação com a linguagem mantém-se indeterminada, obscura, quase indizível. Refletindo sobre essa estranha conjuntura, dificilmente conseguimos evitar a impressão de estranheza e incompreensibilidade que acompanha uma tal observação. Por isso, é indispensável perdermos o hábito de só ouvir o que já compreendemos. Esse conselho não vale apenas para cada ouvinte em particular. Vale sobremaneira para aquele que pretende falar sobre a linguagem e isso ainda mais quando essa fala tem a intenção de mostrar possibilidades que nos permitam atentar para a linguagem e para a nossa relação com a linguagem [Sprache]. [GA12MSC:122]