die Irre
Insistente, o homem está voltado para o que é o mais corrente em meio ao ente. Ele, porém, somente pode insistir na medida em que já é ek-sistente, isto é, enquanto ele, contudo, toma como medida diretora o ente como tal. Mas a humanidade, enquanto toma medida, está desviada do mistério. Este insistente dirigir-se ao que é corrente e o ek-sistente afastar-se do mistério se copertencem. São uma e mesma coisa. Esta maneira de se voltar e se afastar resulta, no fundo, da agitação inquieta que é característica do ser-aí. Este vaivém do homem no qual ele se afasta do mistério e se dirige para a realidade corrente, corre de um objeto da vida cotidiana para outro, desviando-se do mistério, é o errar [das Irren].
O homem erra. O homem não cai na errância [die Irre] num momento dado. Ele somente se move dentro da errância porque in-siste ek-sistindo e já se encontra, desta maneira, sempre na errância. A errância em cujo seio o homem se movimenta não é algo semelhante a um abismo ao longo do qual o homem caminha e no qual cai de vez em quando. Pelo contrário, a errância participa da constituição íntima do ser-aí à qual o homem historial está abandonado. A errância é o espaço de jogo deste vaivém no qual a ek-sistência insistente se movimenta constantemente, se esquece e se engana sempre novamente. A dissimulação do ente em sua totalidade, ela mesma velada, se afirma no desvelamento do ente particular que, como esquecimento da dissimulação, constitui a errância.
A errância é a antiessência fundamental que se opõe à essência da verdade. A errância se revela como o espaço aberto para tudo o que se opõe [Widerspiel] à verdade essencial. A errância é o cenário e o fundamento do erro [der Irrtum]. O erro não é uma falta ocasional, mas o império desta história onde se entrelaçam, confundidas, todas as modalidades do errar.
Todo o comportamento [Verhalten] possui sua maneira de errar, correspondente à abertura que mantém e à sua relação com o ente em sua totalidade. O erro [der Irrtum] se estende desde o mais comum engano, inadvertência, erro de cálculo, até o desgarramento [die Beirrung] e o perder-se de nossas atitudes e nossas decisões essenciais. Aquilo que o hábito e as doutrinas filosóficas chamam erro, isto é, a não-conformidade do juízo e a falsidade do conhecimento, é apenas um modo e ainda o mais superficial de errar. A errância na qual a humanidade historial se deve movimentar para que se possa dizer que sua marcha é errante é uma componente essencial da abertura do ser-aí. A errância domina o homem enquanto o leva a se desgarrar [beirren]. Mas pelo desgarramento [die Beirrung] a errância contribui também para fazer nascer esta possibilidade que o homem pode tirar da ek-sistência e que consiste em não se deixar levar pelo desgarramento. O homem não sucumbe no desgarramento se for capaz de provar a errância enquanto tal e não desconhecer o mistério do ser-aí. [MHeidegger – SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE]