Heidegger mostra como a repetição da questão desenvolve-se no liame do problema com a repetição: “Por repetição de um problema fundamental, entendemos a explicitação das possibilidades que ele encobre. O desenvolvimento destas tem o efeito de transformar o problema considerado e, deste modo, conservar seu conteúdo autêntico. Conservar um problema significa liberar e salvaguardar a força interior que está na fonte de sua essência e que o torna possível como problema. A repetição das possibilidades de um problema não é, pois, uma simples retomada do que é correntemente admitido sobre esse problema. .. Assim compreendido, o possível impediría toda repetição verdadeira e, desse modo, toda relação com a história. .. (uma boa interpretação deve, ao contrário, decidir) se a compreensão do possível que domina toda repetição foi suficientemente levada a cabo e se está à altura daquilo que, verdadeiramente, está em vias de se repetir”1. O que é este (235) possível no seio do problema, que se opõe às possibilidades ou proposições da consciência, às opiniões correntemente admitidas que formam hipóteses? Nada mais que a potencialidade da Ideia, sua virtualidade determinável. Neste ponto, Heidegger é nietzscheano. De que se diz a repetição no eterno retorno, a não ser da vontade de potência, do mundo da vontade de potência, de seus imperativos e de seus lances de dados, e dos problemas saídos do lançar? A repetição no eterno retorno nunca significa a continuação, a perpetuação, o prolongamento, nem mesmo o retorno descontínuo de alguma coisa que seria pelo menos apta a prolongar-se num ciclo parcial (uma identidade, um Eu, um Eu), mas, ao contrário, a retomada de singularidades pré-individuais, que supõem, primeiramente, para que possam ser apreendidas como repetição, a dissolução de todas as identidades prévias. Toda origem é uma singularidade, toda singularidade é um começo sobre a linha horizontal, a linha dos pontos ordinários em que ela se prolonga, como em reproduções ou cópias que formam os momentos de uma repetição nua. Mas ela é recomeço sobre a linha vertical, que condensa as singularidades e onde se tece a outra repetição, a linha de afirmação do acaso. Se o “ente” é em primeiro lugar diferença e começo, o ser é repetição, recomeço do ente. A repetição é o “contanto que” da condição que autentica os imperativos do ser. Esta é sempre a ambiguidade da noção de origem e a razão de nossa decepção precedente: uma origem só é assinalada num mundo que contesta tanto o original quanto a cópia; uma origem só assinala um fundamento num mundo já precipitado no universal a-fundamento.
[DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. Tr. Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988]