Wesen
Essenz
A questão da essência da verdade se origina da questão da verdade da essência. Aquela questão entende essência, primeiramente, no sentido de quididade (quidditas) ou de realidade (realitas) e entende a verdade como uma característica do conhecimento. A questão da verdade da essência entende essência em sentido verbal e pensa, nesta palavra, ainda permanecendo no âmbito da representação metafísica, o ser (Seyn) como a diferença que impera entre ser e ente. Verdade significa o velar iluminados enquanto traço essencial do ser (Seyn). A questão da verdade encontra sua resposta na proposição: a essência é a verdade da essência. Após a explicação descobre-se, com facilidade, que a proposição não inverte simplesmente um aglomerado de palavras, nem quer suscitar a impressão de paradoxo. O sujeito da proposição é, caso esta fatal categoria gramatical ainda possa ser usada, a verdade da essência. O velar iluminados é, quer dizer, faz com que se desdobre (Wesen) a concordância entre conhecimento e ente. A proposição não é dialética. Não é de maneira alguma uma proposição no sentido de uma enunciação. A resposta à questão da essência da verdade é a dicção de uma viravolta no seio da história do ser (Seyn). Porque ao ser pertence o velar iluminados, aparece ele originariamente à luz da retração que dissimula. O nome desta clareira é aletheia. [Mheidegger, SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE]
Mesmo aqui, porém, como em um exercício preparatório, precisamos tentar aquele dizer pensante da filosofia que advém de um outro início. Quanto a ele vale o seguinte: esse dizer nem descreve nem explica, nem anuncia nem instrui; não se tem aqui o dizer ante o que tem para ser dito, mas o dizer é ele mesmo como a essenciação do seer. Esse dizer reúne o seer em uma primeira ressonância de sua ESSÊNCIA e só soa mesmo a partir dessa ESSÊNCIA. [tr. Casanova; GA65: 1]
O tempo dos “sistemas” passou. O tempo da construção da figura essencial do ente a partir da verdade do seer ainda não chegou. Entrementes, a filosofia precisa ter empreendido algo essencial em meio à transição para o outro início: o projeto, isto é, a abertura fundante do campo de jogo tempo-espacial da verdade do seer. Como podemos realizar essa tarefa única? Permanecemos aqui sem precursores e sem uma base de sustentação. Meras variações do que se teve até aqui, por mais que aconteçam com a ajuda das maiores misturas possíveis de modos de pensar historicamente conhecidos, não nos fazem sair do lugar. E todo e qualquer tipo de escolástica de visões de mundo se encontra completamente fora da filosofia porque só podem persistir sobre a base da negação da dignidade de questão do seer. A filosofia tem a sua própria dignidade não dedutível e incalculável na dignificação do que é digno de questão. Todas as decisões sobre seu agir são tomadas a partir da preservação dessa dignidade e enquanto preservações dessa dignidade. No entanto, no reino do que há de mais digno de questão, o agir só pode ser um questionar único. Se em algum de seus tempos encobertos a filosofia tem de se decidir, com a clareza de seu saber, por sua ESSÊNCIA, então isso tem de se dar na transição para o outro início. [tr. Casanova; GA65: 1]
O outro início do pensamento é assim denominado não porque possua uma forma diversa da que possuia qualquer outra filosofia até aqui, mas porque precisa ser o unicamente outro a partir da ligação com o início unicamente uno e primeiro. A partir dessa articulação mútua de um início com o outro já está também determinado o modo da meditação pensante característico da transição. O pensamento inserido na transição empreende o projeto fundante da verdade do seer como uma meditação histórica. A história não é aí o objeto e a circunscrição de uma consideração, mas aquilo que o questionar pensante primeiramente desperta e obtém como o sítio de suas decisões. O pensamento no interior da transição coloca o primeiro movimento de essenciação do seer da verdade e o porvir mais extremo da verdade do seer em discussão e dá voz, em meio a essa discussão, à ESSÊNCIA até aqui inquestionada do seer. No saber do pensamento inserido na transição, o primeiro início permanece decisivo como primeiro e é, entretanto, superado como início. Para esse pensamento, a reverência mais clara em relação ao primeiro início, que abre, além disso, pela primeira vez, o seu caráter único, precisa caminhar lado a lado com a ausência de um olhar para trás – uma ausência inerente à virada de outro questionar e dizer. [tr. Casanova; GA65: 1]
Em sua ESSÊNCIA raramente experimentada, o perguntar é, assim, totalmente diverso do que apresenta a aparência de sua inessência, a fim de retirar tão frequentemente dos desencorajados a sua derradeira dose de coragem. Mas eles tampouco pertencem, então, ao anel invisível que envolve aqueles, aos quais o aceno do seer responde em meio ao perguntar. [tr. Casanova; GA65: 4]
Nós já nos movimentamos, apesar de em um primeiro momento apenas transitoriamente, em uma outra verdade (na ESSÊNCIA transformada e mais originária de “verdadeiro” e “correto”). A fundação dessa ESSÊNCIA naturalmente exige um empenho do pensar, tal como ele só precisou ser levado a termo no primeiro início do pensar ocidental. Esse empenho é para nós estranho, porque nós não pressentimos nada daquilo que exige o domínio do simples. Os homens atuais mesmo, que quase não são dignos de serem citados em um abandono deles, permanecem excluídos do saber do caminho pensante; eles se refugiam em “novos” conteúdos e dão e arranjam para si, com a introdução do “politico” e “racial” um adorno até aqui não conhecido das antigas peças de aparelhamento da filosofia escolar. [tr. Casanova; GA65: 5]
Se falamos de deus e de deuses, pensamos segundo um longo hábito da representação sob a forma que é indicada pelo nome que, naturalmente, já diz nele mesmo muitas coisas, o nome de “transcendência”. Tem-se em vista com a “transcendência” algo tal que ultrapassa o ente presente à vista e, entre esse ente, sobretudo o homem. Mesmo lá, onde modos particulares do que ultrapassa e do que é ultrapassado são negados, esse modo de pensar ele mesmo não se deixa de qualquer modo negar. De acordo com ele, é possível até mesmo conquistar uma visão panorâmica sobre as “visões de mundo” atuais: 1) O transcendente (de maneira inexata também chamado de “a transcendência”) é o Deus do Cristianismo. 2) Essa “transcendência” é negada e o próprio “povo” – bastante indeterminado em sua ESSÊNCIA – é estabelecido como meta e finalidade de toda a história. Essa “visão de mundo” anticristã é apenas aparentemente não cristã; pois ela concorda, de qualquer forma, no essencial com aquele modo de pensar, que caracteriza o “liberalismo”. 3) O transcendente é aqui uma “ideia” ou “valores” ou um “sentido”, algo pelo que nem se vive, nem se morre, mas que deve se realizar por meio da “cultura”. 4) A cada vez duas dessas transcendências – ideias populistas e Cristianismo, ou ideias populistas e política cultural, ou Cristianismo e cultura – ou, contudo, todas as três encontram-se misturadas em diversos graus de determinação. E esse construto misto é a “visão de mundo” hoje mediana e predominante, na qual tudo é também visado e nada mais pode chegar a uma decisão. [tr. Casanova; GA65: 7]
Por mais diversa, porém, que sejam essas visões de mundo e por mais violentamente que elas se combatam velada ou abertamente – se é que o chafurdar no não decidido ainda tem o direito de ser chamado de luta –, todas elas concordam em um primeiro momento, sem que o saibam e sem refletir sobre isso, quanto ao fato de que o homem é estabelecido como aquilo que já se conhece em sua ESSÊNCIA, como o ente, com vistas ao qual e a partir do qual toda e qualquer “transcendência” é determinada e, em verdade, como aquilo que o homem deve determinar. Mas isso se tornou fundamentalmente impossível, porque o homem já é fixado em sua determinabilidade, ao invés de determiná-lo para aquilo que precisa ser tres-loucado a partir da fixação até aqui, para assim ser afinado pela primeira vez com vistas à determinabilidade. Como, porém, o homem deve ser tresloucado e levado para fora de seu caminho fixo, ao qual pertence sobretudo o domínio daquelas “transcendências” e de suas misturas? Se ele precisa levar a termo algo desse gênero, então a pretensão da dotação de medida não é ainda maior do que lá onde ele permanece simplesmente estabelecido como o critério de medida? [tr. Casanova; GA65: 7]
Somente se mensuramos o quão unicamente necessário o ser é e como ele não se essencia como o próprio deus; somente se tivermos determinado nossa ESSÊNCIA com vistas a esses abismos entre o homem e o seer e entre o seer e os deuses, somente então os “pressupostos” começarão uma vez mais a serem efetivamente realizados para uma “história”. Por isto, em termos de pensamento, a única coisa que se mostra como válida é a meditação com vistas ao “acontecimento apropriador”. Por fim e em primeiro lugar, o “acontecimento apropriador” só pode ser re-pensado (compelido para diante do pensar inicial), se o seer mesmo for concebido como o “entre” para o passar ao largo do último deus e para o ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 7]
1) Acontecimento apropriador: a luz segura da essenciação do seer no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre aberto no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no acontecimento apropriador e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na verdade do seer. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do seer e não fundamento para o abandono do ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao acontecimento apropriador no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O ser-aí é o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do acontecimento apropriador e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O acontecimento apropriador e o ser-aí estão em sua ESSÊNCIA, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a meditação sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. [tr. Casanova; GA65: 11]
Será que está determinada para nós futuramente uma história totalmente diversa daquilo que parece ser hoje considerado como história: a turva caçada às ocorrências que devoram a si mesmas e que só se deixam fixar ainda por meio do mais estridente barulho? Se é que uma história, ou seja, um estilo do ser-aí, ainda nos deve ser doado, então isto só pode ser a história velada da grande tranquilidade, na qual e como a qual o domínio do último deus abre e configura o ente. Portanto, a grande tranquilidade precisa primeiramente se abater sobre o mundo para a terra. Essa tranquilidade emerge apenas do silêncio. E esse silenciamento só desponta da retenção. Ela atravessa de maneira afinadora enquanto tonalidade afetiva fundamental a intimidade da contenda entre mundo e terra e, com isto, a contestação do ataque da apropriação em meio ao acontecimento. O ser-aí como contestação dessa contenda tem sua ESSÊNCIA no abrigo da verdade do seer, isto é, do último deus em meio ao ente. [tr. Casanova; GA65: 13]
Cortam de nós a palavra; não como uma ocorrência ocasional, junto à qual não teria lugar um discurso e um enunciado realizável e onde apenas o enunciar e o redizer o que já foi dito e o que é dizível não são levados a termo, mas originariamente. A palavra não ganha ainda de modo algum a palavra, por mais que ela chegue ao primeiro salto por meio de tal corte. O que corta a palavra é o acontecimento apropriador enquanto aceno e acometimento do seer. O fato de se cortar a palavra é a condição inicial para a possibilidade que se desdobra de uma denominação originária – poética – do seer. Linguagem e a grande tranquilidade, a proximidade simples da ESSÊNCIA e a distância clara do ente, quando a palavra atua uma vez mais pela primeira vez. Quando chegará esse tempo? A retenção: o suportar criador no a-bismo. [tr. Casanova; GA65: 13]
Que agora, porém, a crença política total e, do mesmo modo, a fé cristã total se imiscuam, contudo, em meio à sua incompatibilidade, no equilíbrio e na tática, é algo que não pode causar espanto. Pois elas possuem a mesma ESSÊNCIA. Como posturas totais encontra-se à sua base a recusa às decisões essenciais. Sua luta não é nenhuma luta criadora, mas “propaganda” e “apologética”. [tr. Casanova; GA65: 14]
A questão é que, na medida em que e logo que a filosofia se reencontra em sua ESSÊNCIA inicial (no outro início) e a questão acerca da verdade do seer se torna o meio fundante, desentranha-se o elemento abissal da filosofia, que precisa retornar ao inicial, para trazer ao espaço livre de sua meditação a abertura do fosso abismai e o para-além-de-si, o estranho e constantemente inabitual. [tr. Casanova; GA65: 14] [A impotência do pensar] Ela parece ser evidente, sobretudo quando considerada como poder: a força do efeito e da imposição imediatos. O que acontece, porém, se “poder” significar: fundação e fixação na ESSÊNCIA a partir da “faculdade” da transformação? Mesmo então, ainda não se terá decidido nada em relação à impotência e ao poder do pensar. [tr. Casanova; GA65: 18]
Si mesmo – isto não significa que nós nos colocamos na mobilização do ser, ou seja, que temos de antemão a “nós mesmos” em vista e sob controle, não significa que estamos junto a nós mesmos? Por meio do que e como o homem se acha seguro daquilo que ele é junto a si e não apenas junto a uma aparência e a uma dimensão superficial de sua ESSÊNCIA? Nós conhecemos a nós – mesmos? Como é que devemos ser nós mesmos, se não somos nós mesmos? E como é que podemos ser nós mesmos, sem sabermos quem somos nós, para que estejamos certos de sermos aqueles que somos? [tr. Casanova; GA65: 19]
Na questão “quem somos nós” reside e se encontra a questão de saber se nós somos. As duas questões são indissociáveis, e essa indissociabilidade é apenas uma vez mais a indicação da ESSÊNCIA velada do ser do homem, e, em verdade, da ESSÊNCIA histórica. [tr. Casanova; GA65: 19]
Caso aconteça essa segunda opção, então todas as experiências e realizações não serão levadas a termo senão como expressão da “vida” segura de “si mesma” e consideradas, por isso, como organizáveis. Por princípio, não há nenhuma experiência que pudesse colocar o homem algum dia para além de si mesmo em meio a um âmbito inexplorado, a partir do qual o homem de até aqui poderia se tornar questionável. Isto, a saber, aquela segurança de si, é a ESSÊNCIA mais íntima do “liberalismo” que, ao que parece, quer se desenvolver livremente precisamente por isto e que pode prescrever para si o progresso por toda a eternidade. Por isto, “visão de mundo”, “personalidade”, “gênio” e “cultura” são as peças desse grande aparato e os “valores”, que de um modo ou de outro precisam ser realizados. [tr. Casanova; GA65: 19]
Aqui, de fato, o questionamento da questão: quem somos nós é mais perigoso do que toda e qualquer adversidade diversa, que tenha vindo um dia ao nosso encontro no mesmo plano de uma certeza sobre o homem (a forma final do marxismo, que não tem algo em comum em sua ESSÊNCIA nem com o judaísmo, nem muito menos com o imperialismo russo; se é que dormita ainda em algum lugar um espiritualismo não desdobrado, então isso acontece no povo russo; o bolchevismo é originariamente ocidental, europeu; a emergência das massas, a indústria, a técnica, a extinção do Cristianismo; na medida, porém, em que o domínio da razão como equiparação de todos é apenas a consequência do Cristianismo e esse no fundo é de origem judaica [cf a ideia nietzschiana de levante dos escravos na moral], o bolchevismo é de fato judeu; mas, então, mesmo o Cristianismo é no fundo bolchevista! E que decisões não se tornam necessárias a partir daqui?). Mas a periculosidade da questão sobre quem somos nós é ao mesmo tempo, se é que o perigo pode impingir o extremo, o único caminho, para chegarmos a nós mesmos e, com isto, para abrirmos uma via para a salvação originária, isto é, para a justificação do Ocidente a partir de sua história. [tr. Casanova; GA65: 19]
No âmbito da questão diretriz, a concepção da ESSÊNCIA é determinada a partir da entidade (ousia – koinon); e a essencialidade da ESSÊNCIA reside em sua maior universalidade possível. Isto significa o seguinte na direção contrária: o particular e o múltiplo, o que está voltado para o conceito de ESSÊNCIA e aquilo a partir do que esse conceito é estabelecido, são arbitrários; sim, precisamente a arbitrariedade do ente, arbitrariedade essa que, contudo, indica precisamente o pertencimento à ESSÊNCIA, é essencial. [tr. Casanova; GA65: 29]
Onde, em contrapartida, o seer é concebido como acontecimento apropriador, determina-se a essencialidade a partir da originariedade e unicidade do próprio seer. A ESSÊNCIA não é o universal, mas a essenciação precisamente da respectiva unicidade e do nível hierárquico do ente. [tr. Casanova; GA65: 29]
A questão da ESSÊNCIA contém em si o decisivo, que domina agora fundamentalmente a questão do ser. Projeto é estabelecimento de um nível hierárquico e decisão. O princípio do pensar inicial é, por isto, duplicado: toda ESSÊNCIA é essenciação. Toda essenciação determina-se a partir do essencial no sentido do originariamente único. [tr. Casanova; GA65: 29]
Filosofia: encontrar e trazer à tona as faces simples e as figuras autóctones, nas quais a essenciação do seer é abrigada e elevada ao nível do coração. Quem conseguiria as duas coisas: a visão mais distante da ESSÊNCIA velada do seer e o sucesso mais imediato da figura brilhante do ente que abriga. Como é que criamos, saltando de antemão para o interior da essenciação do seer, para o seer a afluência de seu ente, para que a verdade do seer retenha a força histórica duradoura enquanto impulso? Para o pensar resta apenas o dizer maximamente simples da imagem direta em meio ao mais puro silêncio. O primeiro pensador por vir precisa conseguir isso. [tr. Casanova; GA65: 32]
O projeto tem por intuito aquilo que só pode ser querido na tentativa do pensar inicial, que sabe algo ínfimo sobre si mesmo: ser uma junção livre e fugidia desse pensar. Isto quer dizer: 1) No rigor da estrutura armada na construção, nada é deixado para trás, como se o importante fosse – e isto é sempre válido na filosofia – o impossível: conceber a verdade do seer na profusão plenamente desdobrada de sua ESSÊNCIA fundamentada. 2) Aqui só é possível a disposição sobre um caminho, que um singular pode abrir para si, prescindindo de vislumbrar a possibilidade de outros caminhos, talvez mesmo mais essenciais. 3) A tentativa precisa ter clareza quanto ao fato de que as duas, estrutura armada conjunta e disposição, permanecem uma junção livre e fugidia do próprio seer, do aceno e da retração de sua verdade, algo não passível de ser imposto. [tr. Casanova; GA65: 39]
A transformação do homem visa aqui ao tornar-se outro de sua ESSÊNCIA, na medida em que, na interpretação válida até aqui (animal rationale), essa ESSÊNCIA permaneceu, em verdade, psicologicamente escondida e mal interpretada. A ligação com o ente chegou a ser até concomitantemente visada, mas não foi fundada e desdobrada como o fundamento da ESSÊNCIA. Pois isto inclui formular de maneira questionadora a pergunta acerca da verdade do seer e “a metafísica”. No pensar da história do ser ganha pela primeira vez o espaço livre o poder essencial da niilidade e da inversão. [tr. Casanova; GA65: 41] [As decisões] Sobre se o homem quer permanecer “sujeito” ou se ele funda o ser-aí – Sobre se com o sujeito o “animal” enquanto a “substância” e o “racional” enquanto a “cultura” devem permanecer duradouramente ou se a verdade do seer (ver abaixo) encontra no ser-aí um sítio deveniente – Sobre se o ente toma o ser como o seu “elemento maximamente genérico” e, com isso, o entrega à e soterra na ontologia ou se o seer em sua unicidade ganha voz e atravessa de maneira afinadora o ente enquanto algo singular. Sobre se a verdade como correção se degenera na certeza da re-presentação e na segurança do cálculo e da vivência ou se a ESSÊNCIA inicialmente infundada da aletheia encontra um fundamento como a clareira do encobrir-se – Sobre se o ente enquanto o que há de mais óbvio solidifica tudo o que é médio, pequeno e mediano em meio à sua transformação em algo racional ou se o que há de mais questionável constitui a solidez integral do seer – Sobre se a arte é uma instituição vivencial ou se ela é o pôr em obra da verdade. Sobre se a história é degradada e transformada em arsenal das confirmações e das antecipações ou se ela desponta como a cordilheira das montanhas estranhas e inescaláveis – Sobre se a natureza é rebaixada a uma região de espoliação pelo cálculo e pelo erigir e se transforma, assim, em ocasião de “vivência” ou se ela suporta como a terra que se cerra o aberto do mundo sem imagem. Sobre se a desdeização do ente na cristianização da cultura festeja seus triunfos ou se a indigência da indecidibilidade sobre a proximidade e a distância dos deuses prepara um espaço de decisão – Sobre se o homem ousa o seer e, com isso, o ocaso ou se ele se satisfaz com o ente – Sobre se o homem em geral ainda ousa a decisão ou se ele se entrega a ausência de toda decisão, que sugere a época como estado da “mais elevada” “atividade”. Todas essas decisões, que são ao que parece muitas e diversas, se reúnem em uma e única: saber se o seer se retrai definitivamente ou se essa retração se torna enquanto recusa a primeira verdade e o outro início da história. [tr. Casanova; GA65: 44]
A expressão também não significa, porém, o seer “verdadeiro”, por exemplo, mesmo no significado obscuro, que visa ao ente “verdadeiro”, veraz, efetivo. Pois já se pressupõe aqui uma vez mais um conceito de “realidade efetiva” e já se subsume esse conceito ao seer como critério de medida, enquanto o seer não empresta apenas, contudo, ao ente o que ele é, mas desdobra antes de tudo para si mesmo a partir de sua ESSÊNCIA a verdade que lhe é apropriada. Essa verdade do seer não é de modo algum algo diverso do seer, mas a sua ESSÊNCIA mais própria, e, por isso, cabe à história do seer saber se ele doa ou recusa essa verdade e a si mesmo e, assim, traz pela primeira vez para a sua história o elemento abissal. O aceno para o fato de que os conceitos correntes de “verdade” e a não diferenciação corrente entre “ser” e “ente” conduzem a uma interpretação falsa da verdade do seer e, antes de tudo, já sempre pressupõem essa interpretação, pode se desfigurar, no entanto, ele mesmo, induzindo-nos em erro, se ele puder admitir a conclusão: o que se precisaria fazer, então, seria apenas enunciar os “pressupostos” inexpressos, como se pressupostos fossem apreensíveis, sem que o posicionado enquanto tal fosse concebido. O retorno a “pressupostos” e “condições” tem no interior do ente e da interpretação do ente com vistas à sua entidade no sentido da representidade (e já da idea) um sentido e um direito, e ele se tornou, por isto, em múltiplas modulações, a forma fundamental do pensamento “metafísico”; e isto a tal ponto que mesmo a superação da “metafísica” não pôde escapar de um entendimento inicial desse modo de pensar. [tr. Casanova; GA65: 44]
A história ocidental da metafísica ocidental é a “prova” de que a verdade do seer não pôde se tornar questão, e o aceno para os motivos dessa impossibilidade. O mais tosco desconhecimento da verdade do seer, contudo, residiria em uma “lógica” da filosofia. Pois essa é uma retransposição consciente ou inconsciente da “teoria do conhecimento” para si mesma. A “teoria do conhecimento”, porém, é apenas a forma da perplexidade da metafísica moderna diante de si mesma. A confusão chega ao seu ápice, quando, então, essa “teoria do conhecimento” se arroga ainda uma vez como “metafísica do conhecimento”; o cálculo na calculadora da “aporética” e a “discussão aporética” “em si” de “direções” e de “fronts de problemas” presentes à vista se tomam, e, em verdade, com plena razão, o método da erudição filosófica mais moderna. Esses são apenas os últimos prolongamentos do processo, por meio do qual a filosofia perde a sua ESSÊNCIA e se degenera na mais tosca ambiguidade, porque o que parece ser filosofia inequivocamente não pode ser mais uma tal para aquele que sabe. E, por isto, todas as tentativas de dizer o que não é a verdade do seer também precisam se haver com o fato de que elas no máximo fornecem um novo alimento para a obtusidade ignorante das más interpretações ulteriores, caso tais elucidações sejam elucidações da crença de que a não filosofia poderia ser transformada pela instrução em filosofia. Com certeza, a meditação sobre aquilo que a verdade do seer não é, porém, é essencial como uma meditação histórica, na medida em que ela pode auxiliar a tornar os movimentos fundamentais nas posições metafísicas fundamentais do pensar ocidental mais transparentes e o velamento da história do ser mais penetrante. [tr. Casanova; GA65: 44]
Por que a verdade do seer não é nenhum suplemento e nenhum quadro para o seer e mesmo nenhum pressuposto, mas a ESSÊNCIA mais íntima do seer mesmo? [tr. Casanova; GA65: 44]
O saber sobre o constante ser pensado do raro pertence à vigília para o seer, cuja ESSÊNCIA enquanto a verdade mesma irradia no escuro de sua própria ardência. [tr. Casanova; GA65: 44]
Abandono do seer é, no fundo, uma de-generescência do seer. A ESSÊNCIA é perturbada e só ganha a verdade como correção da re-presentação – noein – dianoein – idea. O ente permanece o que se presenta, e propriamente ente é o constantemente presente e, assim, o que a tudo con-diciona, o in-condicionado, o ab-soluto, ens entium, Deus etc. Todavia, que acontecimento de que história é esse abandono? Há uma história do seer? E o quão raramente e quase nunca ela vem encoberta à luz? [tr. Casanova; GA65: 55]
Aqui, no entanto, o seer nunca é experimentado enquanto tal, mas sempre concebido apenas no círculo de visão da questão diretriz do ente: ón he ón, e, assim, em certa medida com razão, como o que é comum a tudo (a saber, o ente enquanto o “efetivamente real” e como presente à vista). O modo como aqui, no círculo de visão da questão diretriz, é preciso que se alcance e se tome o seer, lhe é ao mesmo tempo atribuído como ESSÊNCIA. E, nesse caso, isso é de qualquer modo apenas um modo de uma apreensão bastante questionável em um con-ceito ainda mais questionável. [tr. Casanova; GA65: 56]
O abandono do ser determina uma era única na história da verdade do seer. Trata-se do longo tempo, no qual a verdade hesita entregar a sua ESSÊNCIA à claridade. O tempo do perigo do passar ao largo de toda decisão essencial, o tempo da recusa à luta pelos critérios de medida. [tr. Casanova; GA65: 57]
Parece ser uma lei da maquinação, cujo fundamento ainda não foi investigado, o fato de que ela, quanto mais normativamente ela se desdobra – assim na Idade Média e na Modernidade –, tanto mais tenaz e maquinacionalmente ela se encobre enquanto tal; na Idade Média por detrás do ordo e da analogia entis, na Modernidade por detrás do caráter do que se encontra contraposto e da objetividade como as formas fundamentais da realidade efetiva e, com isso, da entidade. E com essa primeira lei da maquinação está articulada uma segunda: quanto mais decididamente desse modo a maquinação se encobre, tanto mais ela impele ao predomínio daquilo que, segundo sua ESSÊNCIA, parece ser completamente contraposto a ela, mas que, contudo, possui a mesma ESSÊNCIA que ela, a vivência. Assim, insere-se uma terceira lei: quanto mais incondicionadamente a vivência se mostra como medida da correção e da verdade (e, com isso, da “realidade efetiva” e da constância), tanto mais sem perspectivas se torna o fato de que, a partir daí, se realize um conhecimento da maquinação enquanto tal. [tr. Casanova; GA65: 61]
A emergência da ESSÊNCIA maquinal do ente é difícil de ser concebida historicamente, porque ela se efetivou desde o primeiro início do pensar ocidental (mais exatamente, desde a queda da aletheia). [tr. Casanova; GA65: 67]
A ESSÊNCIA maquinal sob a figura do ens enquanto ens creatum precisa ser mostrada em primeiro lugar. Pela via da superação da metafísica, o certum precisa ser interpretado com vistas ao elemento maquinal e, com isso, esse elemento precisa ser decidido. [tr. Casanova; GA65: 67]
O quantitativo (quantitas) pode vir à tona como categoria porque ele é no fundo a ESSÊNCIA (in-essência) do seer mesmo, mas esse seer mesmo é buscado de início apenas na entidade do ente enquanto o presentemente constante. [tr. Casanova; GA65: 70]
Por que o gigantesco não conhece o supérfluo? Porque ele emerge do movimento de tornar secreta uma falta e esse tornar secreto coloca sob a aparência de uma publicação não obstruída de uma posse. Como o gigantesco nunca conhece o supér-fluo, o inesgotado in-esgotável, o simples também precisa permanecer vedado para ele. Pois a simplicidade essencial emerge da profusão e de seu domínio. A “simplicidade” do gigantesco é apenas uma aparência, que deve esconder o vazio. Mas na instituição de todas essas aparências, o gigantesco tem a sua própria e única ESSÊNCIA. [tr. Casanova; GA65: 70]
O seer abandonou tão fundamentalmente o ente e esse é a tal ponto entregue à maquinação e ao “vivenciar”, que necessariamente aquelas tentativas aparentes de salvação da cultura ocidental, assim como toda “política cultural”, precisam se tornar a figura mais insidiosa, e, com isso, a figura mais elevada do niilismo. E esse é um processo que não está articulado com homens particulares e suas ações e doutrinas, mas que apenas expulsa a ESSÊNCIA interna do niilismo para o interior da mais pura figura que lhe é atribuída. A meditação sobre isso carece naturalmente já de um ponto de vista, a partir do qual nem uma ilusão por parte das coisas muito “boas”, “progressistas” e “gigantescas”, que são realizadas, nem mesmo um mero desespero vem à tona, desespero esse que só não fechou os olhos ainda diante da completa ausência de sentido. Esse ponto de vista, que funda ele mesmo para si de maneira nova pela primeira vez tempo e espaço, se mostra como o ser-aí que ganha de modo primordial o saber sobre o seer ele mesmo como a recusa e, com isso, como o acontecimento apropriador. Na experiência fundamental de que o homem como fundador do ser-aí é usado pela divindade do outro deus abre-se a preparação da superação do niilismo. Mas o elemento mais incontomável e mais pesado nessa superação é o saber sobre o niilismo. Esse saber não pode permanecer preso nem à palavra, nem à primeira elucidação do que se tem em vista por meio de Nietzsche, mas é preciso reconhecer como a sua ESSÊNCIA o abandono do ser. [tr. Casanova; GA65: 72]
O abandono do ser é a consequência de início previamente conformada da interpretação da entidade do ente a partir do fio condutor do pensar e da precipitação primeva, condicionada por meio daí, da aletheia não fundada expressamente. Como, então, contudo, na Modernidade e enquanto Modernidade, a verdade assume a figura da certeza, como essa certeza se firma sob a forma do pensar, que pensa a si mesmo imediatamente, do ente como aquilo que se encontra contra-posto re-presentado, e como a fundamentação da Modernidade consiste na fixação desse elemento fixo; além disso, como essa certeza do pensar se desdobra na instituição e no empreendimento da “ciência” moderna, o abandono do ser (e, isto significa, a retenção da aletheia até a sua coação a se manter reprimida em meio ao esquecimento) é decidido concomitantemente pela ciência moderna, e, em verdade, sempre apenas, na medida em que ela pretende ser um ou até mesmo o saber normativo. Por isto, uma meditação sobre a ciência moderna e sobre a sua ESSÊNCIA maquinalmente enraizada no interior da tentativa de um aceno para o abandono do ser como ressonância do seer é incontornável. [tr. Casanova; GA65: 73]
Um deles concebe a ciência não como a instituição agora presente, mas como uma possibilidade determinada do desdobramento e da construção de um saber, cuja ESSÊNCIA mesma só se vê enraizada em uma fundamentação mais originária da verdade do seer. Essa fundamentação realiza-se como primeira confrontação com o início do pensamento ocidental e vem a ser, ao mesmo tempo, o outro início da história ocidental. A meditação assim dirigida sobre a ciência retorna de maneira igualmente decidida para o sido, assim como ela antecipa de maneira ousada um porvir. Ela não se movimenta em parte alguma na discussão de algo presente e de sua fabricação imediata. Calculada a partir do presente, essa meditação sobre a ciência se perde no efetivamente irreal, o que de imediato significa também para todo o cálculo o impossível. [tr. Casanova; GA65: 75]
O outro caminho, que estaria prelineado nas seguintes sentenças diretrizes, concebe a ciência em sua constituição atual real e efetiva. Essa meditação tenta conceber a ESSÊNCIA moderna da ciência segundo as aspirações que lhe são pertinentes. Como meditação, porém, ela também não é nenhuma mera descrição de um estado presente à vista, mas a exposição de um processo, na medida em que esse processo conflui para uma decisão sobre a verdade da ciência. Essa meditação permanece dirigida pelos mesmos critérios de medida que a primeira e não é senão o reverso daquela. [tr. Casanova; GA65: 75]
10) Na medida em que “a ciência” tem na investigação integral de sua região a única tarefa que lhe é própria, a ciência mesma porta em si o traço de uma elevação da posição de primado do avanço e do procedimento em face da própria região de objetos. A questão decisiva para a ciência enquanto tal não é que caráter essencial tem o ente mesmo que se acha à base da sua região de objetos, mas se com esse ou com aquele procedimento é possível esperar por um “conhecimento”, isto é, por um resultado para a investigação. Diretriz é o olhar para a instituição dos “resultados” e para a colocação dos “resultados” à disposição. Os resultados e até mesmo o seu caráter imediata e inteiramente próprio para a utilização asseguram a correção da investigação, correção científica essa que é considerada como a verdade de um saber. Ao se reportar aos “resultados” e à sua utilidade, “a” ciência precisa buscar a partir de si a ratificação de sua necessidade (não faz em ESSÊNCIA nenhuma diferença se, nesse caso, “a ciência” se justifica como “valor cultural” ou como “serviço ao povo” ou como “ciência política”, razão pela qual, então, todas as justificativas e “dotações de sentido” desse tipo correm umas através das outras e se comprovam cada vez mais, apesar da aparente inimizade, como se copertencendo). Só uma ciência inteiramente moderna (isto é, “liberal”) pode ser uma “ciência popular”. Só a ciência moderna permite, com base na posição de primado do procedimento em face da coisa e da correção do juízo em face da verdade do ente uma comutação regulável sempre e a cada vez de acordo com a necessidade e com vistas a diversas finalidades (levar a termo o materialismo e o tecnicismo decisivos no bolchevismo; entrada em ação no plano quadrienal; utilização para a educação política). “A” ciência é aqui por toda parte a mesma, e ela se torna por meio desses diversos estabelecimentos de finalidades no fundo cada vez mais uniforme, isto é, “internacional”. Como a “ciência” não é nenhum saber, mas a instituição de correções em uma região explicativa, “as ciências” também experimentam necessariamente a partir do estabelecimento de finalidades a cada vez novas ao mesmo tempo novos “impulsos”, com a ajuda dos quais elas podem se convencer ao mesmo tempo da inexistência de toda e qualquer ameaça (a saber, de toda e qualquer ameaça essencial) e continuar investigando com uma “aquietação” renovada. Assim, não foram precisos agora senão poucos anos até que “a ciência” tivesse clareza quanto ao fato de que sua ESSÊNCIA “liberal” e seu “ideal de objetividade” não apenas se mostram como bem compatíveis com a “orientação” político-popular, mas são mesmo imprescindíveis para ela. E, por isso, tanto a partir da “ciência”, quanto a partir da “visão de mundo”, é preciso admitir de maneira unânime, que o discurso sobre uma “crise” da ciência de fato não foi senão um falatório. A “organização” “popular” “da” ciência movimenta-se pela mesma via que a organização “americanista”, a questão é apenas de que lado os meios e as forças maiores são colocados para a disposição mais rápida e plena, a fim de sair à caça da ESSÊNCIA inalterada e também inalterável por si da ciência moderna, indo ao encontro de seu estado final extremo, uma “tarefa” que pode precisar ainda de séculos e que exclui de maneira cada vez mais definitiva toda e qualquer possibilidade de uma “crise” da ciência, isto é, de uma transformação essencial do saber e da verdade. [tr. Casanova; GA65: 76]
19) Com a solidificação crescente da ESSÊNCIA técnico-maquinacional de todas as ciências, a diferença ob-jetual e procedimental entre as ciências da natureza e as ciências do espirito (ciências humanas) se retrairá cada vez mais. Aquelas ciências se transformam em um componente da técnica de máquinas e das empresas, essas ciências se expandem em direção à ciência abrangente da imprensa, ciência essa marcada por um espectro gigantesco. Nessa ciência, a “vivência” atual é interpretada de maneira constantemente historiológica e, nessa interpretação de sua publicação, é reconduzida de maneira a mais rápida possível e o mais invasiva possível para qualquer um. [tr. Casanova; GA65: 76]
20) As “universidades”, enquanto “sítios da investigação e da doutrina da ciência” (assumindo tal modo de ser, elas são construtos do século 19) se transformam em puras instituições funcionais cada vez mais “próximas da realidade efetiva”, nas quais nada chega a se decidir. Elas só se mantêm como o último resto de uma decoração cultural, enquanto elas precisam permanecer em um primeiro momento ainda ao mesmo tempo um meio para a propaganda “político-cultural”. Uma ESSÊNCIA qualquer de “universitas” não tem mais como ser desdobrada a partir delas: por um lado, porque a utilização político-populista torna supérfluo algo desse gênero, e, em seguida, porém, porque o funcionamento da ciência pode ser mantido em movimento de maneira muito mais segura e confortável mesmo sem o “elemento universitário”, o que significa aqui simplesmente, sem a vontade de meditação. A filosofia, compreendida aqui apenas como meditação pensante sobre a verdade, isto é, sobre a questionabilidade do seer, não como erudição historiológica capaz de fabricar “sistemas”, não tem na “universidade” e na instituição funcional na qual ela se transformará simplesmente nenhum lugar. Pois ela não “tem” em geral em parte alguma tal lugar para além daquele que ela mesma funda, para o qual, porém, não consegue conduzir imediatamente nenhum caminho marcado por uma instituição fixa. [tr. Casanova; GA65: 76]
22) Caso se chegue, como se precisa chegar, ao reconhecimento da ESSÊNCIA predeterminada da ciência moderna, ao reconhecimento de seu caráter de funcionamento puro e necessariamente passível de ser colocado a nosso serviço e das instituições necessárias para isso, então no campo de visão desse reconhecimento é preciso esperar por um progresso gigantesco das ciências, sim, é preciso até mesmo contar com ele. Esses progressos trarão consigo a espoliação e a utilização da terra, a criação e o adestramento do homem para o interior de estados ainda hoje irrepresentáveis, cuja entrada em cena não pode ser impedida ou mesmo apenas retida por meio de nenhuma lembrança romântica de algo anterior e diverso. Esses progressos, porém, também serão cada vez mais raramente assinalados como algo espantoso e que nos chama a atenção, por exemplo, como realizações culturais, mas acontecem e são consumidos em série e, por assim dizer, como mistérios dos negócios, sendo imediatamente divulgados em seus resultados. É somente quando a ciência tiver alcançado essa discrição consonante com o funcionamento que lhe é característico em seu desdobramento, que ela se mostrará lá onde ela mesma se torna impulsionadora: ela se dissolve, então, concomitantemente em meio à dissolução de todo ente mesmo. Com vistas a esse fim, que será um estado final muito duradouro e que se assemelha sempre com um início, a ciência se encontra hoje no seu melhor começo. Só cegos e loucos falarão hoje do “fim” da ciência. [tr. Casanova; GA65: 76]
24) A questão é que o grande deslocamento abismado só surge do saber essencial, que se encontra no outro início, nunca a partir da impotência e da mera perplexidade. O saber, porém, é a insistência na questionabilidade do seer, que guarda, assim, a sua dignidade única no fato de que ele só se doa de maneira bastante rara na recusa como o acontecimento apropriador velado do passar ao largo da decisão sobre a chegada e a fuga dos deuses no ente. Que homem por vir funda esse instante do passar ao largo para o início de uma outra “era”, quer dizer: uma outra história do seer? A dissolução e a junção das faculdades científicas de sustentação. As ciências dos espírito historiológicas transformam-se em ciências da imprensa. As ciências naturais transformam-se em ciência de máquinas. “Jornal” e “máquina” são visados no sentido essencial como modos em constante avanço da objetivação definitiva (que impele, no que concerne aos tempos modernos, para a consumação), que suga para si toda a materialidade do ente, só deixando esse ente mesmo se mostrar como o que dá ensejo à vivência. Por meio desse primado do procedimento na instituição e na preparação, os dois grupos de ciência se encontram em acordo com vistas ao essencial, isto é, o seu caráter de funcionamento. Esse “desenvolvimento” da ciência moderna em sua ESSÊNCIA só é visível hoje para poucos e será recusado pela maioria como não estando presente. Ele também não se deixa comprovar por fatos, mas só tem como ser concebido a partir de um saber sobre a história do ser. Muitos “pesquisadores” ainda imaginarão a si mesmos como pertencendo às tradições comprovadas do século 19. Um número igualmente grande de outros pesquisadores, em ligação com seus objetos, ainda encontrarão novos enriquecimentos e novas satisfações em termos de conteúdos e talvez os façam valer ainda em termos doutrinários, mas tudo isso não demonstra nada contra o primado, no qual a instituição conjunta chamada “ciência” está inserida de maneira irrevogável. A ciência não apenas jamais terá condições de se libertar daí, mas ela nunca irá querer antes de tudo também a libertação, e, quanto mais ela progride, menos pode querer. Antes de tudo, porém, esse primado também não é, por exemplo, um fenômeno da universidade atual alemã, mas ele diz respeito a tudo aquilo que, em um lugar e em um momento quaisquer, futuramente, irá querer ainda ter concomitantemente voz. Se formas de instituição até aqui e anteriores ainda se mantiverem aí por um longo tempo, então elas ainda se tornarão algum dia apenas de maneira mais decidida aquilo que ocorreu por detrás de sua proteção aparente. [tr. Casanova; GA65: 76]
1) Deparar-se com algo que ocorre com alguém; algo sucede a alguém, toca em alguém, algo que se precisa acolher; o suceder em alguém. O que su-cede, o que con-cerne, o que a-feta, sensação oriunda dos sentidos. Receptividade e sensibilidade e instrumentos dos sentidos. 2) O aceder a algo, olhar à sua volta, examinar, buscar informações, o passar em revista. 3) O aceder a como colocar à prova, mesmo questionar, se quando – então, como – se. Em 2) e 3) já sempre e a cada vez algo buscado de maneira mais ou menos determinada. Em 2) é indeterminado aquilo que ocorre comigo, aquilo com o que me deparo sem intervenção. Em 3) Intervenção ou intensificação do aceder, explicitar, ampliar com certos recursos, instrumentos, ferramentas, eles mesmos coisas construídas com matérias primas. Lupa, microscópio, intensificação do ver, condições de observabilidade. Coletânea de múltiplas observações também sobre “regularidades” em uma ordem completamente indeterminada, que chama a atenção. 4) O fato de o aceder e o colocar à prova instrumental terem em vista a exposição de uma regra. Antecipação de uma regularidade, por exemplo, quando tanto – então tanto. Quando – então como algo sempre uma vez mais constante (ón). Realizar uma prova, fazer uma prova; Aristóteles, Metafísica A 1: empeirias, hypolepsis, o a cada vez quando – então. En-saio, não apenas “testar”, mas “colocar o elemento objetivo em tentativas”, criar uma armadilha, levar ao caso, que – que não! 5) O aceder e o colocar à prova, a visada para regras de tal modo que, em geral, o regular e apenas ele é que determine de antemão o elemento objetivo em seu âmbito; e o âmbito como não sendo de modo algum concebível senão como por meio da exposição de regras e essas regras apenas por meio da apresentação da regulari-dade (colocar à prova possibilidades da consonância a regras, tentar a própria “natureza”); e, em verdade, de tal modo que a regra se revele como uma tal da ordem de medida e da mensurabilidade possível (espaço, tempo). O que significa isso fundamentalmente para o elemento instrumental enquanto algo material, natural? Agora temos pela primeira vez a possibilidade, mas também a necessidade do experimento moderno. Por que necessidade? O experimento “exato” (o mensurador), o inexato. Somente onde é possível a antecipação de um âmbito essencial e determinado em termos quantitativos e regulares de objetos, é possível o experimento; e a antecipação determina o experimento em sua ESSÊNCIA. [tr. Casanova; GA65: 78]
A conexão de jogo possui uma ESSÊNCIA histórica e aponta para uma primeira construção de uma ponte da transição; uma ponte, porém, que vibra em direção ao cerne de uma margem a ser primeiramente decidida. [tr. Casanova; GA65: 82]
O ente em seu despontar em relação a ele mesmo (Helenismo); causado por algo supremo de sua ESSÊNCIA (Idade Média); o presente à vista como objeto (Modernidade). [tr. Casanova; GA65: 84]
A metafísica enquanto o saber do “ser” do ente precisou chegar ao fim (ver Nietzsche), porque ela ainda não tinha jamais ousado perguntar sobre a verdade do próprio seer e, por isso, também tinha precisado permanecer em sua própria história em uma confusão e incerteza quanto ao seu fio condutor (do pensar). Justamente por isso, porém, o pensamento transitório não precisa cair na tentação de deixar aquilo que ele concebeu como fim e no fim simplesmente para trás, ao invés de trazer consigo esse atrás de si, ou seja, ao invés de concebê-lo agora pela primeira vez em sua ESSÊNCIA e deixá-lo, transformado, se imiscuir no jogo da verdade do seer. O discurso acerca do fim da metafísica não pode nos induzir erroneamente a achar que a filosofia não teria mais nada a fazer com a “metafísica”. Ao contrário: a metafísica em sua impossibilidade essencial precisa entrar agora pela primeira vez em uma conexão de jogo com a filosofia e a filosofia mesma precisa ser assim jogada para além de si, em direção ao seu outro início. [tr. Casanova; GA65: 85]
Quão poucos compreendem e o quão raramente esses que compreendem concebem a “negação”. Só se vê nela de imediato a rejeição, o alijamento, a degradação e até mesmo a decomposição. Essas figuras da negação não se difundem apenas com frequência, mas também são elas que vão ao encontro da representação corrente do “não” da maneira mais imediata possível. Assim, fica de fora pensar na possibilidade de que a negação pudesse ter até mesmo uma ESSÊNCIA ainda mais profunda do que o “sim”; sobretudo uma vez que o sim também é concebido de imediato no sentido de todo e qualquer tipo de anuência, ou seja, de maneira tão superficial quanto o não. Mas, no âmbito da representação e da “valoração” representativa, a concordância e a recusa são a única forma do sim e do não? Será que, em geral, aquele âmbito é o único e o essencial ou será que, como toda correção, ele também provém da verdade mais originária? E o sim e o não – e esse de maneira mais originária do que aquele – não são uma posse essencial do próprio ser? [tr. Casanova; GA65: 90]
A fixação significa: perguntar sobre o ser do ente. A superação, porém: perguntar antes de tudo sobre a verdade do seer, sobre aquilo que nunca se tornou questão e nunca pode se tornar questão na metafísica. Esse duplo caráter transitório, que toma a “metafísica” ao mesmo tempo de maneira mais originária e, com isso, a supera, é inteiramente a caracterização da “ontologia fundamental”, isto é, de Ser e tempo. Esse título é estabelecido a partir de um claro saber em torno da tarefa: não mais ente e entidade, mas ser; não mais “pensar”, mas “tempo”; não mais pensar antes de tudo, mas o seer. “Tempo” como a denominação da “verdade” do ser e tudo isso como tarefa, como “a caminho”; não como doutrina e dogmática. Agora, a posição fundamental diretriz da metafísica ocidental, entidade e pensamento, o “pensar” – ratio – razão como fio condutor e como antecipação da interpretação da entidade, é colocada em questão; mas de modo algum apenas de tal modo que o pensar seria substituído pelo “tempo” e tudo não seria visado senão “de maneira mais temporal” e existencial, e, com isso, permaneceria tudo como era. Ao contrário, o que se tornou questão foi aquilo que não podia se tornar questão no primeiro início, a verdade ela mesma. Agora, tudo é e tudo se torna diferente. A metafísica se tornou impossível. Pois a verdade do seer e a essenciação do seer são o primeiro, não aquilo em direção ao que a ultrapassagem deve acontecer. Agora, contudo, o que importa também não é apenas a inversão da metafísica até aqui, mas, com a essenciação mais originária da verdade do seer enquanto acontecimento apropriador, a ligação com o ente se tornou uma ligação diversa (não mais a ligação da hypothesis e da “condição de possibilidade” – do koinon e hypokeimenon) O seer se essencia como acontecimento apropriador da fundação do aí e determina ele mesmo a verdade da ESSÊNCIA a partir da essenciação da verdade. [tr. Casanova; GA65: 91]
O tempo enquanto abertura extasiante é em si, com isso, ao mesmo tempo, espacializante, ele cria “espaço”. Esse não possui a mesma ESSÊNCIA que ele, mas lhe pertence e vice-versa. [tr. Casanova; GA65: 98]
1) Como o espaço e tempo são experimentados e concebidos, como eles são denominados no primeiro início; o que significa aqui interpretação “mítica”? 2) Como os dois mesmos estão voltados para o interior do âmbito do ente como o constantemente presente e, em parte, como um me ón. 3) O fato de aqui o âmbito da verdade se encontrar cerrado e permanecer desconhecido. 4) Em que medida não há nenhuma possibilidade e nenhuma necessidade de repensar espaço e tempo (lugar e agora) em sua origem (pertencente à aletheia). 5) Por meio do que, então, espaço e tempo se tornam representações de quadros pela via de sua interpretação com vistas ao melethos. 6) Como esse ponto de partida é, então, assumido no pensar “matemático” moderno. 7) Como é que, em Leibniz e em Kant, por fim, a ambiguidade de sua ESSÊNCIA e da ligação com o “eu” e com a “consciência”, que já vige ela mesma, tal como a interpretação do ente enquanto ousia, como certa e como decidida em seu conceito. (Tal como mesmo Nietzsche não pergunta aqui desde o fundamento). [tr. Casanova; GA65: 108]
5) A interpretação do ón como ousia e dessa como idea (koinon, gene) concebe a entidade do ente e, com isso, o eivai do ón (o ser, mas não o seer). Na entidade (ousia), o einai, o ser, é pressentido como aquilo que de algum modo é diverso, que não se preenche plenamente na ousia. É por isso que se busca, prosseguindo pelo mesmo caminho, isto é, pelo caminho da apreensão da presentação, ir além da entidade: epekeina tes ousias. Mas como a questão só se encontra voltada para o ente e para a sua entidade, ela nunca tem como se deparar com o seer mesmo e se dar a partir dele. O epekeina só pode ser determinado, portanto, como algo que caracteriza desde então a entidade enquanto tal em sua ligação com o homem (eudaimonia), como o agathon, o que é válido, o que fundamenta toda validade, ou seja, como condição da “vida”, da psyche e, com isso, de sua própria ESSÊNCIA. Com isso, dá-se o passo em direção ao “valor”, ao “sentido”, ao “ideal”. A questão diretriz acerca do ente enquanto tal já está em seus limites e ao mesmo tempo no lugar em que ela recai uma vez mais, não concebendo mais a entidade de modo mais originário, mas apenas a a-valiando, de tal forma que a valoração mesma é exposta como o que há de mais elevado. [tr. Casanova; GA65: 110]
24) Para criar uma prontidão para o salto no ser-aí, por isso, há uma tarefa incontomável: introduzir a superação do platonismo por meio do saber mais originário em tomo de sua ESSÊNCIA. [tr. Casanova; GA65: 110]
25) De acordo com isso precisamos perguntar: a) Em que experiência e interpretação está fundado o estabelecimento do ente enquanto idea? Em que verdade (de que ESSÊNCIA) se b) encontra a determinação da entidade (ousia) do ente, ón, como idea? c) Se essa verdade permaneceu indeterminada, e ela permaneceu, por que não se perguntou sobre ela? d) Se nenhuma necessidade em relação a tal questão se fez valer, em que esse questionamento tem o seu fundamento? Esse fundamento só pode residir no fato de que a interpretação da entidade enquanto idea era completamente suficiente para a questão acerca do ente e tragava de antemão todo e qualquer questionamento diverso. E isso, por sua vez, precisa estar fundamentado na unicidade da interpretação do ente. e) Essa interpretação projeta o ente com vistas à presentidade constante. A idea se essencia enquanto tal e torna todo e qualquer passo para além disso impossível; pois com tal projeção o ser passa a se dar na essenciação, de acordo com a qual o ente encontra tudo preenchido. A essenciação enquanto presentidade e constância não abre nenhum espaço para uma in-suficiência e, com isso, também não oferece nenhum motivo para a questão acerca da verdade dessa interpretação; ela ratifica a si mesma como aquilo que ratifica todo ente enquanto tal. A entidade enquanto idea é, com isso, por si mesma o verdadeiramente (alethos) ente, ón. f) Por meio dessa interpretação do ente é atribuída ao homem desde então e de acordo com o ser uma posição inequívoca: como constantemente presente, o verdadeiramente ente é sempre e a cada vez o contraposto, a vista que se encontra em face de; o homem, por sua vez, é aquilo que ocorre e que está ligado e por si mesmo vinculado a esse contraposto; ele pode ser ele mesmo ainda o contraposto em meio à reflexão; o desdobramento posterior de consciência, objeto e “auto”-consciência se acham preparados. g) Não obstante, resta o fato de que a aletheia tinha sido experimentada e vislumbrada com a interpretação inicial do ón como physis. E, de acordo com isso, há no primeiro início mais do que na interpretação platônica. E, por isso, em meio à confrontação, o primeiro início precisa ser recolocado em sua grandeza e unicidade incapazes de serem falsificadas; a confrontação não o suspende, mas funda pela primeira vez sua necessidade para o outro. [tr. Casanova; GA65: 110]
A ramificação mais extrema e ao mesmo tempo mais fatídica do “idealismo” se mostra lá onde ele aparentemente é abandonado, sim, até mesmo combatido (quando, por exemplo, se contesta e se nega ao Idealismo alemão a proximidade com a vida). Esse idealismo tem a figura do biologismo, que é e quer ser segundo sua ESSÊNCIA necessariamente plurissignificativo. Pois com o ponto de partida na “vida” enquanto realidade efetiva fundamental (“vida” como vida-de-tudo e, ao mesmo tempo, como vida humana) é possível assegurar de imediato duas coisas: Vida como ação e como fazer é um ir além e um prosseguir e se acha assim dirigida para além de si rumo ao “sentido” e ao “valor”, ou seja, “idealismo”: mas, é assim que se pode revidar imediatamente, não da forma de vida da representação e da “consciência”, mas do vivenciar e do efetivamente atuar, vida e vivência; tudo isso soa “realista”, mas também pode se permitir, se necessário, ser considerado também e precisamente como o mais elevado idealismo. Essas ambiguidades dão a aparência de amplitude e de profundidade, mas são apenas a consequência de uma falta completa de fundamento desse “pensar”, que é completamente superficial e intencionalmente cego para a sua origem histórica, de tal modo que ele falsifica ao extremo o que é mais palpável com a duvidosa vantagem de encontrar imediatamente concordância. [tr. Casanova; GA65: 110]
Para o tempo subsequente da metafísica, é característico que, em verdade, a caracterização temporal seja usada para a diferenciação do ente, que, contudo, já aqui e apenas aqui o tempo seja usado como o número do que se altera, como o numerável, isto é, como a forma de ordenação do numerável, ou seja, que o tempo seja usado como quadro. Em outras palavras, a ESSÊNCIA mais originária do tempo não é de modo algum experimentada, assim como não o é aquela ESSÊNCIA originária do espaço. Assim, a ousia enquanto “substância” é estabelecida por assim dizer como livre do tempo, a fim de ser determinada, então, sempre de acordo com a ocasião, como “eterna” (infinita) ou temporal, finita. A metafísica não vai além desse quadro. Ser e tempo parece, por isso, ser algo óbvio! [tr. Casanova; GA65: 113]
A entrada do homem na história do ser é incalculável e independente de todo progresso ou derrota da “cultura”, uma vez que a própria “cultura” significa a fixação do abandono do ser do ente e uma vez que o crescente enredamento da ESSÊNCIA humana em seu “antropologismo” impele ou mesmo pressiona o homem ainda uma vez de volta para o desconhecimento cristão de toda verdade do seer. [tr. Casanova; GA65: 116]
A guarda do homem, contudo, é o fundamento de uma outra história. Pois ela não se realiza como mero manter-em-vista algo presente. Essa guarda é antes uma guarda fundante. Ela precisa erigir a verdade do seer e abrigá-la no “ente” mesmo, que, assim, desdobra pela primeira vez novamente – inserindo no seer e em seu estranhamento – a simplicidade encantadora de sua ESSÊNCIA, ultrapassa toda maquinação e se subtrai à vivência em meio ao erigir de um outro domínio, isto é, de seu âmbito, do qual o último deus se apropriou em meio ao acontecimento. É somente por meio da queda e da reviravolta do ente que o ente bifurcado em maquinação e vivência e já calcificado no que não é chega a ceder diante do seer e, com isso, alcança a sua verdade. [tr. Casanova; GA65: 123]
Toda mediação e salvação tíbias não fazem outra coisa senão aprisionar o ente ainda mais no abandono do ser e transformar o esquecimento do ser na única forma da verdade, a saber, da não verdade do seer. Como é que o pressentimento poderia ganhar aí ainda o menor espaço possível, de tal modo que a recusa se mostrasse como o primeiro envio mais elevado do seer, sim, como a sua própria essenciação inicial. Esse envio acontece apropriadoramente como a retração, que vincula ao silêncio, no qual a verdade segundo sua ESSÊNCIA chega novamente à decisão sobre se ela pode ser fundada como a clareira para o encobrir-se. Esse encobrir-se é o desencobrimento da recusa, o deixar pertencer ao elemento estranho de um outro início. [tr. Casanova; GA65: 123]
O “tempo” deveria se tornar experimentável como o campo de jogo “ekstático” da verdade do seer. O arrebatamento extasiante em meio ao clareado deveria fundar a própria clareira como o aberto, no qual o seer se reúne em sua ESSÊNCIA. Tal ESSÊNCIA não pode ser comprovada como algo presente à vista, sua essenciação precisa ser esperada como um choque. O primeiro e longo permanece: poder esperar nessa clareira até que os acenos venham. Pois o pensar não tem mais o favor do “sistema”, ele é histórico no sentido único de que o seer mesmo suporta pela primeira vez como acontecimento apropriador toda história e, por isso, nunca pode ser alcançado pelo cálculo. [tr. Casanova; GA65: 125]
A partir da ESSÊNCIA originária da verdade determina-se pela primeira vez o verdadeiro e, com isso, o ente; e, com efeito, de tal modo que agora não é mais o ente que é, mas o seer que emerge como que por um salto para o “ente”. Por isso, no outro início do pensar, o seer é experimentado como acontecimento apropriador; e isso de tal modo, com efeito, que essa experiência muda como um novo salto todas as referências ao “ente”. Desde então, o homem, isto é, o homem essencial e os poucos de seu tipo, precisa construir a partir do ser-aí a sua história, o que significa que, antes de tudo, é a partir do seer para o ente que ele precisa provocar efeitos no ente. Não apenas como até aqui, de tal modo que o seer se mostre como algo esquecido, mas incontornavelmente apenas pré-visado, mas de tal modo que o seer, sua verdade, suporte expressamente toda e qualquer ligação com o ente. Isso exige a retenção como tonalidade afetiva fundamental, que afina inteiramente aquela guarda no tempo-espaço para o passar ao largo do último deus. [tr. Casanova; GA65: 130]
O seer precisa do homem, para que ele se essencie, e o homem pertence ao seer, algo com vistas ao que ele consuma a sua mais extrema determinação enquanto ser-aí. O seer