verwend, verwenden, Verwendbarkeit, Verwendung
À cotidianidade de ser-no-mundo pertencem modos de ocupação que permitem o encontro com o ente de que se ocupa, de tal maneira que apareça a determinação mundana dos entes intramundanos. Na ocupação, o ente que está mais imediatamente à mão pode ser encontrado como algo que não é passível de ser EMPREGADO ou como algo que não se acha em condições de cumprir seu emprego específico. O utensílio se apresenta danificado, o material inadequado. Em todo caso, um instrumento está aqui à mão. Mas o que a impossibilidade de emprego descobre não é a constatação visual de propriedades e sim a circunvisão da lida no uso. Nessa descoberta da impossibilidade de emprego, o instrumento surpreende. A surpresa proporciona o instrumento num determinado modo de não estar à mão. Entretanto, aí se acha o seguinte: o que não pode ser usado está simplesmente aí – mostra-se como coisa-instrumento, dotada de tal e tal configuração, e que, em sua manualidade, é sempre simplesmente dada nessa configuração. O puro ser simplesmente dado anuncia-se no instrumento de modo a, contudo, recolher-se novamente à manualidade do que se acha em ocupação, ou seja, do que se encontra na possibilidade de se pôr de novo em condições. Esse ser simplesmente dado do que não pode ser usado não carece, todavia inteiramente de manualidade. O instrumento assim simplesmente dado ainda não é uma coisa que aparece em algum lugar. A danificação do instrumento também ainda não é sua transformação em simples coisa ou uma mera troca de características de algo simplesmente dado. STMSC: §16
O modo de lidar da ocupação, no entanto, não se depara apenas com o que não pode ser EMPREGADO em meio ao que já está à mão. Depara-se com o que falta, com o que não apenas não pode ser “manuseado”, mas com o que não está, de modo algum, “à mão”. Esse tipo de falta, como encontro de algo que não está à mão, põe de novo a descoberto o manual, embora num certo ser simplesmente dado. Ao constatar o que não está à mão, o manual assume o modo da importunidade. Quanto maior for a falta do necessário, quanto mais propriamente ele se der ao encontro não estando à mão, tanto mais importuno torna-se o manual, e isso de tal maneira que parece perder o caráter de manualidade. Ele se desvela como algo simplesmente dado que não pode mover-se sem o que falta. Ficar sem saber o que fazer é um modo deficiente de ocupação que descobre o ser simplesmente dado de um manual. STMSC: §16
Na lida com o mundo na ocupação, ainda se pode encontrar um manual não apenas no sentido do que não pode ser EMPREGADO ou do que simplesmente está faltando, mas também, enquanto não manual. O que não falta e não é passível de emprego, como o que “obstrui o caminho” para a ocupação. Aquilo para que a ocupação não pode voltar-se, aquilo para que ela não tem “tempo”, é um não manual, no modo do que não pertence ou não se finalizou. Esse não estar à mão perturba e faz aparecer a impertinência do que, numa primeira aproximação e antes de tudo, deve ocupar-se. Com esta impertinência, anuncia-se de maneira nova o ser simplesmente dado do manual como o ser daquilo que se apresenta, exigindo ainda a sua finalização. STMSC: §16
Na surpresa, importunidade e impertinência, o manual perde, de certo modo, a sua manualidade. No modo de lidar com o que está à mão, porém, sempre se compreende a manualidade, se bem que de maneira não temática. Ela não desaparece, mas se despede, por assim dizer, na surpresa do que não pode ser EMPREGADO. A manualidade se mostra mais uma vez, mostrando também a determinação mundana do manual. STMSC: §16
As referências determinam a estrutura do ser do manual enquanto instrumento. O “em si” próprio e evidente das “coisas” mais próximas encontram-se na ocupação que faz uso das coisas, embora sem tomá-las explicitamente, podendo deparar-se com o que não é passível de emprego. Um instrumento não pode ser EMPREGADO – isto significa: a referência constitutiva entre o ser para (Um-zu) e um ser para isso (Dazu) acha-se perturbada. No subordinar-se da ocupação às referências, elas não são consideradas em si, elas estão “pre-sentes por aí” [»da«]. Numa perturbação da referência – na impossibilidade de emprego para…, a referência se explicita, se bem que ainda não como estrutura ontológica, mas, onticamente, para a circunvisão, que se depara com o dano do utensílio. A circunvisão desperta a referência a um específico ser para isso (Dazu), tornando assim visível não apenas tal ser, mas o contexto da obra, todo o “canteiro da obra” e, na verdade, como aquilo em que a ocupação sempre se detém. O conjunto instrumental não se evidencia como algo nunca visto e sim como um todo já sempre visto antecipadamente na circunvisão. Com esse todo, anuncia-se o mundo. STMSC: §16
A “descrição” do mundo circundante mais próximo, por exemplo, do mundo do artesão, mostrou que, com o instrumento em ação, também “vêm ao encontro” os outros, aos quais a “obra” se destina. No modo de ser desse manual, ou seja, em sua conjuntura, subsiste uma referência essencial a possíveis portadores para os quais a obra está “talhada sob medida”. Do mesmo modo, junto com o material EMPREGADO, também vem ao encontro o seu produtor ou “fornecedor”, enquanto aquele que “serve” bem ou mal. O campo, por exemplo, onde passeamos “lá fora” mostra-se como o campo que pertence a alguém, que é por ele mantido em ordem; o livro usado foi comprado em tal livreiro, foi presenteado por… e assim por diante. Em seu ser-em-si, o barco ancorado na praia refere-se a um conhecido que nele viaja ou então um “barco desconhecido” mostra outros. Os outros que assim “vêm ao encontro”, no conjunto instrumental à mão no mundo circundante, não são algo acrescentado pelo pensamento a uma coisa já antes simplesmente dada. Todas essas coisas vêm ao encontro a partir do mundo em que elas estão à mão para os outros. Este mundo já é previamente sempre o meu. Na análise feita até aqui, a periferia daquilo que vem ao encontro dentro do mundo restringiu-se, de início, ao instrumento manual e à natureza simplesmente dada e, assim, aos entes destituídos do caráter da presença [Dasein]. Esta restrição não apenas era necessária para simplificar a explicação, mas, sobretudo, porque o modo de ser da presença [Dasein] dos outros que vêm ao encontro dentro do mundo diferencia-se da manualidade e do ser simplesmente dado. O mundo da presença [Dasein] libera, portanto, entes que não apenas se distinguem dos instrumentos e das coisas mas que, de acordo com seu modo de ser de presença [Dasein], são e estão “no” mundo em que vêm ao encontro segundo o modo de ser-no-mundo. Não são algo simplesmente dado e nem algo à mão. São como a própria presença [Dasein] liberadora – são também co-presenças. Ao se querer identificar o mundo em geral com o ente intramundano, dever-se-ia então dizer: “mundo” é também presença [Dasein]. STMSC: §26
Já no mais simples manuseio de um instrumento opera o deixar e fazer em conjunto. O seu estar junto possui o caráter de para quê (Wozu); é considerando o para quê que o instrumento é e pode ser EMPREGADO. Compreender o para quê, ou seja, o estar junto da conjuntura, tem a estrutura temporal do aguardar. É somente aguardando o para quê que a ocupação pode retornar para alguma coisa junto à qual estabelece uma conjuntura. Em sua unidade ekstática, o aguardar do estar junto, simultaneamente com o reter do estar com da conjuntura, possibilita a atualização específica de um manejo do instrumento. STMSC: §69
Algo que não pode ser EMPREGADO como, por exemplo, a falha de uma determinada ferramenta, só pode vir a surpreender num e para um manuseio. Mesmo a “percepção” e a “representação” mais detida e precisa de coisas não é capaz de descobrir o dano de uma ferramenta. É preciso que o próprio afazer se veja perturbado para que possa vir ao encontro algo que não pode ser manuseado. Todavia, o que isto significa ontologicamente? No tocante a seu empenho nas remissões de um conjunto, a atualização que aguarda e retém se interrompe pelo que, posteriormente, se apresenta como dano. A atualização que, de modo igualmente originário, aguarda o para quê se fixa com o instrumento usado de tal maneira que, somente então, o para quê e o ser-para vêm, explicitamente, ao encontro. A própria atualização, porém, só pode encontrar algo inapropriado para… na medida em que já se movimenta num reter que aguarda aquilo com que estabelece sua conjuntura. Dizer que a atualização se “interrompe” significa: na unidade com o aguardar que retém, ela se desloca ainda mais para dentro de si mesma, constituindo, assim, o “teste”, a prova e o afastamento do distúrbio. Se o modo de lidar da ocupação fosse meramente uma sequência de “vivências” que transcorrem “no tempo”, por mais “associadas” que fossem, do ponto de vista ontológico, seria impossível um encontro do instrumento que surpreende por não poder ser EMPREGADO. O deixar e fazer em conjunto que, no modo de lidar, torna acessíveis quaisquer nexos instrumentais, deve, como tal, fundar-se na unidade ekstática da atualização que aguarda e retém. STMSC: §69