Deleuze (2010:57) – plano de imanência pré-filosófico

Se a filosofia começa com a criação de conceitos, o plano de imanência deve ser considerado como pré-filosófico. Ele está pressuposto, não da maneira pela qual um conceito pode remeter a outros, mas pela qual os conceitos remetem eles mesmos a uma compreensão não-conceitual. Esta compreensão intuitiva varia ainda segundo a maneira pela qual o plano está traçado. Em Descartes, tratar-se-ia de uma compreensão subjetiva e implícita suposta pelo Eu penso como primeiro conceito; em Platão, era a imagem virtual de um já-pensado que redobraria todo conceito atual. Heidegger invoca uma “compreensão pré-ontológica do Ser”, uma compreensão “pré-conceitual” que parece bem implicar a captação de uma matéria do ser em relação com uma disposição do pensamento. De qualquer maneira, a filosofia coloca como pré-filosófica, ou mesmo não-filosófica, a potência de um Uno-Todo como um deserto movente que os conceitos vêm a povoar. Pré-filosófica não significa nada que preexista, mas algo que não existe fora da filosofia, embora esta o suponha. São suas condições internas. O não-filosófico está talvez mais no coração da filosofia que a própria filosofia, e significa que a filosofia não pode contentar-se em ser compreendida somente de maneira filosófica ou conceitual, mas que ela se endereça também, em sua essência, aos não-filósofos 1. Veremos que esta remissão constante à não-filosofia assume aspectos variados; de acordo com este primeiro aspecto, a filosofia, definida como criação de conceitos, implica uma pressuposição que dela se distingue, e que todavia dela é inseparável. A filosofia é ao mesmo tempo criação de conceito e instauração do plano. O conceito é o começo da filosofia, mas o plano é sua instauração 2. O plano não consiste evidentemente num programa, num projeto, num fim ou num meio; é um plano de imanência que constitui o solo absoluto da filosofia, sua Terra ou sua desterritorialização, sua fundação, sobre os quais ela cria seus conceitos. Ambos são necessários, criar os conceitos e instaurar o plano, como duas asas ou duas nadadeiras.

[DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? São Paulo: Editora 34, 2010]
  1. François Laruelle desenvolve uma das tentativas mais interessantes da filosofia contemporânea: invoca um Uno-Todo que qualifica de “não-filosófico” e, estranhamente, de “científico”, sobre o qual se enraíza a “decisão filosófica”. Este Uno-Todo parece próximo de Espinosa. Cf. Philosophie et non-philosophie, Ed. Mardaga.[]
  2. Etienne Souriau publicou em 1939 L’instauration philosophique, Ed. Alcan: sensível à atividade criadora em filosofia, ele invoca uma espécie de plano de instauração como solo desta criação, ou “filosofema”, animado de dinamismos (pp. 62-63).[]