Poderíamos usar outro exemplo para ilustrar isso que Husserl intuiu (como Lebenswelt) e que se tornou tão problemático por causa do seu método e, depois, pelo seu encontro com Heidegger. Vejamos a expressão de Freud, na Psicanálise, Urverdrängung, o recalque originário ou recalque primário. O que é recalque originário?1
Freud, quando falou em recalque, viu-se diante de um problema. O recalque se faz quando algo vivido por nós cai no inconsciente, ou melhor, no subconsciente e depois fica inconsciente. Ora, se cai ali está perdido. Como recuperar isto? Muito kantianamente, Freud inventou essa palavra, Urverdrängung. Ele diz que existe algum tipo de recalque que nós fazemos e que desde sempre constitui o chão primeiro que sustenta nossa vida, nossa confiança no mundo, e que está recalcado sem poder voltar. Os recalques são feitos durante a vida, no cotidiano. São desejos que vão em direção de um objeto e que são seccionados do objeto e reprimidos. Os desejos podem ser recuperados graças ao recalque originário, que é a rede na qual todos os recalques caem e se perdem, ou melhor, onde se perderiam para sempre se não houvesse este recalque primeiro.
Quer dizer, foi um pouco antes de Husserl que Freud levantou essa teoria do recalcamento originário, em 1914-1915. Fazem parte da mesma época, contudo, e há uma certa proximidade entre o mundo da vida e recalque originário, ou seja, isso também serve de exemplo, de metáfora, para entendermos porque Husserl introduziu esse conceito.
- Ver a introdução do meu livro Racionalidade e Existência, Ed. Unijuí, 2008.[↩]