Heidegger, fenomenologia, hermenêutica, existência

Dasein descerra sua estrutura fundamental, ser-em-o-mundo, como uma clareira do AÍ, EM QUE coisas e outros comparecem, COM QUE são compreendidos, DE QUE são constituidos.

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ente

quarta-feira 13 de dezembro de 2023

Seiendes
(das) Seiende, "aquilo que é"

Uma tal procura que aspira pelo sophon, pelo hen panta, pelo ENTE no ser, se articula agora numa questão: que é o ENTE, enquanto é? SomENTE agora o pensamento torna-se "filosofia". Heráclito   e Parmênides ainda não eram "filósofos". Por que não? Porque eram os maiores pensadores. "Maiores" não designa aqui o cálculo de um rendimento, porém aponta para uma outra dimensão do pensamento. Heráclito   e Parmênides eram "maiores" no sentido de que ainda se situavam no acordo com o logos, quer dizer, com o hen panta. O passo para a "filosofia", preparado pela sofística, só foi realizado por Sócrates   e Platão. Aristóteles então, quase dois séculos depois de Heráclito  , caracterizou este passo com a seguinte afirmação: [original grego] (Metafísica, VI, 1, 1028 b 2 ss.). Na tradução isso soa: "Assim, pois, é aquilo para o qual (a filosofia) está em marcha já desde os primórdios, e também agora e para sempre e para o qual sempre de novo não encontra acesso (e que é por isso questionado): que é o ENTE? (ti to on)".

A filosofia procura o que é o ENTE enquanto é. A filosofia está a caminho do ser do ENTE, quer dizer, a caminho do ENTE sob o ponto de vista do ser. Aristóteles elucida isto, acrescentando uma explicação ao ti to on, que é o ENTE?, na passagem acima citada: touto esti tis he ousia? Traduzido: "Isto (a saber, ti to on) significa: que é a entidade do ENTE?" O ser do ENTE consiste na entidade. Esta, porém - a ousia -, é determinada por Platão como ideia, por Aristóteles como energeia. [MHeidegger]


Ao mesmo tempo, emprega-se o "es gibt" (se dá), para evitar, por enquanto, a locução: "o Ser é"; pois o é se diz comumENTE daquilo que é. E isso chamamos de ENTE. Ora, o Ser não é o ENTE. Por isso, se se diz o é, sem ulteriores explicações, do Ser, então facilmENTE se ENTEnde o Ser como um ENTE, à maneira dos ENTEs conhecidos, que como causa produzem efeito ou como efeito são produzidos. Sem embargo, já nos primórdios do pensamento, diz Parmênides; estin gar einai, "é, pois, o Ser". Nessa palavra se esconde para todo pensamento o mistério originário. Talvez o é só possa ser dito de maneira adequada do Ser, de sorte que, em sentido próprio, nenhum ENTE é. Todavia, porque o pensamento ainda deve chegar a dizer o Ser em sua Verdade, ao invés de explicá-lo como uni ENTE, tem que ficar aberta, para o desvelo cuidadoso do pensamento, a questão, se e como o Ser é. [CartaH  ]
No final do primeiro livro de um de seus principais tratados, Aristóteles diz que: [original grego] É também, portanto, ο que sempre se buscou desde sempre, como também (sobretudo) agora e no futuro, e nunca (quando se pensa) encontrou resposta, é o que é o ENTE…”[Met.Z1, 1028 b 2 ff. (Traduzimos a tradução de Heidegger. [N.daT.])]

tí tò ón, “o que é o ENTE?”, pergunta o pensador. Na determinação aqui explicitada daquilo que para o pensador constitui o a-se-pensar, encontramos a palavra tò ón, o ENTE. Assim, novamENTE, uma palavra que tem o caráter de particípio. Apreendemos, contudo, esse particípio segundo a representação comum mais à mão, isto é, segundo o significado substantivado. De acordo com a observação feita até agora sobre as sENTEnças de Aristóteles, o a-se-pensar do pensador é tò ón. Disso se pode concluir muito pouco, se essa palavra participial tò ón deve ser compreendida “substantivamENTE”, “verbalmENTE” ou ainda de outra maneira. No entanto, o próprio Aristóteles pode nos socorrer nesse apuro. A primeira frase de um de seus tratados, que oferece um projeto do campo em que se deve abrigar o pensamento essencial, começa assim: [70] [original grego] “É (ou seja, existe a possibilidade e a necessidade interior de) algum saber, que tem em vista o ENTE à medida em que é ENTE (portanto um saber), segundo o qual também tem em vista tudo aquilo que, em sendo ENTE, vem ao encontro em si mesmo.” [Metafísica, G 1, 1003 a 21-23.]

Segundo essa frase de Aristóteles, o pensamento essencial é um saber. Esse saber tem como especificidade ter em vista o que é para ele o a-se-pensar. Tem-se em vista o ENTE, tò ón, mas he ón, isto quer dizer: a vista é uma visão de que o ENTE é ENTE. No ENTE, o que se deve assim agarrar não é o que está mais à mão, ou seja, se é uma casa, uma árvore, um asno, um homem ou outra coisa, mas o ENTE deve ser visto “somENTE” a partir da distância transparENTE em que se determina como um ENTE. Ente, porém, é ENTE só pelo fato de que “é”, ou seja, pelo fato de “ser”, tò ón, o ENTE, é tò zetoumenon, o procurado, mas procurado no pensamento que pensa o ENTE, o ser dos ENTEs e aquilo que vem de encontro ao ser.

Em grego ser é tò einai. Essa palavra einai é o infinitivo do verbo cujo particípio é tò ón. Aqui fica claro: se o pensador pensa o ENTE, então ele compreende a palavra participial não no sentido substantivado, mas no sentido verbal. A questão abreviada e ambígua — o que é o ENTE? — mostra-se, na verdade, como a pergunta que conduz os pensadores. Sob o fio condutor dessa pergunta, eles não perguntam, porém, se o ENTE é uma pedra, um osso, um asno ou um triângulo. A pergunta em causa para os pensadores — o que é o ENTE? —- significa somENTE a pergunta: o que é o ser dos ENTEs? O que é isso, dentro e através do que algo é “ENTE”? [Em português, a forma que corresponde propriamENTE ao latino “ens” e ao grego “ón” é “sendo”, o particípio presENTE do verbo ser. (N. da T.)] O que caracteriza como tal o “ENTE” que “está sendo”?

A linguagem chama, por exemplo, de liberdade o que caracteriza e distingue o “livre” como tal, o que se distingue enquanto [71] um livre. O que relaciona o ser-justo com o justo é a justiça. ConsequENTEmENTE, deveríamos dizer, mesmo fazendo estremecer o ouvido comum, que aquilo que caracteriza o ENTE como tal é a “entidade”. [GA55MSC:70-72]